A mostra é composta por 38 obras do acervo em diversas técnicas que exploram aspectos da dança e do movimento somada a uma residência da São Paulo Companhia de Dança (SPCD) para criar um universo experimental em que as peças dialogam com o repertório coreográfico, com objetivo de criar uma experiência única que visa a uma maior interação do público com o universo da arte.
Na Grande Sala são expostas as obras selecionadas pelo potencial de envolvimento com os princípios da coreografia como gravidade, desequilíbrio e flutuação. Alguns dos trabalhos selecionados ultrapassam a relação contemplativa com o espectador ao convidarem o público a agir. Os visitantes podem tocar e interagir com algumas das obras, criando situações de movimentação que transformam a mostra em um espaço de intensa interação corporal.
Neste clima, os bailarinos da São Paulo Companhia de Dança realizam duas apresentações, de meia hora de duração cada, em dias determinados, interagindo com as obras e com o público.
Nos períodos de intervalo, exibiremos filmes sobre a produção da São Paulo Companhia de Dança, bem como seus documentários sobre expoentes da dança no Brasil.
Inês Bogéa e Felipe Chaimovich
Curadores
Projeto do artista Wagner Malta Tavares à partir da leitura do poema homônimo de Constatinos Kavafis.
Ao longo da parede pequenas lâmpadas de led de cor incandescente são colocadas a cada 50 cm de distância umas das outras formando numa espécie de régua.
A presença das pessoas muda o funcionamento da peça, pois sempre que alguém começar o caminho as luzes se apagam.
Essa mistura de tempos percorridos faz parte do trabalho pois a nossa relação com o correr do tempo também se modifica com a presença dos outros.
Não se compreende a arte do pós-Segunda Guerra sem a figura incomparável de Piero Manzoni (1933-63) e sua brevíssima trajetória artística. Breve e intensa; ars longa, vita brevis, tal adágio cabe a poucos, como a ele. É o que se percebe hoje, meio século após sua morte. Ao longo de apenas cinco anos, de um lugar até então de pouca influência no contexto artístico europeu, Milão, foi capaz de irradiar, com sua presença e influência, um inédito movimento transformador e inovador. Manzoni não só criou uma obra polêmica, mas também fundou revista e galeria, participou de grupos e movimentos, escreveu manifestos e textos teóricos, cartas para artistas e galeristas, envolvendo uma grande rede de contatos e redesenhando a geografia artística europeia. Revive, assim, o espírito de uma vanguarda pan-europeia radical e experimental. Contra a inércia do passado e as contrafações do presente, pretendia retomar o fio da radicalidade artística europeia, tão desgastada por duas guerras, e reencontrar um solo comum que reunisse as tendências inovadoras que estavam em curso.
Manzoni tem a inventividade e a irreverência de um jovem, coisa ainda rara na Europa daqueles anos. É o típico artista/agitador/agregador das vanguardas históricas do início do século cuja figura retoma, em ação incansável e frenética, característica que manteve até o fim da vida. Foi provavelmente um dos últimos, senão o último, a representar esse papel na vida artística europeia. Seus trabalhos são claros, simples, afirmativos, inequívocos. A começar pela clareza do branco dos Achromes que tudo rejeita; toda ambiguidade e indefinição. Do mesmo modo, são os materiais que viria a usar – até mesmo a merda tem sua clareza. Merda d’Artista (1961) fez a fama de Manzoni. É, para ele, o que Fountain [Fonte] foi para Duchamp. Tornou-se o trabalho “assinatura”, indissociável de sua pessoa, a marca de sua personalidade artística e é, certamente, a obra de arte mais polêmica desde o pós-guerra.
Achrome (1957-63), Linea [Linha] (1959), Uovo [Ovo] (1960), Fiato d’Artista [Sopro de artista] (1960), Merda d’Artista (1961), Scultura vivente [Escultura viva] (1961), Base magica/Scultura vivente [Base mágica/Escultura viva] (1961), Socle du monde [Base do mundo] (1961), obras de sua fase “clássica”, formam uma sucessão lógica, ininterrupta e coerente, radical e poética, que poucos artistas podem reivindicar.
Sua morte precoce, além de transformá-lo em um dos maiores mitos da arte contemporânea, lança uma pergunta: para onde iria, se não tivesse morrido aos 29 anos? Manzoni traz para as novas gerações, antes de tudo, a marca de uma arte de espírito e audácia, com a exuberância e desprendimento da juventude, provocativa, mas feita com o rigor e a coerência de um jovem, que morreu jovem. Quanto mais se pensa a arte como atividade intelectual, como cosa mentale, mas também indissociável de uma prática histórica radical, o nome de Manzoni ressurge e se reafirma como um dos mais originais e influentes do século XX.
Paulo Venâncio Filho
Curador
Como o mundo aparece para nós? Por um lado, as obras de paisagem representam diversos lugares. Por outro, cada artista também se posiciona ao criar uma paisagem, pois figura um local a partir de seu ponto de vista. A paisagem mostra o encontro do artista com o mundo percebido por ele.
Entretanto, as obras de paisagem podem ser consideradas meros reflexos, como se a subjetividade do artista não fizesse parte de sua obra. Nas paisagens em perspectiva, nas fotos e nos filmes, temos a ilusão de ver diretamente a realidade, como se uma janela se abrisse para o mundo: esquecemos o enquadramento artificial e o ponto de vista escolhido.
Para romper com o ilusionismo da paisagem, vários artistas abandonaram as construções em perspectiva e as imagens fotográficas com profundidade visual para explorarem imagens planas. Em vez de janelas, aproximam-se dos mapas, evidenciando a artificialidade das próprias obras. Nesse sentido, os lugares são figurados em primeiro plano, não havendo uma fuga do olhar para o horizonte ao longe: a visão passeia apenas pela superfície opaca.
Reunimos aqui obras da coleção do MAM que exploram a paisagem no primeiro plano, revelando a subjetividade de cada artista na construção de sua visão de mundo. Essas peças se abrem ao mesmo tempo para fora e para dentro, mostrando que olhar o mundo é uma forma de se posicionar nele.
Felipe Chaimovich
Curador
Um dos férteis caminhos para se pensar a formação da arte moderna no Brasil é uma metáfora geológica. Imaginemos um arquipélago em formação, com ilhas de diferentes altitudes, umas mais elevadas, outras menos. Estamos bem antes de um território contínuo, de um continente, como veremos se formar a partir dos anos 1950, com a assimilação das linguagens construtivas do segundo pós-guerra, no qual as linguagens das obras promovem um intenso diálogo entre si, independentemente das relações pessoais entre os artistas.
A ideia do arquipélago vem do caráter idiossincrático das linguagens exploradas, já modernas, que, entretanto, não conversam umas com as outras, cada uma buscando seu próprio caminho. Poderíamos pensar o início da formação desse arquipélago com algumas ilhas já decididamente modernas, por exemplo, Almeida Júnior (1851-1899), Castagneto (1851-1900), Eliseu Visconti (1866-1944), essas ilhas irão se multiplicar com Anita Malfatti (1889-1964), Tarsila do Amaral (1886-1973), Lasar Segall (1891-1957), Goeldi (1895-1961), Di Cavalcanti (1897-1976), Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), Ismael Nery (1900-1934), Pancetti (1902-1958), Candido Portinari (1903-1962), Cícero Dias (1907-2003), entre tantos outros. Para o impulso multiplicador, teve papel importante, entre outros fatores, uma vontade de ser moderna, que aflige a cultura brasileira ao longo das primeiras décadas do século passado e se consubstancia na Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. Trata-se, agora, não só de experiências modernas isoladas – como os romances de Machado de Assis e Lima Barreto, ou a poesia dos simbolistas Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens –, mas também de uma atitude de combate sistemático, conduzida por artistas, escritores e intelectuais, contra os valores acadêmicos que ofereciam obstáculo à modernidade. Entre as ilhas modernas desse arquipélago, encontra-se uma de elevada altitude: a obra de Alberto da Veiga Guignard (Nova Friburgo, RJ, 1896 – Belo Horizonte, MG, 1962).
O lirismo de Guignard é único em nossa modernidade. As paisagens e festas que muitas vezes fazem flutuar – numa atmosfera azul acinzentado, às vezes muito escuro – edificações, casas, igrejas, junto a balões, parecem expor uma fenomenologia do aparecimento, tal como os desenhos e monotipias de Mira Schendel, e as pinturas de Rothko. É como se a arte flagrasse o momento em que as coisas surgem, antes mesmo de encontrarem seu lugar definitivo em um terreno. Os retratos de Guignard, juntamente com as paisagens, são outros capítulos privilegiados da obra do artista.
Seriam muitos os retratos em que poderíamos nos deter, mas os autorretratos, perseguidamente realizados ao longo de décadas, apontam para o lábio leporino que, segundo seus biógrafos, interferiu decisivamente em sua existência, particularmente, na vida amorosa. Mas, surpreendentemente, não se intrometeu na vida do educador. Guignard foi um grande formador de artistas, utilizando-se de gestos e da voz deformada pela deficiência; era capaz de ensinar e, de suas escolas, saíram grandes artistas, antes no Rio de Janeiro e, particularmente, na experiência desenvolvida em Belo Horizonte, a partir de 1944, convidado pelo prefeito Juscelino Kubitschek. Das lições de Guignard, é preciso lembrar aquelas do desenho, recordadas por um dos nossos maiores artistas, seu discípulo Amilcar de Castro, sobre o uso do lápis duro, o grafite seco que não permitia correções. Errou, tem que assumir. E, segundo Amilcar, do desenho ensinado por Guignard, deriva toda sua obra escultórica. Não é pouco.
Diz-se que sua obra é decorativa; Matisse também foi um grande revolucionário decorativo. Agradar aos olhos, hoje, pode ser um pecado, mas, quando uma grande obra se emancipa na modernidade, trazendo prazer à contemplação, e apresenta, com ela, momentos de reflexão junto com o prazer de olhar, é tudo de que precisamos. Aqui, ela está apresentada, com momentos de alguns de seus contemporâneos. Espera-se que o prazer de olhar seja acompanhado pelo gozo do pensar.
Paulo Sergio Duarte
Curador
Para ocupar o Projeto Parede do segundo semestre de 2015, o MAM convidou o artista Walmor Corrêa que apresenta a obra Metamorfoses e Heterogonia, feita especialmente para o corredor de acesso entre o saguão de entrada e a Grande Sala do museu.
Metamorfoses e Heterogonia parte de um estudo de anotações sobre a fauna e flora brasileiras encontradas em cartas escritas pelo padre José de Anchieta (1534-1597), que identificavam espécies de pássaros inexistentes, cuja preciosa descrição refletia o pioneirismo da observação de Anchieta, que era um exímio pesquisador. Ao invés de censurar os equívocos, Walmor Corrêa propõe um desdobramento imersivo, dando a eles sustentação. “Desta forma, crio seres empalhados e dioramas que atestam as descrições do século XVI, com pássaros que se alimentam de orvalho e outros que são ratos com asas”, descreve o artista. A obra constitui um recorte fictício de um museu de história natural e, ao mesmo tempo, dá embasamento sobre a história real dos jesuítas no Brasil ao reproduzir o caminho percorrido por Anchieta no estado de São Paulo.
A produção do artista destaca-se pela profunda pesquisa sobre temas históricos e científicos e envolve o olhar do estrangeiro (através de cartas ou desenhos) sobre o novo mundo. Assim, Walmor aproxima a relação entre arte e ciência e atribui verossimilhança às narrativas fantásticas em solo brasileiro. Com diferentes técnicas e linguagens como desenhos, dioramas, animais empalhados e emulações de enciclopédias, cartazes e documentos, Corrêa recria histórias que vão dos mitos populares brasileiros (como Curupira e sereias) até os relatos dos primeiros naturalistas viajantes dos trópicos.
Para o MAM, o projeto consiste numa interferência arquitetônica que dá acesso a um novo setor fictício dentro do museu sob o termo Setor de Taxidermia. Na sequência, é encontrado um grande diorama que representa o mapa do estado de São Paulo, com destaque para o planalto, a serra e o litoral sul – locais por onde os jesuítas passaram, e que registra, sobretudo, o caminho por onde o Padre José de Anchieta passou e, possivelmente, encontrou os animais descritos e resignificados pelo artista.
O mapa conta com cerca de 15 animais empalhados dispostos sobre as possíveis áreas de localização, confeccionados pelo artista por processo de metamorfose, unindo cabeças de roedores a corpos de aves. É importante frisar que nenhum animal foi sacrificado para a obra. Os corpos dos bichos estrangeiros foram comprados em lojas autorizadas para este fim.
“No mês de outubro, o MAM apresenta o 34º Panorama da Arte Brasileira que dá destaque a artefatos arqueológicos pré-coloniais cujos significados são enigmáticos e referências históricas. Para criar um diálogo maior entre as mostras, o MAM nos pediu a indicação de artistas para ocuparem o corredor. Pensando nisso, é fortuito que tal projeto prepare uma zona indistinta entre ciência e arte, pesquisa e narrativa, história e ficção, e o trabalho do Walmor Corrêa oferece uma relação tênue com a exposição de outubro”, afirma Paulo Miyada, um dos curadores ao lado de Aracy Amaral.
Como dialogar sobre o Panorama da Arte Brasileira de hoje e ontem sem cair, mais uma vez, nos mesmos impasses, nas mesmas relativizações? Como, por outro lado, enfatizar os dias de hoje sem ignorar a parcela da arte que se esfacela pelas urgências de um mundo entregue ao consumo e ao espetáculo imediato? Esta exposição oferece a tais perguntas um novo conjunto de enigmas sobre os quais podemos refletir. E discutir. Ela possui uma dupla missão: primeiro, destacar uma parcela da história brasileira pouco conhecida tanto pelo grande público quanto por artistas e pesquisadores: uma seleção significativa de esculturas em pedra polida, primeiras manifestações tridimensionais de que se tem notícia, produzidas aproximadamente entre 4000 e 1000 a.C., encontradas em território que se estende no que hoje é o sudeste meridional do Brasil até a costa do Uruguai. Depois, apresentar um diálogo/provocação, na medida em que essas peças podem motivar as obras produzidas por artistas contemporâneos convidados a contrapor-se a esse imaginário, de acordo com suas próprias personalidades, pesquisas e meios.
Em meio ao universo caótico de nossa realidade, à parte a violenta história de dominações e colonialismos que vivenciamos, emergem essas poderosas pequenas esculturas cujos sentidos originais se perderam, assim como os povos que as produziram: os chamados povos sambaquieiros, que habitaram a costa de uma parte do território em que hoje vivemos – de uma forma que adivinhamos ter sido mais harmoniosa e perene que a atual. Deixaram como vestígios inúmeros sambaquis (nomeação de origem tupi que significa literalmente “monte de conchas”) que marcam a paisagem e guardam, sob as areias, fragmentos e matérias acumulados ao longo de milhares de anos. Deixaram também essas esculturas, que os arqueólogos interpretam como elementos de alguma sorte de rituais e que nos assombram pela síntese formal, pela inventividade dos volumes e pela beleza simples que aprendemos a enxergar com a arte dos princípios do século XX e também com as curvas abauladas da natureza (o ovo, o seixo rolado, a duna de areia, o ventre grávido).
Tais “brasileiros de antes do Brasil” merecem estar em nossa história da cultura e da arte, seja por sua flagrante atenção pela natureza e pelo que os rodeava, seja pela qualidade única e enigmática de suas esculturas. É neste mistério profundamente enraizado na terra e no território que este Panorama vai se envolver. É isso que compartilhamos com os convidados Berna Reale, Cao Guimarães, Cildo Meireles, Erika Verzutti, Miguel Rio Branco e Pitágoras Lopes – artistas de gerações diferentes, vindos de regiões várias e identificados com pesquisas artísticas contrastantes entre si, que foram instados a produzir novos trabalhos que refletissem o Brasil de hoje, quiçá inspirados no de ontem, no que ele tem de inapreensível enquanto conceito, assim como telúrico enquanto presença.
Trata-se de proposições artísticas fortes, pregnantes, dissonantes até. Cada artista constrói uma ambiência com suas obras, sejam elas vídeos, esculturas, fotos, pinturas, instalações ou projetos. Paralelamente, as esculturas pré-históricas apresentam-se com doses igualmente surpreendentes de coesão e variedade. Tempos e espaços chocam-se, enquanto especificidades locais, e tendências globalizantes se confundem. É um enigma de origens e, ao mesmo tempo, de impacto perante o estado da visualidade de nossos dias. Mas, por que não também uma outra forma de ver o panorama da arte brasileira?
Aracy Amaral
Curadora
Paulo Miyada
Curador adjunto
prof. André Prous
Consultoria especial
Artistas: Berna Reale | Cao Guimarães | Cildo Meireles | Erika Verzutti | Miguel Rio Branco | Pitágoras Lopes
Performance, vídeo e poesia são os meios mais explorados por Luísa Nóbrega. A artista nascida em São Paulo e graduada em filosofia dedica-se a desenvolver trabalhos que envolvem uma vivência radical. Ela optou por não ter domicílio fixo e morar na casa de amigos ou nos espaços que lhe forem oferecidos por algum programa de residência artística, no Brasil ou em qualquer lugar do mundo.
Luísa Nóbrega ocupa o corredor de ligação do MAM com a audioinstalação dias úteis. A obra é fruto da edição de arquivos de áudio que a artista gravou ao longo de cinco dias, cada qual passado dentro de uma linha do metrô paulistano, da hora da abertura à do encerramento das atividades.
Camadas de sons se sobrepõem, tendo como fundo o ruído contínuo do deslizar do trem sobre os trilhos. Na massa sonora da cidade, que as pessoas parecem não ouvir, Luísa Nóbrega colhe momentos de poesia que surpreendem o público do Projeto Parede.