O Museu de Arte Moderna de São Paulo apresenta a mostra Clube de Gravura: 30 anos, com a exposição das 173 obras produzidas em três décadas por artistas de variados perfis e gerações. Desde 1986, o Clube de Colecionadores de Gravura do MAM cumpre o objetivo de fomentar o colecionismo brasileiro ao permitir que um grande número de interessados possa se associar e adquirir trabalhos de arte, incentivando também a produção artística. Em todos esses anos, o Clube viabilizou a execução de projetos especiais desenvolvidos por artistas convidados e, simultaneamente, ampliou o acervo do museu. Com curadoria de Cauê Alves, também gestor do Clube desde 2006, a mostra é apresentada na Grande Sala até 21 de agosto.
Durante o percurso expositivo, o público pode apreciar diferentes orientações adotadas pela curadoria nesses 30 anos. “Em 2006 foi realizada uma exposição para celebrar os 20 anos do Clube, então, dessa vez, as obras feitas na última década possuem mais destaque, já que nunca foram expostas, ” explica o curador. Dividida por painéis, a mostra é organizada como se fosse uma biblioteca ou um grande arquivo, lembrando a casa de um colecionador em que algumas paredes são mais cheias, com mais obras lado a lado, e outros contam mais espaço de vazio e respiro, para melhor observação dos trabalhos. Com projeto expográfico do escritório Andrade Morettin, a exposição não é montada em ordem burocrática ou cronológica, mas sim numa relação estilística e harmoniosa, apesar de obras da mesma década estarem próximas.
Na história do Clube, nunca houve uma linha determinada que privilegiasse uma ou outra tendência. Desde o início, foram realizados trabalhos próximos ao abstracionismo lírico e ao construtivismo e, aos poucos, artistas que não tinham a gravura como o campo prioritário também foram convidados. A partir da segunda metade da década de 1990, o museu convidou artistas da geração dos anos 1980, como Ana Tavares, Cláudio Mubarac, Daniel Senise, Fábio Miguez, Leda Catunda, Mônica Nador e Nuno Ramos, já num período mais maduro de produções artísticas. Eles atuaram ao lado de artistas consagrados como Regina Silveira e Evandro Carlos Jardim, nomes fundamentais para o desenvolvimento da gravura no Brasil. “Em 1996, o Clube mudou de orientação: se antes participavam sólidos gravadores, aos poucos os convites foram direcionados àqueles que faziam uso de outros meios, como a pintura ou a escultura”, explica o curador.
Então, interessado em acertar o passo com as discussões da cena contemporânea, que questionava a própria definição de gravura, o MAM assumiu o papel de laboratório e lugar de experimentação e deu liberdade para o desenvolvimento de trabalhos que superassem os limites da linguagem. A fotografia, entre outras novas tecnologias, o carimbo, fundidas com técnicas tradicionais, permitiram a elaboração de uma noção mais híbrida e alargada de gravura. “Desde então, o Clube prioriza uma visão problematizadora do estatuto da gravura e continua a estimular uma produção que privilegia a discussão”, argumenta Alves.
Depois de profundas e variadas experimentações, o MAM passou a editar gravuras que se afastaram de objetos tridimensionais como tinham sido os trabalhos de Iran do Espírito Santo, Sandra Cinto, Mabe Bethônico, Dora Longo Bahia e Jac Leirner. Porém, o Clube nunca deixou de investir na reflexão de problemas atuais da arte e que investigam os limites da gravura, seja herdando questões da pintura (como no caso de Cássio Michalany, Fábio Miguez, Hélio Cabral, Paulo Pasta e Tomie Ohtake) ou desdobrando questões de pesquisas (como José Damasceno, Cildo Meireles, Waltercio Caldas e Antonio Dias).
Ao longo da história, o Clube não deixou de convidar artistas com pesquisas consistentes em xilografia como os trabalhos de Fabrício Lopez (2010) que são impressos artesanalmente e gravados em grandes tábuas. Fernando Vilela, que possui sólida pesquisa em gravura, realizou Cidade (2014), trabalho em que fundiu a fotografia com a xilogravura. A imagem fotográfica também é um dos eixos curatoriais. Albano Afonso, Iole de Freitas e Nazareth Pacheco estão entre os que aumentaram a relação entre fotografia e gravura. Já a pintura e a escultura contribuíram no alargamento das linguagens. Enquanto Rodrigo Andrade se dedicou à gravura em metal na obra Estrada (2013), Paulo Monteiro mirou a serigrafia com a experiência da pintura com os objetos de chumbo em O miolo da coisa massa (2011).
Com o passar dos anos, o Clube de Gravura trouxe produções de artistas como Brígida Baltar, Cinthia Marcelle, Cristiano Lenhardt, Ernesto Neto, Laura Lima, Nino Cais, Jarbas Lopes, Rivane Neuenschwander e Tatiana Blass. Assim como convidou nomes mais experientes como Paulo Bruscky, Milton Machado e Nelson Felix. A maioria se interessou por caminhos experimentais em relação à gravura. A curadoria ainda explorou fronteiras ao convidar artistas que promovem contato entre noções de gravura e tradições distintas. Marepe, com suas cenas típicas do nordeste, apropriou-se de elementos como trouxas e barracas de camelô para refletir sobre o contexto dos itens. Ao retratá-los com carimbos infantis, os itens transformam-se em outras imagens, subvertendo o caráter burocrático do carimbo.
Convidada para realizar um livro/objeto, Elida Tessler desenvolveu Phosphoros (2014), a partir do romance Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, uma ficção científica em que livros e pensamento crítico são proibidos. O título é referente ao grau 451, temperatura da queima de papel na escala Fahrenheit. A artista gravou a laser numa placa de madeira todos os autores de um lado e títulos citados no outro. Cada uma das 122 obras é representada por um palito de fósforo numa caixa. O colecionador tem a possibilidade de queimar os palitos, mas isso significa destruir uma gravura e eliminar uma referência literária.
O engajamento político está presente, por exemplo, na poética de Lourival Cuquinha (2015), que trabalhou com imigrantes vindos de países africanos e da América Latina e que atuam como vendedores ambulantes. Tratados como cidadãos de segunda classe, desvalorizados e quase invisíveis, eles ganham visibilidade na gravura de Cuquinha, que adquiriu todas as mercadorias de cada um dos cem imigrantes escolhidos, tirou uma foto de frente e de costas da pessoa e as imprimiu em placas de cobre. A mercadoria adquirida, cujo valor é equivalente ao da placa onde o retrato está impresso, também compõe a peça final.
Sob a gestão de Cauê Alves, nos últimos dez anos, o Clube realizou ações para divulgar e refletir sobre a coleção de gravuras do MAM. A proposta da curadoria foi a de continuar com nomes consagrados ao lado de apostas, além de dar espaço para artistas reconhecidos no circuito, mas que não tenham ligação com a gravura. “O critério de orientação é sempre a qualidade dos trabalhos dos convidados. Por isso, os colecionadores assumem os riscos e os dividendos de ter trabalhos de arte pertencentes no acervo do museu em mãos”, avisa Cauê. “São raras iniciativas duradouras como a do Clube de Gravura, o que indica que, além de bem estruturado, possui relevância cultural, seja contribuindo na formação de coleções de arte, seja para o debate sobre a gravura e sobre as artes em geral”, finaliza o curador.
Como funciona Nos Clubes de Colecionadores do MAM, os sócios recebem, a cada ano, cinco obras especialmente criadas por nomes prestigiados e selecionados pelos curadores responsáveis em conjunto com a curadoria do museu, o que confere credibilidade à aquisição. As obras são produzidas em tiragens de 100 exemplares, que são entregues aos sócios com certificado de autenticidade. Para participar do Clube de Gravura ou de Fotografia, os interessados se associam anualmente a um deles e, no final do ano, recebem as cinco gravuras ou as cinco fotografias. A edição é de 117 obras numeradas, das quais cem são distribuídas aos associados, duas são doadas ao acervo do MAM, três são destinadas ao Clube de Colecionadores, além de dez entregues ao artista e duas aos curadores dos clubes.
Histórico Com apoio de artistas e sob a iniciativa da argentina Maria Pérez Sola, é fundado o Clube de Colecionadores de Gravura do MAM, em 1986. O Clube, que surge no ano seguinte ao da criação do Departamento de Artes Gráficas do museu, foi fundamental para a manutenção de atividades do novo setor e incentivar as artes gráficas. Iniciando as atividades na época da reabertura política e a redemocratização do País, após 20 anos de ditadura militar, o Clube sempre teve o objetivo de fomentar o colecionismo e incentivar a produção artística. Pérez Sola fica a frente da iniciativa até 1989, dando lugar a Liliana Lobo Ferreira, recém-chegada de Londres, onde estudou gravura na Slade School of Fine Arts. Em 1997, sai Liliana e entra Salete Barreto de Abreu, que assume até 2001. Com Tadeu Chiarelli como curador-chefe do museu, entre 1996 e 2000, o Clube passou por significativas transformações. Desde 2005, Fátima Pinheiro coordena os Clubes de Gravura e de Fotografia. Desde 2006, Cauê Alves é o curador, que para este ano escolheu artistas de peso no cenário nacional como Lenora de Barros, Nelson Felix, Cristiano Lenhardt e Brígida Baltar, além do argentino Jorge Macchi.
Curador
Cauê Alves
É mestre e doutor em filosofia pela FFLCH USP. É professor do Departamento de Artes da FAFICLA, PUC-SP, e curador-chefe do Museu de Arte Moderna de São Paulo. É autor de diversos textos sobre arte, entre eles, texto no catálogo da exposição Mira Schendel, Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto, e Pinacoteca de São Paulo e Tate Modern, Londres. É líder do grupo de pesquisa em História da Arte, Crítica e Curadoria da PUC-SP (CNPq). Entre 2016 e 2020, foi curador-chefe do Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia, MuBE. Em 2015, foi curador assistente do Pavilhão Brasileiro da 56ª Bienal de Veneza e, em 2011, foi curador adjunto da 8ª Bienal do Mercosul (2011).
serviço
Clube de Gravura: 30 anos
Curadoria:
Cauê Alves
Visitação:
21 de junho a 21 de agosto de 2016
Local:
Museu de Arte Moderna de São Paulo – Grande Sala
Endereço:
Av. Pedro Álvares Cabral, s/no – Parque Ibirapuera (portões próximos: 2 e 3)
Horários:
terça a domingo, das 10h às 17h30 (com permanência até as 18h)