Mito de artista 13/05/2015


Poucas vezes o título de uma exposição foi tão eloquente: Piero Manzoni. O nome do artista nascido em Cremona e morto em Milão aos 29 anos é sinônimo de uma produção pequena, materialmente simples e intelectualmente refinada. É também sinônimo de humor. Impossível conter o riso diante de uma lata rotulada Merda d’artista (1961).

 

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Esta é a primeira retrospectiva de Piero Manzoni na América Latina. Manzoni se projetou na cena vanguardista europeia dos anos 1950 e 1960, e participou de duas bienais em São Paulo. Sob a curadoria de Paulo Venâncio Filho, obras de todas as séries que ele produziu podem ser vistas na Sala Paulo Figueiredo.

Manzoni viveu pouco, mas seu legado marcou profundamente a arte do século XX. Suas obras põem em xeque conceitos fundamentais das artes visuais e, às vezes, os esvaziam por completo. O resultado é o nada. Um nada que abriu vários caminhos para a arte contemporânea.

Piero Manzoni começou pela pintura. Ou melhor: começou pela redução da pintura a conceitos. Seu primeiro cuidado foi afastar-se da abstração informal, estilo de que dominou a pintura europeia no pós-guerra. Em lugar do drama visual gerado por pinceladas carregadas de tinta, Manzoni preferiu a literalidade da matéria. Ele usa sintéticos, resinas, plásticos, materiais novos em um mundo novo.

 

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Para Manzoni, a matéria é afirmativa, basta por si só. Nada precisa ser dito além de um título que, de tão óbvio, pode ser perturbador. Achrome (1957-63) é pintura feita de qualquer matéria – algodão, cal, miolo de pão –, na qual não se acrescenta cor, conceito essencial ao campo da pintura. Não importa o comprimento: Linea (1960) é exatamente o que é, uma linha, um conceito essencial.

 

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Manzoni partia da matéria para chegar ao conceito, daí a proximidade de sua obra com a de Marcel Duchamp (1887-1968). Manzoni foi o artista mais duchampiano do século XX. Merda d’artista (1961) foi a Fountain (1917) de Manzoni. Assim como o célebre urinol de Duchamp, essas latas de conteúdo indeterminado, rotuladas, numeradas e datadas como um alimento industrializado são uma das obras mais emblemáticas do século XX. “Só uma ação de liberdade absoluta pode realizar Merda d’artista. E coragem, por que não? E o humor está em enfrentar a risibilidade desta ação”, comenta o curador da exposição.

Manzoni não só criou uma obra polêmica, mas também escreveu textos, fundou uma revista e uma galeria, participou de grupos e movimentos. Em seus textos, é possível identificar uma mitologia individual que reitera a imagem do personagem que Manzoni construiu de si mesmo, que autenticava o Uovo (1960) com sua impressão digital, enchia um balão com o ar dos pulmões em Fiato d’artista (1960) ou ainda assinava esculturas vivas em eventos performáticos.

 

 

Segundo o curador Paulo Venâncio Filho, Manzoni “soube fazer sua figura de artista, pré-Warhol, indissociável de seu mito. Tanto quanto Andy Warhol, e antes dele, entendeu que a eficácia crítica do papel do artista na sociedade contemporânea estava na autocriação mítica: fazer de si mesmo um mito, mas um mito negativo, contrário ao mito da alienação”.

O visitante do MAM tem agora a oportunidade de desvendar o mito e conhecer o artista.

 

Onde e quando

Onde: Sala Paulo Figueiredo

Quando: 08/04 a 21/06

Mais informações: http://mam.org.br/exposicao/piero-manzoni/