Em 2000, com o intuito de incentivar o colecionismo e incrementar seu acervo com importantes obras da produção fotográfica brasileira, o MAM criou o Clube de Colecionadores de Fotografia. O Clube nasceu num momento de institucionalização do meio fotográfico, que coincidiu com o momento em que a fotografia brasileira ganhou maior destaque no cenário internacional, sendo apreciada em mostras pelo mundo afora.

Foram criadas no Clube de Colecionadores de Fotografia frentes de pesquisa que vão da fotografia documental à experimental, inclusive questionando tais nomenclaturas. As relações da linguagem com o real, suas fronteiras com a ficção, a fotografia como suporte de trabalhos artísticos que dialogam com performance, pintura e gravura, entre outras técnicas, se subdividem em módulos denominados Identidade nacional, Documental imaginário, Limites/ Metalinguagem, Retrato/ Autorretrato e Vanguardas históricas. Essas frentes de investigação servem como parâmetro à curadoria, embora diversos artistas transitem por mais de uma delas, como pode ser observado nesta mostra.

O Clube de Colecionadores de Fotografia existe graças à parceria entre o museu e os artistas, que doam seus trabalhos certos de sua contribuição para um acervo de extrema importância no contexto nacional. Ao fomentar a formação de coleções particulares, o MAM ativa a divulgação da arte brasileira e estimula a produção dos artistas. Dessa forma, evidencia-se a vitalidade da fotografia brasileira por meio de suas mais diversas manifestações, que constituem uma visão plural, humanista e de grande densidade poética da cultura brasileira.

Eder Chiodetto
Curador

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O problema ecológico nasce do consumismo. Nos últimos setenta anos, as mercadorias industrializadas têm durado cada vez menos, degradando-se rapidamente em lixo. O ciclo da compra e descarte compromete os recursos naturais, gera poluição e alimenta a insatisfação constante dos consumidores de mercadorias planejadas para cansar, quebrar e passar de moda.

O problema ecológico exige pensar limites para a sociedade de consumo. Algumas das obras aqui reunidas refletem sobre a sedução fácil das mercadorias descartáveis, jogando poeticamente com formas e cores. Outras propõem uma relação durável com as coisas, alimentando o cotidiano sem a necessidade de inserir incessantemente novidades efêmeras no dia a dia. Um terceiro conjunto convida a práticas comunitárias que superam o lucrativo individualismo.

O problema ecológico é a destruição do cotidiano pela promessa de uma novidade sempre inalcançável, oferecida continuamente pela sedutora publicidade, mas que se revela frustrante a cada compra de mais uma mercadoria descartável. Nesse ciclo de ilusões, vamos esquecendo os laços humanos, consumindo o planeta e nos enterrando em lixo.

Felipe Chaimovich
Curador

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Curadoria: Inti Guerrero
Sala Paulo Figueiredo

Em 1930, o artista e arquiteto paulistano Flávio de Carvalho (1899-1973) propôs a construção de uma nova cidade nos trópicos. Sua proposta, intitulada A cidade do homem nu, idealizava uma metrópole para o homem do futuro, o qual, segundo ele, não teria nem Deus, nem propriedade e nem matrimônio. Em outras palavras, tratava-se de um urbanismo pensado para uma humanidade que teria se despojado (despido) da construção cultural do seu corpo. Ou, tal como descrevia Carvalho, um homem “sem tabus escolásticos”, “livre para raciocinar e pensar”, para começar um contínuo e irrefreável processo de curiosidade, mudança e transformação pessoal.

Flávio de Carvalho imaginava sua utopia urbana como uma constelação de centros e laboratórios localizados em círculos concêntricos: um “centro de ensino”, um “centro de parto”, um “laboratório de erótica”, um “centro religioso” (localizado dentro do laboratório de erótica) e um imenso “centro de pesquisa”, em cujo interior o cidadão poderia “descobrir as maravilhas do universo, o prazer pela vida, o entusiasmo em produzir coisas, o desejo de mudar”. No caso específico do “laboratório de erótica” desta singular cidade, Carvalho idealizava-o como um lugar onde “o homem nu selecionaria ele mesmo suas formas de erótica, onde nenhuma restrição exigir-lhe-ia este ou aquele sacrifício; sua energia cerebral seria suficiente para controlar e selecionar seus desejos […] seria o lugar onde encontraria sua alma antiga, onde projetaria sua energia solta em qualquer direção, sem repressão; onde realizaria seus desejos, descobriria novos desejos”. Ao entender a experiência da sexualidade como uma espécie de libido sem uma perspectiva determinada, isto é, sem um desejo construído, mas justamente como uma experiência contínua, rizomática, que se bifurcaria dentro do “laboratório de erótica” de acordo com a subjetividade do indivíduo, Flávio de Carvalho, já em 1930, parecia propor um “plano diretor” que procurava dissolver qualquer fixação sociocultural na sexualidade e corporalidade do indivíduo.

A exposição A cidade do homem nu parte justamente do espírito transgressor de Flávio de Carvalho, em sua singular formulação para construir uma nova paisagem urbana nos trópicos, uma nova realidade. Tomando principalmente a experiência da sexualidade no “laboratório de erótica”, a mostra reúne obra e artefatos culturais que em vez de “ilustrar” o pensamento de Carvalho através do percurso museográfico, construirão o significado radical e contracultural do seu pensamento, abrindo as possibilidades de imaginar como poderia ser aquele lugar “sem tabus escolásticos”, “livre para raciocinar e pensar”, onde a corporalidade e a energia sexual do indivíduo poderiam se dirigir em “qualquer direção, sem repressão”.

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Flávio de Rezende Carvalho (1899-1973) foi arquiteto, artista plástico, escritor e animador cultural com presença na vida paulistana desde fins dos anos 1920. Além das obras realizadas sobre suporte convencional, introduziu outras cuja existência depende do apoio da mídia impressa, intervenções que se iniciam com os primeiros projetos arquitetônicos discutidos no espaço do jornal e se estendem à Experiência n˚ 2, realizada como provocação a uma procissão de Corpus Christi, ao lançamento do traje de verão e à expedição de primeiro contato com tribos indígenas do Alto Rio Negro.

A mostra procura apresentar sua atuação reunindo documentação relativa a vários momentos: o início de sua formação, sua ligação com o movimento da antropofagia, as atividades do CAM e do Teatro da Experiência, as relações estabelecidas em sua viagem à Europa, sua participação na articulação dos Salões de Maio, as experiências dos anos 1950 e o progressivo reconhecimento da década seguinte. Em registro suplementar, o visitante encontrará também um conjunto de retratos, fotografias e caricaturas de Flávio de Carvalho de autoria de outros artistas, além de uma seleção dos catálogos de suas mostras individuais e coletivas.

Rui Moreira Leite
Curador

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Offset, dimensões variadas

O título do trabalho evoca a peça homônima de Pierre Boulez, composta entre 1957 e 1962. A sonoridade da peça sugeriu ao artista uma sequência fotográfica de flashes emulsionando filmes velados em interferências de luz breves e marcantes. Mello executou a ideia fotografando postes de iluminação em Varsóvia, na Polônia. Observados contra um céu neutro, esses objetos se reduzem a um traço, parecendo desenhos. Ao duplicá-los nas fotos e imprimi-los em lambe-lambes, o artista construiu uma espécie de partitura musical errática, propondo uma modulação de formas com diversos ritmos, como nos painéis de azulejos de Athos Bulcão.

O conjunto das obras adquiridas pelo Núcleo Contemporâneo na última década evidenciou a linha experimental na formação recente da coleção do MAM. Ao trabalhar sempre em sintonia com a curadoria do museu, tanto no planejamento das visitas realizadas como na política de aquisições, o Núcleo definiu sua vocação de engajamento na produção contemporânea, pois seus membros acompanham o trabalho de desenvolvimento das mostras do museu do ponto de vista da própria equipe da instituição. Além disso, a frequentação constante de exposições em fase de montagem, complementada pelo contato direto com artistas e curadores, favorece uma compreensão atenta dos processos envolvidos na criação e exibição da arte contemporânea.

Foram aqui selecionadas trinta obras dentre a centena de peças que compõem a seção do Núcleo dentro da coleção do MAM. A variedade de técnicas abrangidas indica a amplitude de possibilidades na produção atual; nesse sentido, destaca-se a obra Quadris de homem=carne / mulher=carne de Laura Lima, tendo sido o MAM, por intermédio do Núcleo, o primeiro museu brasileiro a adquirir uma performance para integrar a coleção permanente.

O centro da Sala Paulo Figueiredo é dominado por duas obras feitas de materiais escultóricos opostos, jornal inflado de vento e telhado de duas águas, um leve e outro pesado, de Franklin Cassaro e de Marepe. Assim, ao entrar na sala, o espectador já é confrontado com a impossibilidade de sintetizar o contemporâneo, motor central da instigante agenda de visitas do Núcleo, cujos integrantes são apaixonados pelo desafio de explorar as fronteiras da arte. Como contraponto, a adesivagem Volpi disco, de avaf (assume vivid astro focus), chama a atenção para a transparência da única janela do cômodo, criando uma perspectiva que conduz o olhar para além do espaço interno do museu, como se os desafios da arte contemporânea não pudessem ser abarcados numa única coleção.

Finalmente o que é o contemporâneo? A impossibilidade de resolver tal investigação leva o Núcleo adiante.

Felipe Chaimovich
Curador

Gordon Matta-Clark desenvolveu seu projeto de desfazer os espaços da arquitetura moderna encenando intervenções metafóricas em edifícios abandonados ou condenados  com o intuito de questionar a autonomia e a lógica econômica pós-1950 nas quais os edifícios foram rapidamente lançados em detrimento de sua função pública. O artista, através desses projetos, apontou para o desaparecimento de capítulos não documentados da memória coletiva e, conseqüentemente, da história e da vida desses lugares.

De 1971 a 1978, Matta-Clark realizadou cortes estruturais e retirou elementos de tijolos e argamassa, pisos e fachadas de casas e edifícios em Santiago, Nova Jersey, Nova York, Niagara, Gênova, Milão, Paris, Antuérpia e Chicago. O processo foi registrado em fotografias e em filme e vídeo.  Tais intervenções, cuja maioria foi conduzida em áreas periféricas, exigiu um esforço físico gigantesco e estavam em lugares onde o acesso era difícil ou que, devido à sua história, foram transformados em mitos. Elas agora pertencem a um corpo de trabalho ainda mais amplo do artista, que também se ramificou em experiências culinárias, estudos alquímicos, dança, performance, desenho e fotografia.

Matta-Clark era uma figura proeminente na comunidade emergente de músicos, escultores, filmmakers, video-makers, cenógrafos e dançarinos na vizinhança nova-iorquina do Soho, após do minimalismo, da arte conceitual e da land art. A partir de sua interação com essas pessoas, Matta-Clark concebeu a ideia e a prática da “anarquitetura”, transmutando a energia criativa individual em ritual compartilhado. Estes artistas ocuparam instalações industriais não utilizadas e as transformou em espaços participativos, não-hierárquicos, gerando um circuito alternativo de inserção das práticas consideradas experimentais à época.

O trabalho central de Gordon Matta-Clark, tal como de Robert Smithson e parte de Hélio Oiticica, é mantido vivo atualmente através de fragmentos e a memória partical e incompleta de documentos fotográficos e audiovisuais. No entanto, seu valor residual e de natureza dispersa retira-se da lógica do monumento e a situa em um tempo mítico, que dialoga fortemente com o presente.

Tatiana Cuevas e Gabriela Rangel
Curadoras

Você tem fome do que?

A alimentação é um problema mundial que afeta particularmente o Brasil. Por outro lado, o mercado de biocombustíveis compete por espaços com as plantações de comida. Como Brasil é uma potência agrícola, a disputa torna-se acirrada: nossa prioridade é alimentar o planeta ou substituir o petróleo por álcool e biodiesel?

Para refletir sobre o desafio agrícola contemporâneo, foram reunidos no parque do Ibirapuera nove criadores de jardins em torno ao tema da alimentação. Criaram-se espontaneamente duas interpretações sobre o assunto entre os participantes: alimentação do corpo ou do espírito. A questão foi enfrentada poeticamente, ampliando as possibilidades de reflexão sobre os desafios da alimentação mundial.

A parceria com o Festival Internacional de Jardins de Chaumont-sur-Loire possibilitou um intercâmbio com a França, país de longa experiência em jardinismo. Paisagistas europeus foram convidados para criar seis jardins, juntamente com três artistas brasileiros que executam suas primeiras obras de jardinagem.

Ao passear pelo festival, o público irá deparar-se com os diversos jardins que interromperam a paisagem horizontal do Ibirapuera. Assim, o visitante identifica a artificialidade do cultivo agrícola, pois cada jardim cria um mundo particular em meio ao amplo parque.

A alimentação depende do domínio da tecnologia e de seu uso transformador da natureza em artifício. Somos responsáveis pelo uso contemporâneo da Terra para alimentar a humanidade. Perceber responsabilidade exige a distinção entre cultivo e natureza.

Felipe Chaimovich
Curador do Museu de Arte Moderna de São Paulo

O Festival Internacional de Jardins de Chaumont-sur-Loire

Criado em 1922, o festival é instalado à sombra do castelo de Chaumont-sur-Loire com o objetivo de evidenciar a riqueza e a diversidade da arte dos jardins de hoje e demonstrar a abundância de tendências nesse campo.

Nossos jardins efêmeros são renovados anualmente a partir de um tema, ensejando a realização de um concurso internacional. A escolha dos paisagistas, a criatividade e a diversidade das técnicas e das propostas apresentadas, assim como o entusiasmo exponencial do público pela natureza e pelos jardins, fazem de Chaumont um lugar de encontros especiais, um canteiro de talentos e de ideias novas.

Juntamente com o festival, o parque de paisagens, o vale de brumas, a senda dos ferros selvagens, a horta biológica e o jardim infantil propõem ao público jardins permantentes que, evoluindo ao longo das estações, valeram a Chaumont o título de “jardim notável”.

Desde 2008, o festival está inscrito em um Centro de Artes e Natureza que desenvolve um projeto de arte contemporânea que permite acolher anualmente no Domaine, desde então propriedade da Région Centre, vinte exposições e instalações de artistas vindos do mundo inteiro.

É uma grande honra para o Festival Internacional de Jardins de Chaumont-sur-Loire ser convidado do Museu de Arte Moderna de São Paulo. A melhor resposta a esse convite é levar ao Brasil grandes paisagistas franceses da atualidade. Luis Benech, Michel Racine & Béatrice Saurel, Christine & Michel Péna, Dimitri Kenakis & Maro Avraboum Erik Borja e Florence Mercier conceberam para o parque Ibirapuera, com muito entusiasmo e imaginação, jardins sobre o tema da alimentação, essencial para o mundo de hoje e de amanha.

Chantal Colleu-Dumond
Diretora do Domaine e do Festival Internacional de Jardins de Chaumont-sur-Loire

Raymundo Colares foi um artista único na cena experimental da arte brasileira do final dos anos 1960. O rigor formal da tradição construtiva aliou-se nele ao ruído urbano e expressivo da nova figuração e à urgência comunicativa da arte pop.

No catálogo da exposição Nova objetividade brasileira (1967), que foi a estreia de Colares na cena artística, Hélio Oiticica redige uma espécie de manifesto pós-neoconcreto, levando em consideração os desdobramentos experimentais da arte brasileira recente dentro de um momento político específico: o golpe militar e a intensificação da resistência política e contracultural. Ele divide o texto em seis itens que resumiriam as principais tendências poéticas presentes naquela exposição. Quatro delas parecem-me determinantes para a compreensão do desenvolvimento da obra de Colares: a vontade construtiva, a chegada ao objeto, a participação do espectador e a rebeldia dadá. Quase toda a sua obra cabe aí.

Em Colares, a apropriação de uma geometrização concreta do espaço pictórico dar-se-ia através de um olho atravessado pela estrutura visual das histórias em quadrinhos e pela confusão sedutora da desordem urbana, metaforizada pela fragmentação dos ônibus cortando o campo perceptivo. De início eles se compunham numa narrativa costurada por uma polifonia espacial, justapondo perspectivas, movimentos e planos de cor. É uma narrativa visual que não se desdobra no tempo, mas se fragmenta no espaço, multiplicando os dados perceptivos na vertigem de um corpo atravessado pela confusão da cidade.

Entre 1966 e 1970, ano em que ganhou o prêmio de viagem ao exterior do Salão Nacional de Arte Moderna, sua obra teve um desenvolvimento espetacular. Do movimento virtual das pinturas dos ônibus, passando pelas trajetórias em metal e chegando às páginas de cor multidirecionais dos Gibis, o que se percebe na poética de Colares é uma coerência plástica notável.

Entre 1971 e 1973, viveu em Nova York, Milão e Trento. De volta ao Brasil, passando por dificuldades financeiras e psicológicas, afastou-se do circuito de arte. Apenas no começo da década de 1980 iria retomar a carreira. O lance trágico viria em seguida. Depois de uma longa relação poético-visual com os ônibus, acabou atropelado por um deles. Recuperando-se em Montes Claros, morreu em 1986 queimado na cama do hospital em um incidente até hoje sem explicação.

A obra de Colares tem um lugar especial na história da arte brasileira, como um elo singular de ligação entre a pintura moderna, a vontade construtiva, a tendência experimental e o amor ao mundo.

Luiz Camillo Osório
Curador

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O ambiente de Ernesto Neto convida ao encontro. Diversas ilhas de convivência escorrem de um teto contínuo de crochê, formando diferentes situações coletivas: uma praça com bancos, uma sala de música, uma biblioteca. Nunca estamos isolados: há sempre lugar para mais alguém, mesmo que ainda não tenha chegado.

A estrutura tecida leva o visitante de uma ilha a outra, como se o museu fosse um grande rio abraçado por uma tarrafa oceânica. A paisagem vai se definindo conforme avançamos, pois cada agrupamento tem cores específicas, cheiros próprios, sons peculiares.

A obra de Ernesto Neto expande a forma dos objetos escultóricos para a experimentação sensorial, pois às vezes lhes esticamos as partes, outras nos sentamos sobre suas gotas, ou enfiamos o nariz em seus perfumes. O material elástico de redes e membranas que compõe a instalação é assim contaminado pela vida do público. Gentil e suave, Dengo é um convite ao mergulho numa forma incapturável, cuja liberdade está em mudar a cada novo encontro conosco.

Ernesto Neto e Felipe Chaimovich
Curadores

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Pele é uma padronagem, à primeira vista decorativa, que num olhar mais aproximado desvenda seu elemento-chave: patas de galinha. O conforto da estética doméstica dá lugar ao incômodo pela utilização da matéria orgânica repugnante como elemento gráfico, explorado em multiplicações fractais. Assim como a memória – que às vezes nos transporta a espaços particulares de deslumbramento, às vezes nos lança a ocorrências pessoais violentas e dolorosas – a percepção de Pele provoca uma sensação de atração e repulsa, identidade e estranhamento.

Este trabalho é um desdobramento da série Toalhas, realizada entre 1996 e 1997 para a 6ª Bienal de Havana, onde foram desenvolvidas cinco estampas diferentes. Tendo como referência as toalhas de mesa populares impressas em linóleo, distribuídas a metro em milhões de lares no decorrer de décadas e utilizadas como suporte de incontáveis rituais domésticos em torno da mesa, o trabalho questiona o que retemos desses encontros. Cada uma das estampas é composta por sobras da mesa, como vegetais mofados, frutas podres, flores murchas, cinzeiros sujos e as patas de galinha reutilizadas em Pele.