Não se compreende a arte do pós-Segunda Guerra sem a figura incomparável de Piero Manzoni (1933-63) e sua brevíssima trajetória artística. Breve e intensa; ars longa, vita brevis, tal adágio cabe a poucos, como a ele. É o que se percebe hoje, meio século após sua morte. Ao longo de apenas cinco anos, de um lugar até então de pouca influência no contexto artístico europeu, Milão, foi capaz de irradiar, com sua presença e influência, um inédito movimento transformador e inovador. Manzoni não só criou uma obra polêmica, mas também fundou revista e galeria, participou de grupos e movimentos, escreveu manifestos e textos teóricos, cartas para artistas e galeristas, envolvendo uma grande rede de contatos e redesenhando a geografia artística europeia. Revive, assim, o espírito de uma vanguarda pan-europeia radical e experimental. Contra a inércia do passado e as contrafações do presente, pretendia retomar o fio da radicalidade artística europeia, tão desgastada por duas guerras, e reencontrar um solo comum que reunisse as tendências inovadoras que estavam em curso.
Manzoni tem a inventividade e a irreverência de um jovem, coisa ainda rara na Europa daqueles anos. É o típico artista/agitador/agregador das vanguardas históricas do início do século cuja figura retoma, em ação incansável e frenética, característica que manteve até o fim da vida. Foi provavelmente um dos últimos, senão o último, a representar esse papel na vida artística europeia. Seus trabalhos são claros, simples, afirmativos, inequívocos. A começar pela clareza do branco dos Achromes que tudo rejeita; toda ambiguidade e indefinição. Do mesmo modo, são os materiais que viria a usar – até mesmo a merda tem sua clareza. Merda d’Artista (1961) fez a fama de Manzoni. É, para ele, o que Fountain [Fonte] foi para Duchamp. Tornou-se o trabalho “assinatura”, indissociável de sua pessoa, a marca de sua personalidade artística e é, certamente, a obra de arte mais polêmica desde o pós-guerra.
Achrome (1957-63), Linea [Linha] (1959), Uovo [Ovo] (1960), Fiato d’Artista [Sopro de artista] (1960), Merda d’Artista (1961), Scultura vivente [Escultura viva] (1961), Base magica/Scultura vivente [Base mágica/Escultura viva] (1961), Socle du monde [Base do mundo] (1961), obras de sua fase “clássica”, formam uma sucessão lógica, ininterrupta e coerente, radical e poética, que poucos artistas podem reivindicar.
Sua morte precoce, além de transformá-lo em um dos maiores mitos da arte contemporânea, lança uma pergunta: para onde iria, se não tivesse morrido aos 29 anos? Manzoni traz para as novas gerações, antes de tudo, a marca de uma arte de espírito e audácia, com a exuberância e desprendimento da juventude, provocativa, mas feita com o rigor e a coerência de um jovem, que morreu jovem. Quanto mais se pensa a arte como atividade intelectual, como cosa mentale, mas também indissociável de uma prática histórica radical, o nome de Manzoni ressurge e se reafirma como um dos mais originais e influentes do século XX.
Paulo Venâncio Filho
Curador
Curadoria: | Paulo Venâncio Filho |
Visitação: | 8 de abril a 21 de junho de 2015 |
Local: | Museu de Arte Moderna de São Paulo - Sala Paulo Figueiredo |
Endereço: | Endereço: Parque do Ibirapuera, av. Pedro Álvares Cabral, s/nº - Portão 3 |
Horário: | De terça a domingo, das 10 às 18 horas (entrada até as 17h30) |