A coleção do Museu de Arte Moderna de São Paulo, com mais de 77 anos de história, é marcada por transformações e reformulações que refletem sua importância para a arte moderna e contemporânea no Brasil. Desde a segunda metade da década de 1960, o acervo do MAM vem sendo renovado e ampliado. Contando com doações significativas de colecionadores, críticos e outros incentivadores da arte, assim como dos próprios artistas, o MAM reúne hoje mais de 5 mil obras. Grande parte delas, porém, corresponde à chamada “arte contemporânea”, que se refere, de modo geral, à produção dos artistas nos últimos 60 anos. Esse contingente supera em quantidade e volume as obras de “arte moderna”, aquelas usualmente vinculadas às vanguardas modernistas da primeira metade do século XX.
Diante do encontro entre arte moderna e contemporânea no acervo do MAM, podemos refletir sobre o debate recorrente em torno das definições de “modernidade” e “contemporaneidade” e os modos como estas se relacionam com as produções artísticas. Afinal, as narrativas históricas que pontuam a arte moderna e a arte contemporânea numa linha do tempo nem sempre dão conta de determinar a sua separação, à medida que partidos estéticos e assuntos convergem e se misturam, inclusive em inúmeras obras pertencentes à coleção do MAM.
Se o início da arte moderna se deu com as vanguardas europeias na virada entre os séculos XIX e XX, a produção dos modernistas brasileiros se estendeu pela maior parte desse último século, colocando-a, assim, em um ritmo próprio de elaboração e superação. De fato, o início da produção contemporânea no Brasil pode ser compreendido a partir do desdobramento de uma das últimas vanguardas modernistas, o construtivismo, nas vertentes concretista e neoconcretista e seu diálogo com vanguardas distópicas como a pop art.
A arte moderna nasce como uma ruptura com o passado e com a arte acadêmica. Já a arte contemporânea representa, para muitos, uma quebra em relação aos preceitos modernos, como o formalismo e a especificidade técnica dos suportes, introduzindo novas linguagens e mídias. A noção de vanguarda, típica da arte moderna, que sonhou em revolucionar o mundo e representou uma promessa de liberdade, tende a se perder no momento contemporâneo. Na arte mais recente, a ideia romântica de um mundo melhor perde espaço, assim como a crença na razão e no cientificismo, dando lugar para reflexões sobre a insustentabilidade dos nossos modos de vida e para microutopias almejadas individualmente.
Obras de diferentes períodos da história da arte brasileira recente estão reunidas em seis núcleos na exposição: “Natureza: fim da representação”, “Ambiente urbano: habitat da modernidade”, “Corpos: políticas da relação”, “Formas de construir e romper”, “Fragmentos, gestos e abstrações”, e “Mídias: tradições atualizadas”. Esses núcleos temáticos aproximam produções de tempos e contextos distintos para demonstrar que a recorrência de questões da modernidade na contemporaneidade é um dado próprio do tempo vivido e muitas vezes em períodos sobrepostos. No interior dos núcleos, trabalhos produzidos por artistas em atividade dialogam com obras vinculadas às vanguardas modernistas. Seja através de qualidades visuais, ou de procedimentos técnicos e conceituais, essas obras prolongam até os dias atuais questões inicialmente desveladas pela modernidade industrial, que continuam sendo desdobradas pelos esforços desenvolvimentistas e pelo avanço tecnológico. A percepção de continuidade nessas formas de pensar e revelar a realidade é justamente a ferramenta crítica que a sociedade necessita para lidar com os desafios distópicos que se apresentam a todo o mundo.
O acervo atual do MAM nos coloca, assim, questões que esbarram em problemáticas culturais, sociais e históricas: Qual é a relação entre as ideias de “moderno” e “contemporâneo”? Em que diferem e o que as aproxima? E como isso implica nas nossas formas de produzir cultura e narrar a história? Trata-se apenas de uma distinção de períodos ou estilos? Certamente há diferenças históricas e teóricas que merecem ampla discussão, mas, afinal, é possível traçar com precisão a fronteira visual e temporal entre a arte moderna e a arte contemporânea? De que modo isso se relaciona com a percepção do tempo histórico, e do tempo vivido? A exposição aponta para essas questões, não para respondê-las definitivamente, mas sim para contribuir com outras formas de abordagem, oferecendo ao público autonomia para se surpreender com as reflexões despertadas pela arte, seja de qual tempo ela for.
curadores
Cauê Alves
Gabriela Gotoda
legenda: Leda Catunda, MAM, 1998. Foto: Romulo Fialdini