No Ateliê de Portinari: 1920-45

No Ateliê de Portinari: 1920-45

14 jul 11 – 18 set 11 visite
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Curadoria: Annateresa Fabris
Grande Sala

Num ensaio escrito em 1939, Mário de Andrade assinala em Candido Portinari a união íntima do artista e do artesão, dando-lhe o nome de “plástica”. Dela se originam os dois elementos principais de sua personalidade artística: a riqueza técnica e a variedade expressiva. Em Portinari convivem o “artesão”, interessado em experimentar todos os processos, em desvendar todos os segredos do ofício, e o “artista”, capaz de infundir um sentido poético no que poderia ser um simples virtuosismo técnico.

Apesar de o crítico ter como parâmetro a obra do artista maduro, a análise da primeira produção portinariana (1920-30) permite afirmar que ambos os traços já se faziam presentes durante a aprendizagem e a formação. Nesse momento, o artista-aprendiz demonstra buscar a configuração de um léxico próprio, lançando mão de diversas fontes (Ingres, Zuloaga, Manet, Whistler, Sargent e Boldini, entre outros) e testando as possibilidades das diferentes linguagens artísticas (figura humana, cenas mitológicas e de gênero, paisagem, nu e, sobretudo, retrato).

Descrente de “escolas” e de “individualidades uniformes”, defensor do classicismo como “uma gramática”, como “um elemento de ordem”, o jovem Portinari embarca para a Europa em junho de 1929, animado por uma decisão inabalável: fazer da estadia a oportunidade para “observar, pesquisar, tirar da obra dos grandes artistas […] os elementos que melhor se prestem à afirmação de uma personalidade”. Fiel a esse roteiro, Portinari frequenta assiduamente museus e galerias, encantando-se com os exemplos de Giotto, Masaccio, della Francesca, Signorelli, Fra Angelico, del Castagno, Michelangelo, Leonardo, Veronese, El Greco e Goya. São em menor número os artistas modernos que despertam seu interesse: Modigliani, Matisse, Picasso e Carena.

A pequena produção europeia não significa, contudo, que Portinari não tenha afinado seu instrumental artístico e técnico. É o que demonstram as obras executadas a partir de 1931, nas quais estão presentes preocupações de caráter construtivo (geometrização, dinâmica espacial, agenciamento das figuras), aliadas a deformações anatômicas e a um gigantismo que se fundem harmoniosamente com o processo de racionalização. As inúmeras cenas brasileiras realizadas após o regresso ao Brasil, em janeiro de 1931, colocam-se sob o signo de uma ideia de pintura estimulada pela observação das obras de Veronese: a realização de “grandes telas, com muitas figuras agrupadas em enormes composições, com estruturas variadas”.

Tendo aprendido com Picasso que todos os estilos são contemporâneos, que o artista deve abrir-se para todo tipo de experimentação, transitando de um registro para outro, Portinari não hesita em inspirar-se nas lições dos primitivos italianos, combinadas ao uso de deformações expressivas, na realização dos Ciclos econômicos (1936-44) encomendados pelo ministro Gustavo Capanema para a sede do Ministério da Educação e Saúde. Entre 1936 e 1938, o artista realiza centenas de estudos em diferentes técnicas (crayon, têmpera, guache, carvão e aquarela, dentre outras) e experimenta escalas variadas, desde representações diminutas a desenhos em tamanho natural para transporte na parede.

Caracterizado pelo equilíbrio conseguido entre a deformação das figuras humanas e o rigor geométrico da composição, o primeiro empreendimento muralista de Portinari será seguido por outras obras de vastas dimensões. Dentre elas, destacam-se as quatro têmperas na Fundação Hispânica da Biblioteca do Congresso (Washington, D.C., EUA, 1941), nas quais o artista demonstra, mais uma vez, o próprio virtuosismo e a capacidade de experimentação, como assinala oportunamente Mário Pedrosa. Outra realização importante localiza-se na igreja de São Francisco de Assis da Pampulha (Belo Horizonte, 1944-5). Nesta, Portinari dá livre vazão a uma veia expressionista – temperada, porém, por uma concepção clássica, que Sérgio Milliet reporta a uma “humanização do cubismo”, em virtude do equilíbrio entre uma estruturação geométrica fluida, mas rigorosa, e a deformação expressiva das figuras.

Portinari leva sua experimentação também para o campo das artes aplicadas, como demonstram os azulejos executados para o exterior do Ministério da Educação e Saúde (1941-4), caracterizados pela superposição de planos. Outro exemplo são os azulejos da igreja de Belo Horizonte, em que o artista joga com dois registros: sintético e simplificado no batistério; expressionista no exterior, de maneira a criar uma continuidade com o painel do altar.

É esse artista múltiplo que o Museu de Arte Moderna de São Paulo apresenta na exposição No ateliê de Portinari: 1920-45, norteada pelo objetivo de apresentar ao público os dois aspectos centrais da poética do artista: processos compositivos e recursos estilísticos variados, que incluem experiências com a abstração, veementemente criticada por ele.

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