O Jardim de Esculturas do MAM é um marco do Parque Ibirapuera, um local emblemático de lazer e convivência na cidade de São Paulo. Como uma zona de transição entre o MAM e o seu hábitat urbano, o jardim transborda as fronteiras do espaço museológico convencional e, sem obstruir a passagem daqueles que por ali caminham, proporciona ao público uma fruição do espaço compartilhado através da arte. Oficialmente inaugurado em 1993, a história do Jardim do MAM acompanha o próprio desenvolvimento do museu e de sua presença no Parque Ibirapuera. Documentos apontam que, pouco após a inauguração da sede do MAM no parque, em 1969, o museu logo se preocupou com o cuidado das obras esparsamente presentes ali e se empenhou na constituição de um “Jardim de Esculturas” com obras de sua própria coleção. Com a reforma na década de 1980, que instaurou no museu sua característica fachada de vidro e transformou sua relação com o parque e a cidade, a ocupação do Jardim foi intensificada. A organização curatorial consolidou-se em 1993, quando as obras foram reposicionadas, e o espaço entre a Oca, o pavilhão da Bienal e o MAM recebeu um paisagismo assinado pelo escritório de Roberto Burle Marx, em parceria com Haruyoshi Ono.
Roberto Burle Marx (1909-1994) foi um dos grandes nomes do modernismo brasileiro, com uma obra que, através de diversos suportes, contribuiu para os campos do paisagismo, do urbanismo e da ecologia. Suas contribuições foram essenciais para consolidar os jardins como formas de expressão artística capazes de ressignificar espaços de circulação e, especialmente, de importância pública. Entre 1992 e 1993, Burle Marx realizou um projeto paisagístico para o Parque Ibirapuera que contemplou, com destaque, a área externa do MAM e as obras de sua coleção ali expostas. O Jardim de Esculturas já havia integrado duas versões anteriores do projeto de Burle Marx para o Parque, em 1953 e 1974, mas apenas na década de 1990 foi realizado integralmente. Idealizado pelo autor como “um espaço para estimular, na comunidade, a prática da convivência artística”, o paisagismo no Jardim do MAM introduziu novas espécies vegetais – agrupadas de modo a realçar seus traços comuns e, ao mesmo tempo, explorar suas diferentes texturas e cores – e instaurou os caminhos trilhados por britas, pedriscos e gramados, que conduzem o visitante até as obras.
Neste momento em que o MAM está fora de sua sede em razão da reforma da marquise do Parque Ibirapuera, propomos uma espécie de reencenação do Jardim do MAM no Sesc Vila Mariana, mas sem pretensões de reconstituir, literalmente, seus elementos vegetais ou apresentar as mesmas obras que compõem o espaço original. Influenciados pela volumosa produção de Burle Marx, em especial os desenhos e pinturas realizados no processo de concepção de muitos dos seus projetos paisagísticos, elaboramos uma expografia cuja arquitetura se baseia nas espacialidades, cores, formas e linhas de dois importantes projetos: o Jardim de Esculturas do MAM, no Parque Ibirapuera, e o jardim do Palácio Gustavo Capanema, antiga sede do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro. Do primeiro, vieram as espécies de “ilhas” que agrupam as obras da exposição e as variações topográficas do terreno do Jardim do MAM, refletidas nas diferentes alturas que configuram essas “ilhas”. As cores e os desenhos das bases foram inspirados por uma pintura de Burle Marx realizada como estudo para o jardim do Palácio Gustavo Capanema, em 1938, que projeta uma área delimitada por contornos sinuosos e representa diferentes espécies vegetais com uma variedade de manchas coloridas, igualmente sinuosas.
A exposição no Sesc Vila Mariana inclui obras que integram, ou já integraram, o conjunto em exposição no Jardim de Esculturas do Parque Ibirapuera e obras da coleção do MAM que se relacionam, por diferentes vias, com a natureza, o corpo, a cidade, a materialidade, e com linguagens que expressam algumas das tensões inescapáveis à sociedade. De modo similar às ativações realizadas rotineiramente pelo MAM Educativo no Jardim de Esculturas, os educadores do museu realizarão ações no período da exposição que colocarão em evidência várias formas de se relacionar com o paisagismo de Burle Marx que reinterpretamos aqui.
Cauê Alves e Gabriela Gotoda
curadores
Lugares que se visitam, atitudes que se combinam
As unidades do Sesc são repletas de opções de uso do tempo livre. Nelas, os públicos podem desfrutar de diversos ambientes e experiências, de formas combinadas e, não raro, casuais. Suas arquiteturas e atividades programáticas favorecem encontros inesperados, fomentando estados de surpresa diante daquilo que extrapola as intenções iniciais de frequentação por parte de cada pessoa ou grupo. Essa política ampliada de acesso inclui aproximações com outras instituições, como no caso da presente parceria com o Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo.
Originário do Parque Ibirapuera, o Jardim de Esculturas do MAM aporta no Sesc Vila Mariana, onde permanece por alguns meses. Joga-se, assim, com a sobreposição de marcos urbanos – quando, em termos metafóricos, um lugar visita o outro. Peças tridimensionais modernas e contemporâneas deixam temporariamente o entorno do museu e se espalham pela planta livre dessa unidade, chamando à apreciação mais ou menos passageira. A configuração expositiva que as reapresenta, aqui, é inspirada no paisagismo de Roberto Burle Marx, expoente do modernismo brasileiro.
Tal conjunto escultórico se espraia pelo caminho de quem eventualmente vai à comedoria, à clínica odontológica, à piscina, às salas de ginástica. Trata-se de um convite a descobertas em trânsito. Esse, aliás, é um dos trunfos do trabalho educativo do Sesc, na modalidade informal, com a fruição estética sendo articulada com os movimentos da vida. A proposta explora, dessa maneira, os deslocamentos em suas distintas acepções, fazendo da transferência momentânea do “jardim escultórico” mais uma oportunidade de combinação entre as atitudes distraída e contemplativa.
Luiz Deoclecio Massaro Galina
Diretor do Sesc São Paulo
créditos: Leda Catunda, MAM, 1998. Foto: Romulo Fialdini
Amilcar de Castro, Sem título, 1971. Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo. Foto: Romulo Fialdini
Haroldo Barroso, Sem título, 1977. Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo. Foto: Romulo Fialdini
Foi uma escultora polonesa naturalizada brasileira. Chegou ao Brasil em 1927 e iniciou sua carreira artística aos 44 anos. Com obras marcadas pela síntese formal e expressão lírica, integrou a geração modernista brasileira.
é artista visual conhecido por obras que misturam escultura, instalação e performance com objetos do cotidiano nordestino. Sua produção explora temas como deslocamento, identidade e desigualdade social, com humor e lirismo.
Foto: Zanone Fraissat | Folhapress
É graduada em Artes Plásticas pelo Instituto de Artes da UFRGS (1959), além de ter um mestrado (1980) e Ph.D. (1984) na Escola de Comunicação e Artes da USP – Universidade de São Paulo. A artista participou de várias bienais, como Bienal de São Paulo (1981, 1983, 1998, 2021); Bienal Internacional de Curitiba (2013, 2015); Bienal do Mercosul (2001, 2011), em Porto Alegre e Bienal de La Habana, em Cuba (1986, 1998 e 2015). Algumas de suas exposições coletivas mais recentes são Walking through Walls (Martin Gropius Bau, Alemanha, 2019) e Radical Women: Latin American Art, 1960-1985 (Hammer Museum, EUA, 2017). As últimas exposições individuais de Regina são: Limiares (Paço das Artes, Brasil, 2020); Up There (Farol Santander, Brasil, 2019); EXIT (MuBE, Brasil, 2018); Unrealized / NãoFeito (Alexander Gray Associates, EUA, 2019); Todas As Escadas (Instituto Figueiredo Ferraz, Brasil, 2018), e Crash (Museu Oscar Niemeyer, Brasil, 2015). Entre outros, recebeu os prêmios Prêmio MASP (2013), Prêmio APCA pela trajetória (2011) e Prêmio Fundação Bunge (2009). A artista também recebeu bolsas da Fundação John Simon Guggenheim (1990), Fundação Pollock-Krasner (1993) e Fundação Fulbright (1994).
Foi um escultor, gravador, desenhista e pioneiro da videoarte no Brasil. Sua obra é marcada pelo uso de materiais brutos como concreto, ferro e madeira, explorando temas como violência, sexualidade e memória social. Nos anos 1970, destacou-se com performances e vídeos que abordavam o corpo e a repressão política.
Foto: Rodrigo Trevisan/Divulgação
foi um escultor brasileiro de origem italiana, destacado no modernismo brasileiro. Filho de imigrantes italianos, mudou-se para Roma com a família em 1911. Na década de 1920, envolveu-se com movimentos antifascistas, sendo preso e condenado a sete anos de prisão. Após cumprir quatro anos, foi extraditado para o Brasil por intervenção diplomática. Em 1937, estudou na Académie de la Grande Chaumière e na Académie Ranson em Paris, onde foi aluno de Aristide Maillol e conviveu com Henry Moore e Marino Marini. De volta ao Brasil em 1939, integrou-se ao movimento modernista, colaborando com artistas como Vitor Brecheret e Mário de Andrade. Em 1943, estabeleceu-se no Rio de Janeiro, onde atuou como professor e mentor de jovens artistas. Sua obra é marcada por formas geométricas e abstração, utilizando materiais como bronze e mármore.
Foi um pintor, escultor, desenhista e ceramista ítalo-brasileiro. Natural de família humilde, iniciou sua trajetória profissional aos 13 anos, trabalhando em uma fábrica de cerâmica. Mudou-se para Veneza, onde cursou a Academia de Belas-Artes e frequentou os ateliês dos escultores Umberto Feltrin e Guido Cacciapuoti. Em 1927, imigrou para o Brasil, estabelecendo-se em São Paulo. Aqui, destacou-se na produção de monumentos públicos, como o Monumento aos Heróis da Travessia do Atlântico, na represa de Guarapiranga. Além disso, participou ativamente da vida artística paulistana, integrando-se ao grupo de pintores que frequentavam as sessões de modelo vivo, como Alfredo Volpi, Mário Zanini e Penacchi. Zorlini também foi responsável por diversos túmulos e bustos em cemitérios de São Paulo. Faleceu em 1967, deixando um legado significativo nas artes visuais brasileiras
foi um pintor e escultor peruano radicado no Brasil. Estudou na Escola Nacional de Belas Artes com Daniel Hernandez. Chegou ao Brasil em 1945, realizando sua primeira exposição no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Após residir na França e nos Estados Unidos, fixou-se definitivamente no Brasil em 1969, adquirindo a cidadania brasileira. Sua obra transita entre o expressionismo e o abstrato, com destaque para esculturas em bronze de figuras humanas e animais.
Foi um escultor e desenhista grego radicado no Brasil desde 1959. Formado pela École Supérieure des Beaux-Arts e pelo Instituto de Urbanismo da Universidade de Paris, iniciou sua carreira com influências do construtivismo e da arte cinética. Suas esculturas, geralmente em metal, exploram o movimento, o espaço e o equilíbrio.
Foto: Mastrangelo Reino/Folhapress
Luiz 83 é o nome artístico de Luiz dos Santos Menezes. Autodidata, sua formação decorre da experiência adquirida nas ruas da cidade como “pichador”, atividade que ofereceu o princípio de um vocabulário plástico que vem sendo refinado a partir de pesquisas que o artista desenvolve com considerável grau de inventividade em meios mais convencionais como o desenho, a pintura e a escultura. Sua experiência profissional como montador de exposições de arte também lhe oferece a oportunidade de permanecer em íntimo contato com obras de caráter clássico e contemporâneo, oportunidade que resulta em conhecimento sensivelmente assimilado. Em suas obras é possível perceber um concretismo de tipo bastante peculiar e sem dúvida sofisticada nas soluções formais e nos arranjos conceituais e de natureza POP qualidade também percebida através de um cromatismo que em geral privilegia cores brilhantes de luminosidade intensa. O artista também tem se dedicado a performances onde coloca em questão o lugar social do negro e tematiza a relação do corpo com seu fazer artístico e interações com a cidade. O artista participou de várias mostras individuais e coletivas entre quais se destacam a individual “Z” na galeria Tato e as coletivas “Tendências da Street Art” no Museu Brasileiro de Escultura e “Pretatitude: insurgências, emergências e afirmações na arte contemporânea afro-brasileira” nos SESC Ribeirão Preto, São Carlos, Vila Mariana e Santos”.
foi um escultor, desenhista, gravador, diagramador e professor brasileiro, reconhecido como um dos principais nomes do neoconcretismo no Brasil. Sua obra escultórica é marcada pelo uso de chapas de ferro cortadas e dobradas em uma única operação, explorando a relação entre forma, espaço e matéria.
Foi uma artista plástica, escultora, joalheira e figurinista brasileira de ascendência japonesa. Sua formação artística foi ampla e interdisciplinar: estudou pintura com Massao Okinaka (1955–1957), arquitetura contemporânea no Instituto Goethe, história da arte, etnologia e arqueologia no MASP, estética com Anatol Rosenfeld, teatro com Zé Celso e comunicação visual com Flávio Império.
foi um artista visual, curador e museólogo brasileiro, reconhecido por sua contribuição à valorização da cultura afro-brasileira.
Nascido em uma família de ourives, iniciou sua formação artística na juventude, trabalhando com marcenaria e tipografia. Estudou na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, destacando-se em gravura e escultura. Em 1972, recebeu a medalha de ouro na 3ª Bienal Internacional de Arte Gráfica de Florença.
Foto: Museu Afro Brasil/Divulgação
é um artista visual brasileiro cuja obra investiga a relação entre espaço, imagem e paisagem urbana. Formado em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Santos em 1984, aprofundou seus estudos em fotografia e concluiu mestrado em Poéticas Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da USP em 2003.
É uma artista visual brasileira cuja obra transita entre escultura, instalação e arquitetura. Desde o final dos anos 1980, desenvolve uma pesquisa que investiga a relação entre corpo, espaço e matéria, utilizando materiais como ferro, gesso, borracha, vidro, cabos de aço e elementos arquitetônicos. Suas obras exploram forças físicas como tensão, peso e equilíbrio, criando estruturas que dialogam com o espaço expositivo e desafiam a percepção do espectador.
É uma artista visual brasileira cuja obra transita entre escultura, instalação e objeto, explorando a relação entre forma, espaço e percepção. Graduada em Pintura e especializada em História da Arte do Século XX pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP), aprofundou seus estudos na Itália com o artista Luciano Fabro, ligado à arte povera, na Accademia di Belle Arti di Brera, em Milão.
Desde o final dos anos 1980, Prolik desenvolve uma produção tridimensional marcada por estruturas geométricas que se desdobram no espaço, utilizando materiais como cobre, alumínio e aço. Suas obras frequentemente evocam objetos cotidianos, tensionando a percepção entre o familiar e o abstrato, o leve e o pesado, o estático e o dinâmico.
Foi um escultor, arquiteto e paisagista brasileiro cuja obra se destaca pela integração entre arte, arquitetura e paisagem urbana. Formado em Arquitetura pela Universidade do Brasil em 1959, colaborou com Roberto Burle Marx entre 1954 e 1960, participando de projetos de jardins, painéis e murais escultóricos.
Sua produção escultórica, marcada por formas geométricas e materiais como madeira, metal e granito, está presente em espaços públicos como o Palácio do Planalto, em Brasília, e o Mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro. Destaca-se também o “Monumento à Juventude”, instalado em 1974 próximo ao Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro.
Exposição: | Jardim do MAM no Sesc |
Local: | Sesc Vila Mariana |
Curadoria: | Cauê Alves e Gabriela Gotoda |
Abertura: | 14 de maio, quarta-feira, às 19h |
Período expositivo: | 15 de maio a 31 de agosto de 2025 |
Endereço: | R. Pelotas, 141 – Vila Mariana, São Paulo – SP |
Entrada gratuita |
Sensibilidades em transmutação
Entre o que se queima e o que renasce, diversos processos naturais se dão por meio do fogo e seu poder de transformação. Em uma conjuntura em ebulição — seja em termos das mudanças sociais que se sobrepõem, seja no sentido literal, que se apresenta com o aquecimento global —, sublinha-se o papel da arte enquanto prática dedicada a articular simbolicamente o real.
A 38ª edição do Panorama da Arte Brasileira: Mil Graus chega ao Sesc Campinas como brasa viva, reunindo produções que iluminam e elaboram sensibilidades, identidades e experiências provenientes de diversos contextos do país. Constituindo-se como reflexão crítica à realidade nacional, a mostra reúne artistas cujas práticas atravessam questões urgentes: do ecológico ao tecnológico, do político ao espiritual.
Como matéria em transmutação, essas produções amolecem limites da linguagem e ativam memórias coletivas contra hegemônicas, propondo não apenas reflexão, mas ação. A partir de uma compreensão do espaço expositivo como ambiente onde contrastes e conexões se fundem, as obras selecionadas operam como dispositivos de fissura — expõem rachaduras em lógicas cristalizadas e sugerem novos modos de habitar o mundo.
Com esta itinerância da mostra, inaugurada em 2024 no MAC USP e realizada pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo, o Sesc busca ampliar o acesso às camadas simbólicas que compõem a exposição. Além da visitação, a programação inclui mediações educativas que aprofundam as instâncias de partilha entre artistas e públicos. Como os estados transitórios da matéria que o calor enseja, interessa à instituição constituir-se como espaço educativo em que processos subjetivos entre o que foi e o que está por vir se dão, revelando-se nas experiências criadoras próprias ao campo artístico.
Luiz Deoclecio Massaro Galina
Diretor do Sesc São Paulo
A série Panorama da Arte Brasileira é um marco na história das exposições. Iniciado em 1969, o Panorama do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM São Paulo) contribuiu com suas diversas mostras para a formação do acervo de arte contemporânea do museu.
Com curadoria de Germano Dushá, Thiago de Paula Souza e Ariana Nuala, a presente edição, intitulada Mil graus, aborda o mundo contemporâneo a partir de condições extremas, tanto no sentido de questões históricas e sociopolíticas, como também em relação a discussões ecológicas e tecnológicas, promovendo iniciativas que estimulem a reflexão sobre arte na nossa sociedade.
Faz alguns anos que o MAM tem estabelecido parcerias com outras instituições culturais no estado de São Paulo. Realizar a itinerância do 38º Panorama da Arte Brasileira do MAM no Sesc Campinas é um novo momento de integração e soma de esforços em benefício da arte.
Elizabeth Machado
Presidente da Diretoria do Museu de Arte Moderna de São Paulo
Cauê Alves
Curador-chefe do Museu de Arte Moderna de São Paulo
Intitulado Mil graus, o 38º Panorama da Arte Brasileira elabora criticamente a realidade atual do país sob a noção de calor-limite — uma temperatura em que tudo se transforma. O projeto busca traçar um horizonte multidimensional da produção artística contemporânea brasileira, estabelecendo pontos de contato e contraste entre diversas pesquisas e práticas que, em comum, compartilham uma alta intensidade energética. Ao reunir artistas e outros agentes que abordam questões ecológicas, históricas, sociopolíticas, tecnológicas e espirituais, a exposição serve também como um ativador da memória e do debate público. Como conjunto, as obras driblam os limites da linguagem e seus sentidos preestabelecidos, revelando signos universais por meio de gestos e sotaques regionais. A ideia de uma temperatura oposta ao zero absoluto — ou seja, um quente absoluto — aponta os interesses deste Panorama por experiências radicais, condições extremas, sejam elas climáticas ou metafísicas, e estados transitórios da matéria e da alma que nos põem diante da transmutação como destino inevitável.
Ao longo do processo de pesquisa que fundamentou a exposição, cinco linhas conceituais emergiram para aterrar o pensamento curatorial. Como bússolas que orientam questões fundamentais do projeto, os eixos ajudaram na criação do recorte da cena contemporânea brasileira que está registrada neste Panorama. No entanto, não foram usados para segmentar a mostra e nem se aplicam como categorias ou agrupadores. São fios condutores que instigam reflexões e leituras e traçam possíveis relações entre os trabalhos a partir dessas perspectivas.
Ecologia geral
Noções ecológicas e práticas ambientais ampliadas que se orientam por uma visão de interconectividade total. Ao rejeitar dogmas antropocêntricos e dicotômicos que separam a cultura da natureza orgânica, esses movimentos abraçam a pluralidade das formas de vida e seus jogos biológicos. Sob um crescente senso de urgência, essas correntes de pensamento propõem outras concepções sobre a condição humana e traçam novos caminhos para atuarmos e nos relacionarmos com o planeta e seus muitos agentes.
Territórios originários
Narrativas e vivências de povos originários, quilombolas e de outros modos de vida fora da matriz uniformizante do capital, capazes de refletir visões alternativas sobre a invenção e a atual conjuntura do Brasil. Nesse sentido, invocam energias ancestrais, mitologias configurantes e consciências expandidas para trazer à tona invenções estéticas, tecnologias socioambientais e articulações transpolíticas. Seja na luta pela demarcação de terras ou em estratégias diversas para fortalecer comunidades autônomas, o que está em jogo é a multiplicação das possibilidades vitais diante do agouro de um futuro incerto.
Chumbo tropical
Leituras críticas que subvertem imaginários e representações do Brasil, pondo em xeque aspectos centrais da identidade nacional. Nesse sentido, contrastam — ou equacionam — os fetiches ligados à ideia de paraíso dos trópicos ao peso dos séculos de colonização escravocrata e extrativista, do colosso modernista, do ímpeto conservador e autoritário — e sua inevitável militarização —, e da eterna promessa de decolagem da economia. Essas propostas confrontam premissas funestas e incendeiam prisões históricas para desnaturalizar a devastação ambiental, a especulação financeira e a opressão racial.
Corpo-aparelhagem
Intervenções experimentais e reflexões sobre a contínua transmutação corpórea dos seres e das coisas, com seus hibridismos e suas inter-relações. Este eixo abrange a cultura de reprodução técnica, do sample e da apropriação; as relações entre tecnologia de ponta e gambiarra engenhosa; os efeitos da alta conectividade à internet; e as noções de biohacking e modificações corporais sob um imaginário ciborgue, transhumano e pós-humano. Imagens e sonoridades são remixadas, distorcidas e, por vezes, desmanchadas, como modo de encarar frontalmente as consequências radicais de um mundo em transformação vertiginosa.
Transes e travessias
Conhecimentos transcendentais, práticas espirituais e experiências extáticas que canalizam os mistérios vitais. São rituais, instrumentos e espaços que conjuram alentos para alimentar a alma e pulsões para animar o corpo, alcançando proteções, fundamentando resistências e reelaborando condições opressivas e traumas confinantes. São embarcações que navegam por encruzilhadas e atravessamentos, indo além das fronteiras da matéria e das percepções terrenas para conectar com o etéreo e coexistir com o desconhecido.
A coleção do Museu de Arte Moderna de São Paulo, com mais de 77 anos de história, é marcada por transformações e reformulações que refletem sua importância para a arte moderna e contemporânea no Brasil. Desde a segunda metade da década de 1960, o acervo do MAM vem sendo renovado e ampliado. Contando com doações significativas de colecionadores, críticos e outros incentivadores da arte, assim como dos próprios artistas, o MAM reúne hoje mais de 5 mil obras. Grande parte delas, porém, corresponde à chamada “arte contemporânea”, que se refere, de modo geral, à produção dos artistas nos últimos 60 anos. Esse contingente supera em quantidade e volume as obras de “arte moderna”, aquelas usualmente vinculadas às vanguardas modernistas da primeira metade do século XX.
Diante do encontro entre arte moderna e contemporânea no acervo do MAM, podemos refletir sobre o debate recorrente em torno das definições de “modernidade” e “contemporaneidade” e os modos como estas se relacionam com as produções artísticas. Afinal, as narrativas históricas que pontuam a arte moderna e a arte contemporânea numa linha do tempo nem sempre dão conta de determinar a sua separação, à medida que partidos estéticos e assuntos convergem e se misturam, inclusive em inúmeras obras pertencentes à coleção do MAM.
Se o início da arte moderna se deu com as vanguardas europeias na virada entre os séculos XIX e XX, a produção dos modernistas brasileiros se estendeu pela maior parte desse último século, colocando-a, assim, em um ritmo próprio de elaboração e superação. De fato, o início da produção contemporânea no Brasil pode ser compreendido a partir do desdobramento de uma das últimas vanguardas modernistas, o construtivismo, nas vertentes concretista e neoconcretista e seu diálogo com vanguardas distópicas como a pop art.
A arte moderna nasce como uma ruptura com o passado e com a arte acadêmica. Já a arte contemporânea representa, para muitos, uma quebra em relação aos preceitos modernos, como o formalismo e a especificidade técnica dos suportes, introduzindo novas linguagens e mídias. A noção de vanguarda, típica da arte moderna, que sonhou em revolucionar o mundo e representou uma promessa de liberdade, tende a se perder no momento contemporâneo. Na arte mais recente, a ideia romântica de um mundo melhor perde espaço, assim como a crença na razão e no cientificismo, dando lugar para reflexões sobre a insustentabilidade dos nossos modos de vida e para microutopias almejadas individualmente.
Obras de diferentes períodos da história da arte brasileira recente estão reunidas em seis núcleos na exposição: “Natureza: fim da representação”, “Ambiente urbano: habitat da modernidade”, “Corpos: políticas da relação”, “Formas de construir e romper”, “Fragmentos, gestos e abstrações”, e “Mídias: tradições atualizadas”. Esses núcleos temáticos aproximam produções de tempos e contextos distintos para demonstrar que a recorrência de questões da modernidade na contemporaneidade é um dado próprio do tempo vivido e muitas vezes em períodos sobrepostos. No interior dos núcleos, trabalhos produzidos por artistas em atividade dialogam com obras vinculadas às vanguardas modernistas. Seja através de qualidades visuais, ou de procedimentos técnicos e conceituais, essas obras prolongam até os dias atuais questões inicialmente desveladas pela modernidade industrial, que continuam sendo desdobradas pelos esforços desenvolvimentistas e pelo avanço tecnológico. A percepção de continuidade nessas formas de pensar e revelar a realidade é justamente a ferramenta crítica que a sociedade necessita para lidar com os desafios distópicos que se apresentam a todo o mundo.
O acervo atual do MAM nos coloca, assim, questões que esbarram em problemáticas culturais, sociais e históricas: Qual é a relação entre as ideias de “moderno” e “contemporâneo”? Em que diferem e o que as aproxima? E como isso implica nas nossas formas de produzir cultura e narrar a história? Trata-se apenas de uma distinção de períodos ou estilos? Certamente há diferenças históricas e teóricas que merecem ampla discussão, mas, afinal, é possível traçar com precisão a fronteira visual e temporal entre a arte moderna e a arte contemporânea? De que modo isso se relaciona com a percepção do tempo histórico, e do tempo vivido? A exposição aponta para essas questões, não para respondê-las definitivamente, mas sim para contribuir com outras formas de abordagem, oferecendo ao público autonomia para se surpreender com as reflexões despertadas pela arte, seja de qual tempo ela for.
curadores
Cauê Alves
Gabriela Gotoda
legenda: Leda Catunda, MAM, 1998. Foto: Romulo Fialdini
A sede do MAM está temporariamente fechada em virtude da reforma da marquise do Parque Ibirapuera.
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