George Love: além do tempo

George Love: além do tempo

01 mar 24 – 25 ago 24
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No despertar da cultura fotográfica brasileira na segunda metade do século XX, um nome figura entre as maiores referências: George Love. Artista carismático, ele sempre foi cercado por uma aura de mistério, que beirava a lenda, de tão conhecido quanto enigmático que era, pelo tanto que ele foi exposto e como ficou escondido.

Atuando em uma era de efervescência intelectual, de questionamento comportamental e de transição de costumes, George exibia um intenso brilho em suas realizações, na interação profissional e no convívio particular. A luz que trazia ao ambiente extravasava paredes e repercutia na atmosfera e nas pessoas, que vislumbravam as infinitas possibilidades de um marcante meio de expressão. Suas ações no meio cultural, editorial e corporativo expandiam os horizontes da fotografia, abrindo caminhos adiante do seu tempo. Conscientemente ou não, gerações de fotógrafos brasileiros seguem sua inspiração e seu modelo, que se realça entre as raízes de nossa contemporaneidade.

Chamá-lo de gênio também não é hipérbole. George Leary Love nasceu em 24 de maio de 1937, em Charlotte, Carolina do Norte, Estados Unidos. Negro, filho único em uma família simples e culta, concluiu seus primeiros estudos superiores antes dos 20 anos. Adotou a câmera fotográfica também cedo, vislumbrando a possibilidade profissional no segmento de fotografia de viagem, representado por arquivos de imagens, um mercado importante na época, com o qual se manteria ligado por toda sua vida profissional. Fixando-se em Nova York para mais estudos, logo passou a se dedicar à fotografia como criação autoral, tendo suas primeiras mostras em galerias de Manhattan, dando cursos e palestras. Assim, foi aceito como um dos mais jovens participantes da Association of Heliographers, um grupo restrito de expoentes da fotografia americana que promovia a arte, propunha sua expansão e inovava no uso de impressões coloridas no meio expositivo. George Love se identificava com a proposta, de forma que o ideário dessa associação é chave importante para compreender a obra que desenvolveu por toda a sua vida. Em pouco tempo, o jovem fotógrafo se tornou vice-presidente e coordenador da galeria da associação. Foram dois anos intensos, entre 1963 e o fim de 1965, até o encerramento da entidade, por carência de recursos.

A perspectiva de um novo rumo lhe foi oferecida por uma rara heliógrafa estrangeira, que o estimulou a se aventurar pelo continente sul-americano. Em janeiro de 1966, George juntava-se a Claudia Andujar em Belém para uma inusitada expedição no interior da Amazônia, verdadeira epopeia até a terra dos Xicrin. Voltaram para Belém, subiram pelo rio até Iquitos, depois Lima e Bolívia, e entraram de volta no Brasil pelo famoso “trem da morte”. Fixaram-se em São Paulo, no apartamento da Avenida Paulista, casaram-se… e, então, o resto é história.

Zé De Boni (curador)


Nota da Curadoria do MAM São Paulo:
O MAM tem conhecimento da complexidade e sensibilidade em exibir imagens de pessoas indígenas não identificadas, sobretudo quando tais registros foram realizados por pessoas não pertencentes à etnia ou cultura. O museu emprega esforços para identificar as pessoas indígenas retratadas por meio de pesquisas e o setor de Curadoria MAM São Paulo está à total disposição de quem eventualmente queira se manifestar a respeito da identificação e/ou direitos de uso de imagem dessas pessoas.




 
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George Love: a fotografia como expressão pessoal

O conjunto de imagens do fotógrafo norte-americano, selecionadas para exposição monográfica no MAM, apresenta seu olhar único sobre os diversos temas explorados em sua obra.

por Karina Sérgio Gomes

Quando um fotógrafo faz uma foto, está capturando uma imagem do que vê pela câmera ou de si mesmo? Para o fotógrafo norte-americano George Love, suas fotos eram uma expressão pessoal. “A fotografia é a minha forma de me relacionar com o mundo”, dizia. As muitas formas como ele se relacionou com o mundo estão na exposição George Love: além do tempo, em cartaz no Museu de Arte Moderna de São Paulo até 1º de setembro. Com curadoria do pesquisador e fotógrafo José de Boni, a mostra traz mais de 500 trabalhos divididos em 20 núcleos.

Love era um homem negro e nasceu em 24 de maio de 1937, em Charlotte, Carolina do Norte, Estados Unidos, em um momento de agressiva segregação racial, especialmente no sul do país. Filho único do casal Rose Leary Love, professora, poeta e escritora, e George Bishop Love, que trabalhava no serviço diplomático. O interesse pela fotografia surgiu durante uma das viagens da família para a Indonésia, onde permaneceram de 1957 a 1959.

Em 1962, uma parede amarela com um portão vermelho chamou a atenção de Love. Para captar a imagem, ele saturou as cores e focou nas linhas das paredes e do portão, fazendo uma composição quase geométrica abstrata. A foto foi considerada pelo autor a sua porta de entrada na fotografia, o momento em que entendeu a fotografia como uma expressão estética particular e não apenas um registro do mundo.

No ano seguinte, ele entrou para a recém-criada Association of Heliographers (Associação de Heliográfos), onde conviveu com fotógrafos como Scott Hyde, Syl Labrot e Claudia Andujar. O grupo defendia que a fotografia fosse além do registro documental. “Uma heliografia não é apenas o produto do sol externo, visível, mas também do sol interno do fotógrafo, manifestado através da interação entre a máquina e a visão humana”, defendiam os heliógrafos.

A premissa foi seguida à risca por Love nas mais diversas áreas em que atuou. A convite da fotógrafa Claudia Andujar, Love viajou com ela, em 1966, para a Amazônia. Enquanto Andujar focou na documentação das comunidades indígenas, o fotógrafo concentrou-se na exuberância da natureza.

O rio que corta a floresta, nas imagens de Love, é dourado. Suas fotografias sobre a região dão ares fantásticos às eloquentes fauna e flora da região. Com atenção à luz e aos reflexos dos raios solares nas águas, Love cria cenas gráficas abstratas, como a dos pontos de luz branca nas águas escuras ou da textura do encontro das águas dos rios que formam camadas grossas.

Love voltou para a Amazônia outras vezes e uma última vez em 1978. Uma seleção dos registros que fez apresentou no livro Amazônia, que foi censurado pelo governo brasileiro durante a ditadura militar. Em entrevista a Zé de Boni, o fotógrafo afirmou que: “O livro surgiu de convicções sobre a natureza da fotografia e sobre a experiência na região, numa tentativa de conciliar ideias desses dois universos. A Amazônia era o tema, mas o objetivo era mostrar que uma foto não é uma representação fiel do assunto. O livro foi construído para traduzir essa tese, de que aquilo que a fotografia mostra é uma impressão da realidade, apenas minha impressão”.

O trabalho de Love, independente da área em que atuava, é isso: uma impressão sua. Ele não usava a fotografia como um processo descritivo da realidade, mas sim entendia a fotografia como uma expressão artística. A de Boni, ele contou que, com o seu grupo de amigos heliógrafos em Nova York, dedicaram-se à fotografia como um artista plástico. E, no Brasil, contratado pelo empresário Roberto Civita para fazer fotos para publicações da Editora Abril, como Realidade, Manequim e Quatro Rodas, Love não renunciou a seu lado artista em nome da objetividade jornalística.

Ao fotografar uma partida de futebol, pouco ligava para os lances e combates entre zagueiros e atacantes, focava nos torcedores e suas expressões desesperadas. Há, sim, imagens de defesas e chutes na bola, mas foram feitas em longa exposição, valorizando mais o movimento do que a jogada. Uma pintura impressionista.

E nessa linha seguiu nos ensaios de moda e fotos sobre carros que fez, apresentando uma visualidade extremamente inovadora no contexto da imprensa da época.

Nos anos 1980, George Love atuou na área de fotografia corporativa e não deixou a criatividade de lado ao realizar projetos das empresas como Olivetti, Sharp, Eucatex, ou Eletropaulo. A documentação produzida durante a construção da usina de Itaipu, entre os anos de 1978 e 1980, parece cenas de filmes. Love valorizava o contraste entre luz e sombra de cada etapa da obra.

Para o curador da mostra do MAM, os trabalhos São Paulo — Registros e São Paulo Anotações são os que apresentam as visões mais pessoais do fotógrafo. “A geolocalização não correspondia necessariamente à metrópole, mas ao coração de George Love”, escreve de Boni no catálogo da exposição. “O elo era sempre sua presença e sua percepção interior. O trabalho era quase terapia de resgate das impressões pessoais e de eleição dos tijolos importantes na construção de uma mensagem que brotava de seu íntimo.”

Love seleciona para esses livros fotos de seus gatos, da namorada e de sua casa no campo em Sarapuí, no interior de São Paulo. Como se fosse um contraponto à magia e exuberância presentes no registro da Amazônia, o conjunto presente no núcleo São Paulo Anotações aponta um mistério. Há fotos de pessoas na contraluz caminhando na cidade, onde se vê apenas o perfil dos transeuntes; um prédio envolto em uma neblina; a projeção de uma sombra no chão; o skyline da cidade capturado em longa exposição, no qual as luzes borram a cena.

O protagonismo de George Love também está presente na expografia da mostra, assinada pelo arquiteto Pedro Mendes da Rocha. Logo que entra na exposição, o visitante se depara com a moldura de um slide assinado com a letra de George Love. Neste anteparo, se abre uma janela por onde camadas na exposição se apresentam. No centro do quadro, quatro lâminas de acetato nas cores ciano, magenta, amarelo e preto formam o perfil do fotógrafo. É como se fosse um aviso de sua personalidade incontornável.

artista
George Love
(Estados Unidos da América, 1937 - Brasil, 1995)
George Love

George Leary Love, nasceu em 24 de maio de 1937 nos Estados Unidos. Formado em Matemática, filosofia, filosofia da arte, economia, informática, entre 1953 e 1956, estudou no Programa de Iniciação Precoce da Fundação Ford da Universidade de Atlanta e, entre 1960 e 1962, na Nova Escola de Pesquisa Social.
Entre 1957 e 1959, trabalhou como auxiliar no Programa dos Estados Unidos de assistência a universidades na Indonésia, com sede em Jacarta e atuando em todo o país. Em 1960, viajou para a Índia, Tailândia e Malásia.

Durante esse período, desenvolveu um fascínio pela fotografia, tendo registrado especialmente o monumento Borobudur, no centro-sul de Java. Após deixar o serviço governamental dos Estados Unidos, viajou pela Europa e se estabeleceu em Nova York. Nessa época, George Love começa a estudar fotografia e se torna membro, chegando a ser presidente [vice-presidente], da Associação dos Heliógrafos, um grupo americano que estabeleceu uma galeria de fotografia durante o renascimento do interesse pela fotografia como forma de arte nos anos 1960 e incluía nomes como Paul Caponigro, Minor White, Wynn Bullock, Walter Chappell, Larry Clark, Syl Labrot, entre outros.
Durante o mesmo período, organizou uma pequena equipe de campo de fotógrafos para o Comitê de Coordenação dos Estudantes Não Violentos, um grupo americano de direitos civis, com o objetivo de documentar as mudanças sociais nos Estados Unidos, operando a partir de Atlanta, Geórgia.

Entre 1961 e 1965, dividiu seu tempo entre Nova York e Atlanta, organizando e montando exposições para a Associação de Heliógrafos e apoiando o SNCC na produção de filmes educacionais sobre direitos eleitorais, no desenvolvimento de um arquivo de fotografias e entrevistas gravadas, entre outras atividades. Um dos frutos desse esforço foi a organização da exposição Now, na Escola de Estudos Visuais em Nova York, da qual o artista também participou.

Em 1962, viajou para o Brasil a fim de observar a construção de Brasília e, a partir dessa experiência, desenvolveu um interesse crescente pela América Latina.
Em 1966, se mudou para São Paulo, Brasil, e continuou trabalhando tanto na América Latina quanto em outras regiões. Seu trabalho se dividiu entre projetos editoriais e corporativos para publicidade e, nessa época, começa se concentrar no centro da cidade de São Paulo e na Bacia Amazônica. Durante quase dez anos, George Love se dedicou a documentar a bacia através de fotografia aérea de baixa altitude e também registrou o crescimento urbano de São Paulo.
Fez diversas experimentações com imagens fotográficas em espaços construídos, explorando transparência, movimento, óptica e fotoquímica, com especial interesse na durabilidade do processo colorido.

Por volta de 1981/1982, o artista colabora com o Studio 5, em São Paulo, na produção de imagens impressas de alta durabilidade. Em 1981, iniciou seu trabalho para a companhia de energia elétrica de São Paulo, que, na época, possuía um extenso arquivo fotográfico, iniciado nos anos 1890 e que continuou até cerca de 1950. A partir desse ponto houve um hiato na documentação, que estava ficando cada vez mais longo com o passar do tempo. O artista foi convidado para “preencher” essa lacuna com trabalhos produzidos entre 1966 e 1982 e para treinar um grupo documental na empresa, que se encarregaria de registrar o desenvolvimento da cidade até o ano 2000. Esse objetivo foi alcançado com a publicação de dois livros: um com trabalhos e outro no qual Love foi responsável pelos métodos de restauração utilizados.
De 1983 até seu falecimento, em 1995, George Love trabalhou em diversas áreas, focando principalmente em aumentar a versatilidade e reduzir os custos da fotografia e da comunicação visual em geral. Além disso, desenvolveu um interesse incipiente nas interações entre texto e imagem e também nas ciências físicas. Exemplos do trabalho nessa área incluem uma exposição que ilustrava trechos dos Diários de Franz Kafka e pesquisas extensivas no uso de filmes de pequeno formato e baixo custo, como o 110.

imagens
mídias assistivas
1. Apresentação da exposição "George Love: Além do Tempo"
04:15
2. Descrição do espaco expositivo
03:08
3. Amazônia - Rio Negro - Anavilhanas
01:17
4. Amazônia - CAPA - Jovem indígena na rede
01:27
5. Retrato no Estúdio Abril
01:16
6. Criança Xicrin - Adornos Coloridos
02:15
7. Amazônia - Floresta Queimada
01:09
8. Amazonia Service Order - 8696 - Rio Sinuoso
00:46
9. Sanduíche azul
01:01
10. Cemitério Solarizado
01:03
11. George Love e Rosilis
02:34
12. Núcleo Fotografo Editorial
04:18
13. Monte Roraima
01:19

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Classificação indicativa:

*Meia-entrada para estudantes, com identificação; jovens de baixa renda e idosos (+60). Gratuidade para crianças menores de 10 anos; pessoas com deficiência e acompanhante; professores e diretores da rede pública estadual e municipal de São Paulo, com identificação; amigos e alunos do MAM; funcionários das empresas parceiras e museus; membros do ICOM, AICA e ABCA, com identificação; funcionários da SPTuris e funcionários da Secretaria Municipal de Cultura. Telefone: (11) 5085-1300 Acesso para pessoas com deficiência Restaurante/café Ar-condicionado