O Museu de Arte Moderna de São Paulo celebra os seus setenta anos com uma exposição que destaca os valores fundamentais da instituição. Desde o início, o MAM buscou formar uma coleção por meio de mostras prospectivas, desenvolver uma prática pedagógica, expandir o campo da fotografia como arte e antecipar os rumos das tendências artísticas futuras. Agora, revisitamos esses quatro princípios para olharmos adiante, a partir de uma história já consolidada no Brasil e no exterior.
A trajetória do MAM evidencia também a fertilidade de suas bases, que deram origem a instituições como o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Fundado em 1963, o MAC USP recebeu a coleção formada no MAM e manteve os seus valores seminais. Assim, unimos ambos os museus nesta exposição comemorativa, indicando uma irmandade entre as instituições e o compartilhamento de uma mesma origem.
A mostra está organizada em duas partes. Na Sala Paulo Figueiredo estão obras colecionadas durante o período inicial do MAM, entre 1949 e 1963. Na Grande Sala, encontram-se obras das coleções do MAM e do MAC USP adquiridas após essa data. Conectando ambas as salas, uma linha do tempo circunstancia essa história.
Em cada uma das salas, os mesmos quatro valores norteiam os núcleos expositivos:
1- Formação de coleção a partir de mostras prospectivas
A Sala Paulo Figueiredo mostra obras adquiridas por ocasião das Bienais de São Paulo, evento criado pelo MAM em 1951; na Grande Sala estão dispostas obras provenientes dos Panoramas da Arte Brasileira do MAM e, da parte do MAC USP, obras provenientes da Jovem Gravura Nacional, do Jovem Desenho Nacional, da Jovem Arte Contemporânea e de programas recentes de aquisição.
2- Missão pedagógica
Na Sala Paulo Figueiredo são exibidas reproduções coloridas utilizadas em mostras didáticas realizadas na Biblioteca Municipal de São Paulo em colaboração com o MAM, entre o final dos anos 1940 e a década de 1950; na fachada do MAM está exposta a obra O museu é uma escola, de Luis Camnitzer, adquirida por ocasião da mostra comemorativa dos vinte anos do setor educativo do museu, em 2016.
3- Expansão da fotografia como arte
A Sala Paulo Figueiredo traz registros da exposição de Thomaz Farkas, de 1949, a primeira dedicada à fotografia moderna num museu brasileiro, enquanto na Sala Milú Villela estão reunidas obras fotográficas de ambos os museus, com destaque para o Clube de Colecionadores de Fotografia do MAM.
4- Desafio do contemporâneo
A Sala Paulo Figueiredo apresenta obras que participaram da mostra inaugural do MAM, Do figurativismo ao abstracionismo, que propunha um diagnóstico do desenvolvimento da arte moderna rumo à abstração; na Sala Milú Villela estão obras das exposições Multimedia, realizadas pelo MAC USP em 1976, que tiveram um papel pioneiro no acolhimento de produções experimentais em museus brasileiros, seguidas por obras da mostra Ecológica, realizada pelo MAM em 2010, que explicita a linha que o museu vem desenvolvendo nos últimos dez anos para enfrentar os desafios da relação entre arte e ecologia, pois entendemos ser essa uma área de fronteira que traz desafios mundiais urgentes para a cultura contemporânea.
E que venham os próximos setenta!
Ana Magalhães (MAC USP)
Felipe Chaimovich (MAM)
Helouise Costa (MAC USP)
Curadores
Esta obra de Gustavo Rezende multiplica personagens em situação de vigilância e de confronto físico. Dentre as figuras, repete-se com frequência a silhueta do próprio artista. Ele tem trabalhado o autorretrato ao longo de sua produção, colocando-se em diferentes contextos. Neste friso projetado para o Projeto Parede, a referência a si mesmo é acrescida de outros sujeitos, criando-se uma sequência de homens assemelhados, mas que se distinguem claramente pela posição de vigilante, de agressor ou de vítima. Para enfatizar a diferença de poder entre as partes, surgem também cavalos que colocam os vigilantes em posição superior. O conjunto se organiza como uma paisagem, com grupos distribuídos de forma irregular, criando alturas diversas que representam elementos mais à frente ou mais distantes; mas, a cor neutra de fundo e a ausência de relevo ou de vegetação impedem que identifiquemos o local da ação: afinal se trata de um festival, de uma batalha campal, ou de uma manifestação?
Por um lado, a repetição de personagens sem rosto definido sugere que os diferentes papéis no confronto violento são lados diversos da mesma pessoa: o vigilante, o repressor e a vítima estão todos dentro de nós. Por outro lado, essa repetição indica uma distribuição homogênea de tais posturas na sociedade: vivemos de tal modo imersos em violência, que já não diferenciamos mais os lados em conflito. Como elemento unificador, Gustavo Rezende utiliza a fita crepe, que cria uma textura e uma cor únicas para toda a composição, ao mesmo tempo em que anula os detalhes das feições e tira a individualidade dos personagens.
This work by Gustavo Rezende multiplies characters in a state of vigilance and physical confrontation. The silhouette of the artist himself frequently recurs among the figures. He has worked on the self-portrait throughout his production, placing it in different contexts. In this frieze designed for the Projeto Parede [Wall Project], the reference to himself is reinforced by other subjects, creating a sequence of similar men, but who are clearly distinguished by their status as watchman, aggressor or victim. To emphasize the difference in the power of the parties, horses also appear which place the watchmen on a higher level. The whole is arranged as a landscape, with groups distributed irregularly, creating different heights which represent closer or more distant elements; but the neutral color of the background and the lack of relief or vegetation prevents us from identifying the location of the action: in the end, is this a festival, a battlefield or a protest?
On the one hand, the repetition of characters without clearly defined faces suggests that the different roles in the violent confrontation are different aspects of the same person: the watchman, the repressor and the victim are all contained within us. On the other hand, this repetition suggests a homogenous distribution of these positions in society: we live so immersed in violence that we can no longer differentiate the sides of the conflict. As a unifying element, Gustavo Rezende uses crepe tape, which creates a single texture and color for the whole composition, at the same time as it obliterates the details of the features and nullifies the individuality of the characters.
Felipe Chaimovich
Curadora
Após ser restaurada, a Aranha (1996), de Louise Bourgeois, está prestes a voltar para a sala de vidro feita para sua exibição há quase vinte anos. Quando presente, ela parece observar a Marquise e sua amplitude de territórios e usos. No extremo do edifício concedido pela Prefeitura de São Paulo para o MAM, essa escultura permite pensar como a vizinhança do museu com o vão livre, onde acontece uma das mais expressivas e espontâneas manifestações culturais, esportivas e políticas da cidade, pode informar e desafiar a identidade do museu.
É da natureza da Aranha costurar teias. Para tanto, precisa de quase nada, apenas a garantia de trânsito. No intervalo entre a instituição e a praça pública, a despeito dos binarismos, das barreiras físicas e dos hábitos que separam dentro e fora, vale identificar possibilidades de movimento, cooperação e aprendizado tanto mútuos como coletivos.
Enquanto o MAM aguarda a volta da obra de Bourgeois, esta mostra se inspira em sua metáfora de conexão. Um conjunto de obras do acervo do museu nesta Sala Paulo Figueiredo se articula com uma agenda de performances, oficinas e shows na Marquise, dentro da programação do Domingo MAM, realizado pelo Educativo desde 2013. Por meio de uma intervenção artística, que se manifesta também como arquitetura e linguagem gráfica, O Grupo Inteiro criou peças móveis que remontam às diferentes vocações desse espaço. O pavilhão onde o MAM funciona desde 1969 já foi um Museu de Cera (1954) e um Rinque de Patinação (1955). Hoje, tem duas galerias para exposições. Esta sala, em específico, pode ser experimentada, durante o tempo da mostra, também como remanso, palco, pista, arena circular, em suas interfaces com o entorno.
Entre a história e o presente, as perspectivas e processos de agentes criativos e públicos convidados a colaborar, entre o que é dado de partida e o que cada um pode trazer consigo, o meio é um lugar de desejo não destituído de sobreposições e disputas. Aqui, ali ou em qualquer parte onde convenha tecer, se os nós não impedirem a trama, eles poderão vir a ser elos de escuta, respeito, responsabilidade, empatia e pertencimento.
Ana Maria Maia
(em conversa com Educativo MAM e O Grupo Inteiro)
Playlists
Coube e ainda cabe a essa rede de agentes interpretar desde o seu ponto de vista os legados do museu e do seu acervo, assim como imaginar futuros possíveis. Parte desse exercício que alimentou a mostra foi registrado em playlists de áudio, especialmente feitas para o lançamento:
O que vemos
O que imaginamos
O que escutamos
Artistas: Alessandra Leão | Amelia Toledo | Beyhive | Break Ibira | Cinthia Marcelle | Claudio Tozzi | Coletiva Ocupação | Explode! | Falves Silva | Flávio de Carvalho | Georgete Melhem | Guilherme Peters | Henrique Fuhro | House of Zion | Ione Saldanha | Ivens Machado | Jorge Menna Barreto | Josefa Pereira e Patrícia Bergantin | Laura Lima | Lenora de Barros | Manuk Poladian | Mário Ishikawa | Maureen Bisilliat | MC Delacroix | Micrópolis e Ariana Miliorini | Mídia Ninja | Mônica Nador | Nair Benedicto | Nenê da Vila Matilde | O Grupo Inteiro | Otto Stupakoff | Paulo Nazareth | Revista On/Off | Rosana Paulino | Siron Franco | Vilma Slomp | Waldeny Elias
Ao programar esta exposição, o Museu de Arte Moderna de São Paulo e este curador pensaram sobretudo nos jovens que se interessam por arte, nos professores e no grande público que ainda não tinha contato com a obra de Ismael Nery (1900-1934). Não é uma exposição para especialistas, embora esses possam ter o prazer de revisitar trabalhos já conhecidos. É uma exposição em que se revela um artista que, na sua época, teve a coragem de caminhar sozinho, descobrir-se e procurar um olhar que estivesse absolutamente sincronizado com o seu tempo, mas – incrível – não com os intelectuais de seu país.
Em um momento em que era moda intelectual ser materialista e mesmo anticlerical, o homem que se dizia católico e professava sua fé em discussões filosóficas, na sua casa e na casa de amigos no Rio de Janeiro, era um dândi narcisista. Assim como a de sua mulher, sua beleza física evidente e muito impositiva, aliada à sua habilidade intelectual de polemista nas rodas de discussões, contribuía para elevar sua vaidade. Basta lembrar a quantidade de autorretratos – e autorretratos com Adalgisa. Era exímio dançarino e, na época, era o que chamamos hoje de “um artista performático”. A questão de gênero não estava ausente na sua corajosa produção: figuras andróginas atravessam toda a sua obra, assim como a relação entre o feminino e o masculino.
Agora vamos às obras. Os grupos estão divididos por gêneros: os nus, as figuras, os retratos e autorretratos, as danças, os cenários, as obras surrealistas – estas pioneiras do gênero no Brasil, junto com as de Cícero Dias (1907-2003). É apenas uma das formas de se mostrar e examinar as pinturas e os desenhos. Antes, o que ressalta aos olhos? Evidentemente, as pequenas dimensões da maioria desses trabalhos. Essa escala muito íntima demonstra um certo desprezo pelo mundo no qual a arte irá circular enquanto mercadoria. A maior parte deles não admite nenhuma distância, tem de ser vista de muito perto – para cada trabalho, um olhar.
Paulo Sergio Duarte
curador
Sinais/Signals apresenta uma extensa seleção de trabalhos de Mira Schendel (1919-1988) dos quais emergem os elementos que tanto caracterizam a natureza singular da obra gráfica da artista: linhas, palavras, letras, rabiscos, traços, números, frases e muito mais. Sem ser um resumo ou retrospectiva, esta exposição pretende reunir uma vasta região da obra em que se manifestam tais aparições, especialmente os trabalhos que Mira chamou de Monotipias, Toquinhos e Objetos gráficos, séries nas quais ela explora a presença de um sinal gráfico inesperado, imprevisível, único. Sinais que surgem da superfície discreta, que pode ser tanto o papel-arroz quanto o acrílico, e subitamente irrompem como manifestações de uma pura presença, casual ou impositiva, vaga ou agressiva, evanescente ou contundente, pulsar gráfico sem começo ou fim.
Mira encontrou, sobretudo no espaço retangular do papel-arroz das Monotipias, um lugar privilegiado ao qual se voltou milhares de vezes para aí imprimir inúmeros e variados sinais. Sinais/Signals busca apresentar, senão tentar desvelar, por meio de um conjunto expressivo de trabalhos, a extensão provável desse procedimento único, bem como a sua frequência, intensidade, valor, peso etc., como uma manifestação ao mesmo tempo casual, hermética, simples, sofisticada, única e repetitiva, na qual cada uma dessas oposições aparentemente contraditórias emergem continuamente em constante e delicada suspensão. Contradições que o trabalho dissolve no longo percurso de seu próprio processo e resultado, que, a rigor, não teria fim – assim como também é difícil estabelecer um começo. Toda essa extensão alcançada com os mais simples meios gráficos (pode existir algo mais simples que uma linha, um ponto ou uma letra?) constitui uma estrutura sígnica variável, aberta, inconstante, flexível, em contínua e infinita expansão; algo que poderia se chamar “tabela periódica dos sinais de Mira Schendel”.
Ao reunir o presente conjunto de obras, que Mira incessantemente produziu durante décadas, esta exposição busca seguir de trabalho em trabalho a inquieta multiplicidade desses sinais e se aproximar da totalidade do espírito poético que manifestam.
Paulo Venancio Filho
curador
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O advento da fotografia propiciou agilidade e precisão à documentação de lugares, eventos e pessoas; consequência direta foi a conquista de maior autonomia dos artistas no aprofundamento de questões plásticas. Um desdobramento desse processo foi o afastamento do mundo natural como referência e um mergulho nas cores, pinceladas, formas e aspectos essenciais das estruturas dos objetos.
No Brasil do final dos anos 1940, surgem os primeiros trabalhos de arte abstrata. A eles se opuseram, em prol da arte figurativa, pintores e críticos estabelecidos que, além de desapreço estético, denunciavam-lhes falta de brasilidade e afastamento da geografia e da sociedade locais.
Os artistas abstratos no Brasil estiveram, inicialmente, aliados contra o figurativismo, mas, após minimamente estabelecidos, subdividiram-se em duas linhas: a abstração informal e a abstração geométrica.
A abstração informal caracteriza-se pela expressão de gestos do artista, seja com os materiais da pintura ou da escultura; como resultado, o estilo de cada artista torna-se muito singular. A abstração geométrica, por outro lado, parte de princípios universais da matemática e da geometria, criando o que seria percebido como uma identidade mais coletiva.
Os artistas que praticaram a abstração informal no Brasil não constituíram grupos permanentes, pois a singularidade do estilo de cada qual se impunha sobre princípios gerais. Assim, não há uma escola da abstração informal, ao contrário da geométrica, que levou à formação de grupos como o Ruptura, o Frente e o Neoconcreto. Da mesma forma, nas décadas de 1950 e 1960, foram muito poucos os críticos de arte que, como Sérgio Milliet e Antônio Bento, representassem os artistas informais, embora houvesse aqueles que defendessem a abstração geométrica e acusassem a abstração informal de excessivo subjetivismo.
Entretanto, a abstração informal semeou no Brasil um extenso campo de arte gestual e da exploração da matéria da obra de arte. Ao reunirmos duas das coleções mais importantes do Brasil, a do Museu de Arte Moderna de São Paulo e a do Instituto Casa Roberto Marinho, exibimos a permanência e a potência da abstração informal ao longo das últimas oito décadas. Os trabalhos expostos testemunham a coerência dos artistas e de seus estilos singulares, a radicalidade na exploração da matéria artística e o lirismo visual de suas composições.
Esta exposição marca o início da parceria entre o MAM e o Instituto Casa Roberto Marinho, do Rio de Janeiro, que estará aberto ao público a partir de março de 2018. Convidamos você a se reencontrar com oito décadas de nossa abstração informal.
Felipe Chaimovich e Lauro Cavalcanti
\ Corpo Parede /
Corpo estático e imobilidade solene.
“Aqui, neste mundo, tudo cai. Quando se anda, se cai de um pé para outro.”
Paul Virilio
CORPO PAREDE coloca o corpo humano em contato direto com a parede do museu valendo-se da presença de estruturas de madeira organizadas seguindo um desenho predefinido. O público é convidado a se apoiar nessas estruturas e experimentar as possibilidades de posições sugeridas por cada conjunto.
O desenho das estruturas de madeira se vale do interesse pelo ritmo da linha dos movimentos do corpo. A linha representa fluidez e oferece limites que não respondem a critérios de precisão mas obedecem a um desenho espacial associado a frontalidade e à própria condição do espaço do corredor do MAM.
Ana Mazzei
Artista
A sede do MAM está temporariamente fechada em virtude da reforma da marquise do Parque Ibirapuera.
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