Sombriamente iluminado é o mundo de Oswaldo Goeldi. É o mundo brasileiro – o éden tropical – entrevisto pelo avesso, invertido, iluminado pelo subterrâneo. Goeldi é a nota dissonante ao modernismo solar de 1922, ao populismo de Portinari, ao sensualismo lasso de Di Cavalcanti, seus contemporâneos. Antes, muito antes, do surgimento entre nós de uma linguagem abstrato-geométrica, Goeldi já havia estabelecido uma poética sucinta, exata, lúcida, avessa ao prolixo, distante dos clichês e lugares-comuns. Suas xilogravuras e desenhos nunca apresentam o fato consumado, mas a interrogação, a iminência do que vai acontecer. No entanto, especialmente as xilogravuras nos atingem de imediato, como flashes fotográficos. Provocam um sobressalto incômodo. As ruas desertas, os casarões, os transeuntes solitários, os pescadores, os urubus povoam anonimamente suas obras, habitam um espaço incerto, interrogativo, entre parênteses. Parece distante, mas é muito próximo. Os indivíduos vagam um tanto sem destino, acossados pelo destino de todos: vida e morte. Não há solidariedade entre os homens, apenas entre eles e uns poucos animais. A natureza ainda atemoriza, uma tempestade está sempre presente, ameaçando – ainda hoje – a desamparada cidade brasileira que foi o habitat de Goeldi, o Rio de Janeiro.
“Irmão” de Edvard Munch nos trópicos, amigo e correspondente de Alfred Kubin, Goeldi foi artística e existencialmente um autêntico expressionista – não há expressionista que não seja autêntico. Inseparáveis são a vocação e o destino. Como expressionista, ele também é implacável: há o mundo do trabalho, do contato e da compreensão da natureza que é o dos pescadores, e o mundo da angústia urbana da cidade inacabada e ameaçadora. Há uma frase de Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil que se aplica com perfeição à obra de Goeldi: “A transição do convívio das coisas elementares da natureza para a existência mais regular e abstrata das cidades deve ter estimulado, em nossos homens, uma crise subterrânea, voraz”. Pois a obra de Goeldi fala dessa “crise voraz” ainda presente, ainda sentida em nosso dia a dia. Ela está aí para lembrar que aqui, especialmente aqui, o Sol também lança uma sombra.
Oswaldo Goeldi nasceu em 31 de outubro de 1895 no Rio de Janeiro, cidade em que viveu sua vida de artista, indissociável de sua obra. Seu pai foi o naturalista suíço Emílio Goeldi, que se estabeleceu no Brasil a serviço do imperador d. Pedro II. Aos seis anos, mudou-se com a família para a Suíça, onde estudou e serviu como sentinela durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1919, retornou ao Brasil. Em 1951, recebeu o Prêmio de Gravura Nacional na 1ª Bienal de São Paulo. Morreu em 15 de fevereiro de 1961.
Paulo Venâncio Filho e Lani Goeldi
Curadores