A mostra Vestígios – memória e registro da performance e do site specific, elaborada pelos alunos do curso Laboratório de Curadoria, ministrada por Tobi Maier, foi composta a partir de obras do acervo do MAM e de sua biblioteca. Sua seleção de obras têm em comum o corpo como suporte.
Os trabalhos selecionados de Alex Vallauri, Amílcar Packer, avaf, Cildo Meireles, Hudinilson Jr., Jarbas Lopes, Jorge Menna Barreto, Laura Lima, Márcia X e Michel Groisman são happenings, atos performáticos ou ações relacionais com o público.
Originalmente imateriais, estas obras estão materializadas em publicações, documentos, cartazes, vídeos e livros dos artistas colecionados pela biblioteca. O grupo de curadores lança um novo olhar sobre as obras pertencentes à instituição, revisitando-as e estabelecendo diálogos entre diversas mostras e instalações feitas em diferentes épocas no museu.
Texto é a principal matéria prima da artista americana Jenny Holzer. Ela iniciou sua pesquisa conceitual no final dos anos 1970, explorando o espaço público como suporte para seu trabalho, quase inteiramente composto de palavras e ideias.
A estreia de Holzer aconteceu com os lambe-lambes da série Truisms, de 1977-9. Nesses cartazes, Holzer imprimiu frases como “Você precisa saber onde você acaba e o mundo começa” ou “A revolução começa com mudanças no indivíduo”. Essas frases são exatamente aquilo que o título da série indica: verdades óbvias. No entanto, essas verdades só se tornam realmente potentes quando escancaradas na rua e colocadas, literalmente, na boca do povo.
Das frases de Truisms, Jenny Holzer partiu para os textos de Inflammatory Essays, de 1979-82. Indignação, fúria, ímpeto são alguns dos sentimentos que animam o discurso social da artista. Mais do que inflamados, esses textos são explosivos. Quem passar pelo Projeto Parede de Jenny Holzer que se cuide: corre o risco de se queimar.
Truisms, Inflammatory Essays
A arte de mobilizar
Cento e quarenta toques, 140 obras, vinte curadores, um coordenador, número de seguidores desconhecido. Esse é o saldo de um ano de trabalho realizado no Laboratório de curadoria do MAM
A ideia de desvendar os mistérios da curadoria de uma exposição partiu da iniciativa conjunta do Departamento de Curadoria e do Setor Educativo do MAM. Inédito em um museu, o curso foi ministrado pelo próprio curador do MAM, Felipe Chaimovich, que desenvolveu para ele um método baseado no estruturalismo de Claude Lévi-Strauss, no legado curatorial de Harald Szeemann e no princípio dialético do pensamento por opostos.
Segundo Felipe Chaimovich, ao propor uma experiência prática, o curso se diferenciou de outros cursos de curadoria expositivos e historicizantes. Adotado como ferramenta pedagógica, o método dialético permitiu que o processo fosse concluído com a realização de uma curadoria efetivamente coletiva.
Trabalhando individualmente e em grupo, os vinte alunos do Laboratório de curadoria escreveram e reescreveram textos até conseguirem expressar claramente seu desejo comum: organizar uma exposição com obras na coleção do MAM que incitassem a reflexão sobre a mobilização política por meio de redes sociais.
A mostra 140 caracteres surgiu desse desejo coletivo e da participação do grupo em todas as etapas do processo de realização, da pesquisa no acervo à concepção da museografia, da ação educativa à captação de recursos, da produção de legendas às estratégias de marketing. Inserindo-se nos diversos setores do MAM, os alunos do Laboratório aprenderam na prática como se faz uma exposição.
As 140 obras estão dispostas nas duas salas expositivas. Na Grande Sala, quatro módulos da Máquina curatorial do argentino Nicolás Guagnini servem de suporte a retratos e máscaras produzidas por diversos artistas da coleção do MAM, numa clara alusão às formas de representação adotadas em manifestações públicas recentes. Instalações de grandes dimensões, como Uma vista, de Cassio Vasconcellos, ou O telhado, de Marepe, dividem o espaço formando uma espécie de paisagem urbana.
Na Sala Paulo Figueiredo, o cenário é mais político. Um painel com imagens do tempo da ditadura e a piscina de cachaça e entulho que compõe a Transestatal, de Marcelo Cidade, criam o ambiente perfeito para o público tirar fotos na obra Problemas nacionales, de Jonathas de Andrade (ver Perfil contemporâneo).
No saguão do MAM, mais exatamente no novo balcão, está funcionando o Café educativo de Jorge Menna Barreto, obra em que o visitante pode fazer uma pausa para tomar café, folhear uma revista e, principalmente, conversar sobre arte com o educador do MAM que estiver por perto. Afinal, se a ideia é discutir mobilização, nada melhor do que fazer isso num lugar concebido especialmente para promover a integração.
Felipe Chaimovich analisa o resultado: “Após a decisão sobre a curadoria da exposição e a escolha das 140 obras, os alunos puderam trabalhar pela exposição nos setores no museu. Isso diferencia o Laboratório de curadoria de outros cursos similares, além de desafiar os profissionais desses setores do MAM a se integrarem num curso do museu”.
O MAM recebe a mostra de fotografia poder provisório, com 86 obras do acervo do museu, na sala Paulo Figueiredo. poder provisório visa discutir a instância do poder em diferentes esferas da vida social, através de imagens documentais e obras conceituais, em sua maioria de cunho político, que utilizam a fotografia como suporte. A curadoria é de Eder Chiodetto, que também é o curador do Clube de Colecionadores de Fotografia do museu.
A mostra é composta por obras realizadas nos últimos cinquenta anos, e busca provocar uma reflexão acerca das esferas de poder em contraponto aos problemas sociais históricos do Brasil. O recorte inclui registros como a queda das Torres Gêmeas – vistos como uma metáfora da intolerância entre culturas diversas e um ápice da crise do capitalismo –, do fotojornalista brasileiro Alcir da Silva, radicado nos EUA; uma extensa série de fotografias realizadas da década de 1970 a 1990, de Orlando Brito, que vão de imagens que revelam a ascensão de Lula, então metalúrgico, a imagens do presidente João Figueiredo no poder, da guerrilha do Araguaia e da votação das Diretas-já.
Também há fotos de Mauro Restiffe durante a posse de Lula no primeiro mandato, em 2003; e até mesmo as manifestações do ano passado, registradas pelo coletivo Mídia Ninja. Permeando esses registros, há xerografias de Bené Fonteles (O dedo do metalúrgico e Corte), offset de Paulo Bruscky (Limpos e desinfetados), fotografias de Claudia Andujar (Yanomami, da série A casa), objetos de Iran do Espírito Santo (Ato único I e Ato único III), apenas para citar algumas obras.
Com projeto expográfico de Marta Bogéa, poder provisório é esteticamente inspirada no poema construtivo “Cidade/City/Cité”, de Augusto de Campos. Assim como no poema de Campos, as obras estarão dispostas numa linha contínua (não cronológica), sem espaços entre uma e outra, e com grande alternância de temas, séries e autores, colocando todas as obras e artistas em pé de igualdade. “É como uma ladainha. Uma aparente sucessão que na verdade é uma repetição enfadonha e um tanto sombria”, conta Chiodetto.
Para ver a mostra, o visitante deverá passar por um portal que dá espaço a um zigue-zague, diferente da concepção da sala original, dando lugar a outra arquitetura que convida a seguir a linha de fotos apresentadas, “reforçando a ideia de convulsão e entropia que salta das obras e se manifesta no espaço expositivo”, diz o curador. A partir do portal, o ciclo abre e fecha com duas imagens de Alcir da Silva sobre a queda das Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos.
Uma das novidades do acervo do museu apresentadas na mostra são três fotos das manifestações realizadas em São Paulo, em 2013, registradas pelo coletivo Mídia Ninja, cuja atuação é uma alternativa à imprensa tradicional. As transmissões do grupo são realizadas em tempo real pela internet, por meio das redes sociais, apresentando uma cobertura que leva à reflexão sobre a idoneidade da mídia tradicional.
“Um museu tem que estar atento a receber novos meios e reflexões sobre a circulação da imagem”, diz Chiodetto.
No texto de curadoria, que estará disposto abaixo das imagens, acompanhando a linha contínua das fotografias, Chiodetto parte das questões de poder levantadas para interpelar várias outras instâncias de poder: “Quem diz o que pode e o que não pode entrar no acervo do museu? Quem tem o poder de legitimar o que é ou não é arte? Quanto o mercado de arte pode lucrar com uma exposição que pontua doenças crônicas do capital? Quão legítima pode ser a crítica de um curador ao poder, se a própria curadoria é também um exercício de poder? Os bastidores da política podem ser fotografados até que ponto? Se o poder da representação se escora em pontos de vistas subjetivos, quem narra a história oficial?”.
Obras de Hélio Oiticica, Lygia Clark, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Amilcar de Castro, Di Cavalcanti, Alfredo Volpi, entre outros grandes nomes da arte nacional, todas pertencentes ao acervo de cerca de três mil obras da Coleção Hecilda e Sergio Fadel estão reunidas na mostra Vontade Construtiva na Coleção Fadel, que o Museu de Arte Moderna de São Paulo abre dia 31 de março, numa nova leitura do curador Paulo Herkenhoff, e fica em cartaz até 15 de junho, com patrocínio da EDF Norte Fluminense.
Depois de inaugurar em 2013 o Museu de Arte do Rio (MAR), Vontade Construtiva na Coleção Fadel chega a São Paulo em nova versão, com 216 obras, algumas compradas exclusivamente para esta edição, como o conjunto de sete peças de serigrafia de Mary Vieira; uma tela de Judith Lauand; tela do português naturalizado brasileiro Alberto Teixeira; uma peça do vanguardista Raul Porto; um óleo sobre tela de Leopoldo Raimo e duas obras do concretista Maurício Nogueira Lima.
A exposição revela como a coligação entre os movimentos modernos e pós-modernos resultaram na edificação cultural do país, além de apresentar ao público a concepção, em sintonia com a famosa frase de Hélio Oiticica, de que existe na arte brasileira “uma vontade construtiva geral”. A frase inspirou o curador a montar a exposição de uma forma ampliada do conceito construtivo, incluindo outros nomes famosos como Iberê Camargo, Ivan Serpa, Waldemar Cordeiro, Waltércio Caldas e Abraham Palatnik.
A vontade construtiva pode ser exemplificada por obras como Maternidade em círculos (1908), de Belmiro de Almeida – anterior à Semana de Arte Moderna de 1922. Também pode ser notado o construtivismo da geração modernista nos retratos de Mário de Andrade e Oswald de Andrade, feitos por Anita Malfatti; e na obras A Boneca (1928) de Tarsila do Amaral, e Roda de Samba (1929) de Di Cavalcanti.
Ao expor o movimento construtivo no Brasil, seja por experiências individuais ou movimentos coletivos, a mostra proporciona a experiência do público tanto com as primeiras aproximações das vanguardas artísticas europeias do início do século XX – quando a geometria era utilizada como indício da razão humana e modo de ordenação da realidade -, como com os desdobramentos entre os anos 1960 e 1980, quando o experimentalismo congregou questões sociopolíticas, além do conceitualismo e a revisão do modernismo.
Os movimentos concretista e neoconcretista conhecidos, respectivamente, pelo racionalismo artístico e reação à objetividade excessiva ganham vida por meio de indivíduos e coletivos, com destaque a dois núcleos distintos, criados nos anos 1950. Do paulista Ruptura, formado por artistas ligados ao concretismo, há obras de Waldemar Cordeiro, Lothar Charoux e Anatol Wladislaw. Já o carioca grupo Frente, usuário da abstração geométrica, ostenta trabalhos de Ivan Serpa e Lygia Pape e obras-primas como a série Bicho (1960), de Lygia Clark; Relevo espacial, de Hélio Oiticica; e Preto Branco, de Aluísio Carvão, ambos de 1959.
Até a Segunda Guerra Mundial, o modernismo brasileiro seguia as vanguardas europeias, que giravam em torno da geometria, que ainda se mantinha como modo de ordenação da realidade e de representação do mundo. A transformação aconteceu após o fim da guerra, com a adesão de artistas, críticos e instituições à ideia da arte abstrata na vertente geométrica. A criação dos Museus de Arte Moderna do Rio de Janeiro e de São Paulo, do MASP e da Bienal de São Paulo acelerou o diálogo internacional dos artistas brasileiros
O início da década de 1950 passou por um processo de extensos embates estéticos. A resistência de modernistas como Mário de Andrade e Di Cavalcanti, por exemplo, à arte abstrata ganhou a aliança do Partido Comunista. No campo da arte abstrata, Waldemar Cordeiro e outros geométricos opunham-se aos informais pela falta de rigor e pelo excesso de individualismo. Os artistas abstrato-geométricos também disputavam entre si, reivindicando princípios diferentes para a organização. Esses conflitos transformaram essa década na mais complexa disputa intelectual da arte brasileira no século XX.
Do período de 1960 a 1980, que engloba a segunda geração construtiva, a mostra conta com obras influenciadas pelo contexto social, econômico e político pelo qual passavam o Brasil e a América Latina neste período, o que abrange a cultura de massa, a ditadura militar e a emancipação da mulher. Com produções inovadoras e diversificadas, artistas como Mira Schendel, Sergio Camargo, Ascânio MMM e Waltércio Caldas evidenciam a consagração do movimento construtivo na cultura brasileira.
Abraham Palatnik – A Reinvenção da Pintura, com curadoria de Felipe Scovino e Pieter Tjabbes, é a maior mostra já realizada do artista, consagrado pela criação de obras marcadas pela fusão entre o movimento, o tempo e a luz; na Sala Paulo Figueiredo, Scovino apresenta obras do acervo do museu que ampliam o conceito de pintura de diversos artistas em Diálogos com Palatnik.
Pinturas, desenhos, estudos, objetos, móveis e esculturas compõem a exposição Abraham Palatnik – A Reinvenção da Pintura, que o Museu de Arte Moderna de São Paulo apresenta de 2 de julho a 15 de agosto na Grande Sala, com curadoria de Felipe Scovino e Pieter Tjabbes, e patrocínio do Banco Safra. Ao unir estética à tecnologia, Palatnik utiliza movimento, luz e tempo como instrumentos para a criação de obras com grande potencial visual e poético, lançando os fundamentos de uma corrente artística que ficou conhecida como arte cinética, na qual as fronteiras entre pintura e escultura se confundem e se ampliam. Na Sala Paulo Figueiredo, Scovino apresenta a mostra Diálogos com Palatnik, reunindo 39 obras de 26 artistas do acervo do museu que repensam o conceito de pintura.
Apresentada no CCBB, de Brasília, e no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, Abraham Palatnik – A Reinvenção da Pintura chega ao MAMcom 97 obras, onze a mais que suas antecessoras: a mostra traz quatro trabalhos adicionais do artista, um pôster produzido pelo pintor e artista gráfico Almir Mavignier e uma série de seis obras do acervo do Museu de Imagens do Inconsciente, de dois internos do Hospital Psiquiátrico Dom Pedro II, em Engenho de Dentro (RJ), que influenciaram diretamente a carreira de Palatnik. São duas pinturas em guache sobre papel de Emydio de Barros e quatro desenhos de Raphael Domingues, produzidos com nanquim e bico de pena sobre papel.
Aos 86 anos, o artista residente no Rio de Janeiro é um dos pioneiros e a maior referência em arte cinética no Brasil, corrente que explora efeitos visuais por meio de movimentos físicos e ilusão de ótica, utilizando pesquisa visual e rigor matemático em obras com instalações elétricas que criam movimentos e jogo de luzes. Do homenageado são expostas 90 obras, desde óleos sobre tela do início da carreira a trabalhos recentes como da série W, de acrílica sobre madeira. Estão presentes as séries mais célebres: Aparelhos Cinecromáticos, Objetos Cinéticos e Objetos Lúdicos, além de móveis dos anos 1950, Relevos Progressivos e as Progressões, em que o jacarandá é o meio e o tema para pintura. Em São Paulo, são exibidos exclusivamente obras do artista que pertencem ao acervo do MAM: Objeto Cinético (1986), Progressão K-40 (1986), Mobilidade IV (1959/99), Aparelho Cinecromático (1969/86) e o pôster produzido por Almir Mavignier, em 1964, para uma exposição do Palatnik na Alemanha.
Nascido em Natal (RN), filho de russos, Palatnik passou a infância em Tel-Aviv (então Palestina), onde fez curso de especialização em motores de explosão. Aos 20 anos, voltou permanentemente para o Brasil. O jovem artista mudou a forma de ver, fazer e entender arte quando conheceu o Hospital Psiquiátrico Dom Pedro II, coordenado pela Dra. Nise da Silveira, levado por Almir Mavignier, orientador do ateliê de pintura da instituição. Ao ver obras de pacientes esquizofrênicos, que apresentavam uma produção excepcional, mesmo sem estudos sobre arte, Palatnik percebeu que realizava algo inócuo frente àquela produção rica de artistas que na grande maioria desconhecia o significado da expressão “arte”. Assim, abandonou os pincéis e passou a ter uma relação mais livre entre forma e cor.
Aprofundando os estudos sobre psicologia da forma e usando os dotes como engenheiro, ele começou os experimentos com luz e movimento que deram origem aos Aparelhos Cinecromáticos – caixas com lâmpadas e telas coloridas que se movimentam acionadas por motores, um mecanismo que gera uma série de imagens de luzes e cores em movimento, que unem lirismo e jogo de percepção-, e aos Objetos Cinéticos – aparelhos constituídos por hastes ou fios metálicos que possuem nas extremidades discos de madeira pintados de várias cores, além de placas que se movimentam lentamente, acionado por motores ou eletroímãs, dando à mecânica uma dimensão estética que provoca encantamento com os movimentos rotativos.
Esse uso inusitado que Palatnik faz da tecnologia e sua originalidade fez com que a classe artística e os júris especializados focassem e admirassem seus trabalhos. Durante a I Bienal de São Paulo, em 1951, a comissão internacional não sabia como qualificar a obra Aparelho Cinecromático Azul e roxo em seu primeiro movimento. A obra não era uma escultura, tão pouco uma pintura. Era algo que não se enquadrava nas categorias da Bienal. A solução encontrada para garantir o reconhecimento pelo trabalho original e inovador foi lhe dar uma menção honrosa.
Retrospectiva do trabalho
É importante destacar que a exposição pensa a obra de Abraham Palatnik como um trabalho pictórico, e como a pintura – na concepção múltipla e ampliada – pode ser vista e estudada mesmo em objetos tridimensionais. “Seja nos Aparelhos Cinecromáticos, nos Objetos Cinéticos ou nas pinturas, o artista não abre mão da artesania e de certa gambiarra, que ao longo dos anos foi desaparecendo” explica Scovino. “Hoje os cortes feitos na madeira para a execução da série W são produzidos a laser e não mais na casa do artista por meio de uma máquina cuja precisão era infinitamente menor que a do laser,” afirma.
Em 1954, Palatnik cria com o irmão Aminadav a fábrica de móveis Arte Viva, que funcionou até meados da década seguinte. A experimentação que guiava o trabalho no ateliê foi deslocada para a fábrica, onde foram produzidos vários tipos de mesa com tampos de vidro pintados pelo artista, além de poltronas, cadeiras e sofás. Na década de 1970, Palatnik e o irmão inauguram a Silon, produzindo em larga escala objetos de design, sempre em formato de animais. “A obra só adquiria sentido pleno se alcançasse a vida, a rotina e o uso mais comum do cidadão. Mais uma vez, percebemos a insatisfação com a estagnação, um desejo contínuo de pesquisa e de integração de distintas áreas como escultura, pintura, tecnologia, física, móveis e design”, explica o curador.
Nos Relevos Progressivos, realizados a partir dos anos 1960, o sequenciamento dos cortes na superfície do material – cartão, metal ou madeira – cria camadas que variam dependendo da profundidade e localização do corte, constituindo a própria dinâmica. Na década de 1970, Palatnik produziu a série Progressões, que são pinturas formadas por intervalos de jacarandá montados em sequências de lâminas finíssimas. Aproveitando a materialidade dos veios, nós e outras marcas naturais, percebe-se a estrutura de desenhos e gestos que demarcam um corpo vivo e dinâmico. Progressões também se desmembrou a partir dos anos 1990 na série W, em que sai o jacarandá e entra a tinta acrílica.
Diálogos com Palatnik
No mesmo período, a Sala Paulo Figueiredo apresenta a mostra Diálogos com Palatnik, do curador Felipe Scovino, que expõe 39 obras do acervo do museu de 26 artistas que repensam e ampliam o conceito da pintura. Foram escolhidas duas vertentes para a escolha das obras que são próprias na trajetória do artista: a capacidade de alargar as propriedades sobre a pintura – e sobre a arte construtiva – e a aplicação da artesania na fabricação das obras, criando um sentido particular sobre o que significa a ideia de inventor nas artes visuais.
Projeto Parede do MAM apresenta obra de Carmela Gross que mescla dados de imigrantes e nomes em tupi para abordar um aspecto da formação da sociedade brasileira
Artista utiliza um conjunto de placas metálicas coloridas com nomes e dados de pessoas de várias nacionalidades que chegaram a São Paulo misturados com a designação tupi de acidentes geográficos
Nome, sobrenome, idade, país de origem e data de chegada a São Paulo. Dados que preenchem fichas cadastrais de diversos imigrantes que chegaram no estado em meados e no final do século XIX servem de conteúdo para a artista multimídia Carmela Gross criar Marapé, obra selecionada para o segundo Projeto Parede de 2014 – em que o MAM convida dois artistas por ano para ocupar todo o corredor de acesso entre o saguão de entrada e a Grande Sala. A obra se utiliza de 531 diferentes placas metálicas de sinalização grafadas com nomes e informações sobre os imigrantes misturadas a outras com nomes de acidentes geográficos em tupi para ilustrar a história e a miscelânea que formou a população paulista e a língua que usamos, possibilitando uma ampla visão da presença e da influência do imigrante na sociedade brasileira.
Após extensa pesquisa no Arquivo Público do Estado de São Paulo, que possui mais de dois milhões de registros de imigrantes de diversas etnias e nacionalidades, a artista selecionou 390. “Os nomes de imigrantes foram a primeira chave para a elaboração do projeto. Comecei por Gross, de minha família paterna, que aportou por aqui em 1889, e encontrei muitos outros nomes, de variados países, além de datas, navios, cidades e núcleos de destino”, explica a artista. “Os arquivos foram inscritos em um conjunto de placas de ferro esmaltado, destas que sinalizam nomes de ruas e praças, porém de variados tamanhos e cores, distribuídas pela parede e nos degraus da escada de acesso ao espaço expositivo do museu”.
Ao explorar a ligação familiar, a memória afetiva e a realidade desses imigrantes, Carmela mistura nomes, países de origem e a idade com que chegaram ao Brasil com nomes de rios, montanhas, povoados, cidades e bairros que representam o território indígena, pois são escritos em tupi (como Aricanduva, Tiete, Itu, Anhangabaú), e constituem uma referência à língua geral paulista, recorrente no planalto de Piratininga até meados do século XVIII. Essa miscelânea gera uma plataforma deste novo país que se formava, ao mesclar etnias, nacionalidades e línguas. “Os diversos nomes escolhidos são apenas a ala de frente que representa uma multidão.” finaliza.
A convite do museu, curador Felipe Scovino seleciona obras do acervo do MAM que tem relação com a pintura e a usam como suporte
Para aprofundar o conhecimento na produção de Abraham Palatnik, o Museu de Arte Moderna de São Paulo convidou o curador Felipe Scovino para realizar uma exposição com o acervo do MAM que conversasse com a retrospectiva Abraham Palatnik – A Reinvenção da Pintura. Assim, nasce Diálogos com Palatnik, apresentada de 2 de julho a 15 de agosto, na Sala Paulo Figueiredo. Com 39 obras de26 artistas diferentes, a mostra caminha por duas vertentes que são próprias na trajetória desse artista: a capacidade de alargar as propriedades sobre a pintura – e concomitantemente sobre a arte construtiva – e a aplicação da artesania na fabricação das obras, criando um sentido particular sobre o que significa a ideia de inventor nas artes visuais.
“Palatnik afirma que tudo o que faz é pintura. Nos objetos tridimensionais é a luz, a cor e o movimento que o interessam. Também surge a artesania com a reflexão sobre como o signo da pintura pode ser identificado para além de tinta sobre a tela ao adicionar pregos, barbante, adesivos, tecidos, tapeçaria e outros objetos,” explica Scovino. “A forma como cria as obras, que envolve sistemas eletrônicos produzidos de forma caseira – tendo parafusos e motores elétricos como complemento aos pincéis -, transmite a ideia do inventor e da manufatura em Palatnik,” completa o curador.
Se Objetos cinéticos são pinturas no espaço, a artista Leda Catunda articula outra qualidade para a pintura ao pensar o tecido e a espuma como tela na obra Babados (1988), um relevo que usa materiais que não são próprios da pintura para torná-la mais humana. A peça Garrafas (1995), de Emmanuel Nassar, exibe garrafas de vidro, cortiça, arame, pregos e guache sobre madeira, o que a situa entre o construtivismo e o neoplasticismo, pois oferece um mundo particular e real, reunindo elementos como o cinismo, a violência e o improviso. Se em Nassar o improviso chama a atenção, na obra Cheio, vazio (1993), de José Leonilson – um bordado e costura em tecido de algodão-, a forma construtiva aparece cercada de delicadeza e suavidade, sem negar a atmosfera de violência e exclusão que o artista sofreu.
Também há um grupo formado por artistas ligados às pesquisas de tendência construtiva que experimentaram a escultura e a fotografia como elementos. Com seis fotografias presentes na mostra, Geraldo de Barros nunca deixou de registrar, pensar e discursar sobre o mundo como um pintor. “A escolha por determinada perspectiva, o jogo entre luz e sombra, a técnica em permitir que a arquitetura não fosse um anteparo ou cenário para as fotos mas o próprio personagem são atitudes típicas de um artista que tem o pensamento pictórico como lema”, afirma o curador.
Nos casos específicos de Mary Vieira, Sergio Camargo e Willys de Castro, as obras exibidas criam outras possibilidades para a arte cinética sem abdicar de uma complexa engenharia, pois são formadas por uma economia de elementos assim como por uma tecnologia simples e direta. A artista Jac Leirner usa etiquetas adesivas e material gráfico com a logomarca do MAM para criar um jogo visual que relaciona design e estética construtiva, elementos que são caros a Palatnik. As obras de Cem temas, uma variação (2001) equilibram dispersão visual e harmonia por meio de gestos mínimos e precisos.
A exposição possui um núcleo de inventores, seguindo uma espécie de metodologia à la Palatnik. Destacam-se nesse grupo, o coletivo Chelpa Ferro e os artistas Guto Lacaz, Marcelo Silveira e Paulo Nenflidio, com trajetórias que não têm relação direta com as tendências construtivas e tampouco possuem signos geométricos nas obras apresentadas, porém flertam com a manufatura, o apuro técnico e a integração com a tecnologia, além de considerarem uma outra relação com o ateliê, variando entre uma semelhança com uma oficina ou um lugar multifacetado em que predomina o dado meticuloso no exercício da produção manual.
Há ainda obras de artista do calibre de Alfredo Volpi, Aluísio Carvão, Nelson Leirner, Raymundo Colares, José Damasceno, José Spaniol e Sergio Camargo, entre outros. “Desta forma, a mostra exibe uma propriedade que transmite à pintura uma característica de amplitude, confundindo-se com a escultura, o design, o objeto e todo e qualquer suporte. É essa característica de invenção que sempre interessou a Palatnik e que de forma direta ou indireta poderá ser vista no trabalho desses artistas” finaliza Felipe Scovino.
Descobrir a ideia
Paulo Bruscky é artista da ideia. Suas obras nascem registradas como palavra: manuscritas, datilografadas, fotocopiadas, impressas. Só então se transformam em experiências para os cinco sentidos.
Esta exposição reúne projetos e ações do artista. Como ela dura de setembro a dezembro de 2014, certas ações serão contínuas, algumas serão instantâneas e permanecerão como registro, e outras ficarão em trânsito entre o passado e o futuro.
Pode levar anos até que uma instrução manuscrita nos “bancos de ideias” de Paulo Bruscky seja realizada. Estamos aqui dando corpo pela primeira vez a obras selecionadas desses “bancos”, como o filme captado durante o dia 1 de setembro, aqui mesmo, no auditório do museu: até então, fora apenas um projeto; depois, será para sempre um registro daquele dia.
Mas o MAM tem uma instrução de Paulo Bruscky para uma ação contínua em sua coleção. Um dos funcionários do museu cumprirá expediente regular durante todo o tempo da mostra, ao vivo, na sala expositiva. Outras ações acontecerão no parque em que estamos, conforme um calendário, para serem vividas pelo público.
As obras de um terceiro tipo ficam em trânsito: envelopes postados e seus conteúdos. Os papéis contidos foram feitos para circular pelo correio, logo, poderiam ser enviados em novos envelopes a outros destinatários. A arte postal é sem fim.
Paulo Bruscky trabalha enfrentando o desafio do tempo: entre passado, presente e futuro, a ideia resiste ao impermanente.
Felipe Chaimovich
Curador
mal-entendidos é a primeira exposição panorâmica no Brasil de Rivane Neuenschwander (Belo Horizonte, 1967), uma das principais figuras da geração dos anos 1990. A exposição reúne 24 trabalhos e séries feitos desde 1999. O título da mostra aponta os caminhos da exposição. O pequeno Mal-entendido consiste num ovo meio submerso num copo d’água, de maneira que sua parte inferior aparece ampliada pelo vidro que, com o líquido, funciona como uma lente de aumento. O que vemos é a imagem de um ovo fraturada, dupla e desencontrada. Não se trata tanto de um truque ótico, mas de uma demonstração de que mesmo materiais aparentemente transparentes como o vidro e a água podem distorcer nossa boa percepção da realidade. A pergunta é: existe, de fato, uma boa percepção e representação da realidade? Essa é a indagação central de boa parte da arte e da ciência, e atravessa campos como a filosofia, a história, a antropologia, a psicanálise, a linguística, a semiótica, a fotografia. Colocado no plural e em minúsculas, o Mal-entendido entre o ovo, o vidro, a água e o olho humano encobre a exposição como uma névoa, e nos faz refletir sobre o estatuto daquilo que vemos.
A primeira sala é um princípio eloquente: palavras cruzadas com letras esculpidas em laranjas e limões organizadas em arquiteturas labirínticas (Palavras cruzadas/jornal) encontram-se com alfabetos comestíveis compostos em diagramas horizontais, com 26 condimentos e comidas em pó (Alfabeto comestível), e diante de desenhos feitos com máquinas de escrever alteradas de modo a datilografarem apenas números e pontuações (Sanos e alterados). Tudo parece emergir de uma crise da representação e seus códigos, da linguagem e seus alfabetos, e de um desejo de desenvolver alternativas que, ainda que não descartem a grade (seja ela geométrica, arquitetônica, científica ou linguística), passem também pelo erro, o orgânico, o acaso, o afeto, a vida.
A participação do outro—seja o público visitante, um funcionário do museu, ou autores de obras que são incorporados à exposição—é fundamental e traz a dimensão do afeto. As Esculturas involuntárias (atos de fala), as listas de supermercado (em Colheita), os desenhos de máquina de escrever (em Sanos e alterados) e as memórias do Primeiro amor foram dadas ou coletadas pela artista, que agora convida o público a participar da sequência do Primeiro amor, a jogar com Palavras cruzadas/jornal, a disparar sons pisando sobre Quem vem lá sou eu/Alarm-Floor e, por fim, a levar e talvez cuidar da moeda de sal prensado em Monstra Marina.
À medida que se abrem os caminhos de leitura e participação, encontramos múltiplas possibilidades de acesso e de percepção—este é o rumo da exposição. Não há linguagem sem lapso, comunicação sem engano, alfabeto sem lacuna, teoria sem fantasia, memória sem esquecimento. Certamente outros mal-entendidos virão.
Adriano Pedrosa
Curador