A imagem da seca é compreendida como parte da identidade da região Nordeste do Brasil, algo que supostamente não diz respeito apenas ao clima, e que cria narrativas, imaginários coletivos, políticas públicas e grandes obras. Esta representação está diretamente ligada, por exemplo, à criação de programas, campanhas e instituições como o DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas).
Açudes, canais, represas, barreiras, paredes são consequência de parte destas narrativas da seca e produzem uma alteração na paisagem natural. Sua justificativa geralmente se dá pela diminuição das desigualdades, embora muitas vezes ampliem a noção de injustiça.
Como compreender que alguém não possa ter acesso à água de um canal construído com o discurso de levar água para esse alguém? Ao mesmo tempo, como podemos intervir e pensar uma política hídrica sustentável considerando a concentração de pessoas em grandes cidades?
*Como parte deste trabalho será publicado na Wikipédia o verbete “injustiça hídrica” durante o período da exposição.
Vitor Cesar e Enrico Rocha
Artistas
Sertão é palavra de origem desconhecida. Na língua portuguesa, há registros de sua existência desde o século XV. Quando aqui aportaram, os colonizadores já trouxeram consigo o termo, usando-o para designar o território vasto e interior, que não podia ser percebido da costa. Desde então, a esse vocábulo atribuem-se diversos sentidos, sem nunca ser fixado numa ideia pacificada. É constituído, inclusive, por oposições: pode referir-se à floresta e ao descampado, ao lugar deserto e também ao povoado, àquilo que é próximo e ermo. Qualifica o visível e o desconhecido, trata da aridez e da fertilidade, do inculto e do cultivado.
Ainda que tenha chegado ao Brasil na caravela, sertão não cessa de se insurgir contra o colonialismo e de escapar de seus desígnios. Mantém sua potência de invenção, não se rende aos monopólios dos saberes patriarcais, exige novos pactos sociais, desierarquiza sua relação com a natureza, reverencia o mistério, festeja. Sertão é, antes e depois de tudo, experimentação e resistência, qualidades fundamentais para viver a arte e que nos trazem a este 36º Panorama da Arte Brasileira.
No Brasil que pleiteava sua modernização, no início do século XX, sertão passou a referir-se, sobretudo, à região do Nordeste de clima semiárido, ilustrada por sua vegetação de caatinga, em oposição ao litoral. Nesse momento, reforça-se o projeto de um lugar seco, primitivo, rude, propagandeando um outro na iminência do flagelo. Forja-se, dessa maneira, uma condição de submissão que justificaria políticas assistencialistas, mas sobretudo a atualização de medidas de exploração. Suas imagens estão presentes por toda a cultura brasileira, ainda que nenhuma delas dê conta de tudo o que pode significar.
Contrariando determinismos, e sob a luz de uma certa produção de arte do Brasil, Sertão é modo de pensar e de agir. Termo evocativo, traz consigo afetos transformadores, formas políticas, ideais de criação, memórias de luta, rituais de cura, ficções de futuro. Esta arte-sertão que aqui se apresenta está no deslizar das linguagens. Mais que um lugar, essa condição sertão é a travessia. Espalha-se Brasil afora, está no manejo do roçado, supera-se na viela da favela, desce pelo leito do rio, está escrita nos muros da cidade e presente na terra retomada. Manifesta-se nos encontros e nos conflitos.
No 36º Panorama da Arte Brasileira, 29 artistas e coletivos reúnem-se para compartilhar estratégias de resistência e modelos de experimentação, a partir de suas histórias. Se sertão está no limite do que se pode apreender, por definição, a ideia de panorama é complementar na forma de sua contradição. A importância de juntar essas instâncias e acolher essas oposições, no entanto, se dá pela necessidade cada dia mais atual de defender existências não hegemônicas e de compartilhar outros modos de vida. Enquanto a arte puder afirmar sua condição sertão, vai ter sempre luta, vai haver sempre a diferença, vai existir sempre o novo.
Júlia Rebouças
Curadora
50 anos de Panorama
O Panorama da Arte Brasileira teve sua primeira edição em 1969 e foi idealizado como forma de o museu recompor seu acervo e voltar a participar ativamente do circuito artístico contemporâneo. A princípio evento anual, o Panorama passou a ser realizado a cada dois anos a partir de 1995, contando até o momento 35 edições.
Parcerias
O 36º Panorama da Arte Brasileira: Sertão procurou ampliar seu tempo e espaço de atuação por meio de parcerias estratégicas: com a Festa Literária Internacional de Paraty, serão promovidas duas mesas de debate convidando um participante da Flip e um participante do Panorama, com a mediação de Júlia Rebouças e Fernanda Diamant, curadora da 17ª edição da Flip; com o Auditório Ibirapuera, vizinho do museu, foi organizada uma programação musical a partir dos conceitos trabalhados no Panorama para o dia 18/08, dia seguinte à abertura no MAM; e, com a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, novos debates acontecerão em setembro e outubro, promovendo o encontro entre artistas, psicanalistas e o público.
Irmãos Campana na loja mam
O estúdio Campana, dos irmãos Fernando e Humberto Campana, que celebra em 2019 seus 35 anos de trabalho, ficará a cargo da curadoria da loja mam durante o período do Panorama, com o patrocínio do Iguatemi São Paulo. O trabalho dos Campana incorpora a ideia da transformação, reinvenção e integração entre o artesanato e a produção em massa, oferecendo um design com identidade própria, mixando a individualidade dos materiais à preciosidade das características comuns no cotidiano brasileiro, como as cores, as misturas, o caos criativo. A partir do olhar único dos irmãos Campana, que contam com um extenso trabalho de pesquisa da cultura vernacular nordestina presente em suas coleções, os visitantes poderão vivenciar um novo espaço da loja mam e encontrar peças cuidadosamente selecionadas que trabalham com o conceito expandido de sertão.
AMA: levando água potável ao semiárido brasileiro
Colocar o sertão em foco possibilitou que o 36º Panorama da Arte Brasileira firmasse parcerias com propósitos que vão muito além do simples apoio financeiro. Um dos patrocinadores, a Água AMA, água mineral da Cervejaria Ambev, tem 100% de seu lucro revertido para projetos de acesso à água potável no semiárido brasileiro. A mostra é uma oportunidade para que o público conheça um produto que, aos poucos, está ajudando a transformar a realidade de muitos brasileiros vivendo no semiárido – clima presente em regiões comumente associadas ao tradicional imaginário de sertão. Já são mais de 26 mil pessoas beneficiadas pelos projetos que AMA financia, em todos os nove estados que compõem o semiárido no Brasil. Este ano, a marca atingiu R$ 4 milhões de lucro, recurso integralmente revertido para iniciativas de acesso à água potável. Iniciativas como o patrocínio ao Panorama da Arte Brasileira permitirão um crescimento ainda maior desses números.
Apoio ao Panorama e ao público de fora de São Paulo
A agência de viagens Flytour, além de ter se tornado agência apoiadora do Panorama, habilitou para o MAM um portal em que os interessados em adquirir passagens e pacotes de hospedagem para viajar a São Paulo e conferir pessoalmente o 36º Panorama da Arte Brasileira: Sertão contarão com descontos especiais.
Esta obra da artista Lenora de Barros pertence à coleção do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Ela mostra diferentes autorretratos da autora, com penteados variados e uma cara de foto de documento. O resultado se assemelha aos anúncios de pessoas desaparecidas, tão comuns nas estações de metrô e demais transportes públicos.
Mas, ao invés de estar em busca de outra pessoa, Lenora procura a si mesma. Em meio à multidão, nos esquecemos de nós, sobretudo no fluxo diário do ir e vir. A artista nos convida a lembrarmos que mudamos o tempo todo e às vezes nem percebemos: conhece-te a ti mesmo ou a ti mesma.
Felipe Chaimovich
Curador
Confira aqui as obras da artista Lenora de Barros que fazem parte da coleção do MAM.
Lenora de Barros, Procuro-me, 2002. Impressão offset sobre papel. 28,5 x 24,5 cm. Coleção MAM, doação Milú Villela
Reunimos aqui obras da coleção do Museu de Arte Moderna de São Paulo para mostrar alguns caminhos da experiência de se pintar com densas camadas de tinta, no Brasil, a partir dos anos 1930. O MAM foi fundado em 1948 e tem acompanhado essa história desde então.
A pintura é feita de tinta, e sua história tem sido modificada pelo acesso inédito à matéria-prima nos últimos dois séculos. É a partir da Revolução Industrial, iniciada na Europa, que o preço da tinta diminui consideravelmente. Desde então, pintar se tornou mais barato para artistas que usassem produtos industrializados.
No Brasil e no mundo, pintores começaram a experimentar o uso de camadas grossas de tinta industrializada como sinal de modernidade. As pinceladas poderiam ser grandes manchas de cor, usadas para figurar desde as coisas mais passageiras, como uma paisagem iluminada pelo pôr-do-sol, até as mais universais, como a guerra. As tintas também podiam ser trabalhadas como pura matéria, sem formar imagem alguma.
O conjunto de pinturas aqui reunidas mostra a pluralidade de obras representadas na coleção do MAM. O crescente acesso a matérias industriais, como as tintas, continua a possibilitar a livre experimentação artística.
Felipe Chaimovich
Curador
Detalhe da obra de Rodrigo Andrade, Sem título, 1985
O que é o bom gosto? Neste painel, Leda Catunda reúne diversos materiais e imagens associados ao aprazível: paisagens sinuosas, curvas ondulantes, gatinhos, tecidos estampados, cores intensas. Tais elementos são aproximados do público pelo fazer brejeiro da artista, pois o traço dos desenhos parece infantil e espontâneo, assim como os recortes que delimitam as várias peças. A estratégia para aproximar o público da obra passa pelo reconhecimento dos diversos aspectos familiares nela contidos. Porém, sua presença num museu traz um problema: por que ela é considerada arte, enquanto um desenho amador bonito não seria? Ao conseguir despertar essa reflexão no público, a artista questiona os parâmetros de gosto, de arte, de banalidade e de erudição: mexendo assim com nossos valores presentes, a paisagem se torna moderna.
Felipe Chaimovich
Curador
Leda Catunda (São Paulo, SP, 1961)
Paisagem moderna, 2019
Colagem de papel e de tecidos e pintura-objeto
Coleção da artista
A busca por uma proposição que pudesse ampliar os olhares sobre o conjunto de obras que constituem o acervo do MAM possibilitou focar na produção da década de 1960, período marcado por convulsões políticas e sociais que transformaram nosso país em um antropofágico caldeirão cultural, varrendo a terra brasilis sem deixar escapar qualquer rincão, sertão ou veredas.
Propor uma crônica daquele momento, estabelecendo um diálogo com o presente, foi o caminho escolhido para esta mostra, não de forma oportunisticamente comemorativa, muito menos laudatória, mas sim na busca por captar o espírito da época na coleção do MAM, o que acabou por contaminar-se do presente, no passado.
Uma geração inteira, unida por ideais e comportamentos, consciente de seu papel e de seu compromisso clama por liberdade, liberdade! Tudo está sob contestação, mas, acima de tudo, a autoridade: “É proibido proibir!” Esse, como outros slogans, se torna palavra de ordem, lema, grito de guerra, senha para abrir fogo contra a trincheira autoritária familiar, escolar, governamental, e atinge diretamente o sistema capitalista de consumo desenfreado.
Ao debruçar-me sobre as obras, literalmente entrando nas entranhas do Museu – as reservas técnicas –, minha ação de curador foi impregnada da perspectiva pessoal, na qual afloraram as lembranças, envoltas na névoa das reminiscências do garoto que viveu no seu cotidiano aqueles momentos.
Retomar as construções da memória nos proporciona a oportunidade de inserir, nesse complexo contexto, a reestruturação do MAM que, em 1969, teve sua nova sede inaugurada aqui, no antigo pavilhão Bahia, na marquise do Ibirapuera, com a primeira edição do Panorama da Arte Atual Brasileira e, assim, o Museu, sua coleção, projetos, ações e atividades resistem aos tempos e sobrevivem aos contratempos até os dias de hoje. Afinal, quem sabe faz a hora e não espera acontecer.
Um conjunto de cinquenta imagens evoca um momento de febril desassossego e que conduz a caminhos na busca por fazer valer a esperança na conscientização política, na diversidade da vida traduzida em ações poéticas e de comprometimentos éticos, produzindo inserções em um meio, mesmo que ele se apresente totalmente adverso. Resistência, resiliência, rebeldia e solidariedade atravessam, de mãos dadas, os tempos em que vivemos em perigo.
Marcos Moraes
Curador
Marcello Nitsche, Eu quero você, 1966. Foto: Romulo Fialdini
Reunimos aqui uma seleção das máscaras produzidas para os três Bailes de Máscaras do MAM, realizados entre 2000 e 2002 por iniciativa do Núcleo Contemporâneo, em benefício do museu. Os artistas convidados a criá-las colaboraram com o MAM ao conceberem adereços que transformavam os mascarados em obras de arte vivas.
A promoção da arte moderna em São Paulo por meio de festas à fantasia começou na década de 1930. Em 32, fundou-se a Sociedade Pró-Arte Moderna, ou SPAM, que promoveu bailes de carnaval nos dois anos seguintes. Para tal, colaboraram artistas como Anita Malfatti, John Graz, Lasar Segall e Rossi Osir.
Aproveitamos o período em torno do carnaval deste ano para continuar a celebração dos setenta anos do MAM recordando que a manutenção da arte experimental também pode ser feita com festejos criativos e extravasamento de fantasias.
Felipe Chaimovich
Curador
O Museu de Arte Moderna de São Paulo celebra os seus setenta anos com uma exposição que destaca os valores fundamentais da instituição. Desde o início, o MAM buscou formar uma coleção por meio de mostras prospectivas, desenvolver uma prática pedagógica, expandir o campo da fotografia como arte e antecipar os rumos das tendências artísticas futuras. Agora, revisitamos esses quatro princípios para olharmos adiante, a partir de uma história já consolidada no Brasil e no exterior.
A trajetória do MAM evidencia também a fertilidade de suas bases, que deram origem a instituições como o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Fundado em 1963, o MAC USP recebeu a coleção formada no MAM e manteve os seus valores seminais. Assim, unimos ambos os museus nesta exposição comemorativa, indicando uma irmandade entre as instituições e o compartilhamento de uma mesma origem.
A mostra está organizada em duas partes. Na Sala Paulo Figueiredo estão obras colecionadas durante o período inicial do MAM, entre 1949 e 1963. Na Grande Sala, encontram-se obras das coleções do MAM e do MAC USP adquiridas após essa data. Conectando ambas as salas, uma linha do tempo circunstancia essa história.
Em cada uma das salas, os mesmos quatro valores norteiam os núcleos expositivos:
1- Formação de coleção a partir de mostras prospectivas
A Sala Paulo Figueiredo mostra obras adquiridas por ocasião das Bienais de São Paulo, evento criado pelo MAM em 1951; na Grande Sala estão dispostas obras provenientes dos Panoramas da Arte Brasileira do MAM e, da parte do MAC USP, obras provenientes da Jovem Gravura Nacional, do Jovem Desenho Nacional, da Jovem Arte Contemporânea e de programas recentes de aquisição.
2- Missão pedagógica
Na Sala Paulo Figueiredo são exibidas reproduções coloridas utilizadas em mostras didáticas realizadas na Biblioteca Municipal de São Paulo em colaboração com o MAM, entre o final dos anos 1940 e a década de 1950; na fachada do MAM está exposta a obra O museu é uma escola, de Luis Camnitzer, adquirida por ocasião da mostra comemorativa dos vinte anos do setor educativo do museu, em 2016.
3- Expansão da fotografia como arte
A Sala Paulo Figueiredo traz registros da exposição de Thomaz Farkas, de 1949, a primeira dedicada à fotografia moderna num museu brasileiro, enquanto na Sala Milú Villela estão reunidas obras fotográficas de ambos os museus, com destaque para o Clube de Colecionadores de Fotografia do MAM.
4- Desafio do contemporâneo
A Sala Paulo Figueiredo apresenta obras que participaram da mostra inaugural do MAM, Do figurativismo ao abstracionismo, que propunha um diagnóstico do desenvolvimento da arte moderna rumo à abstração; na Sala Milú Villela estão obras das exposições Multimedia, realizadas pelo MAC USP em 1976, que tiveram um papel pioneiro no acolhimento de produções experimentais em museus brasileiros, seguidas por obras da mostra Ecológica, realizada pelo MAM em 2010, que explicita a linha que o museu vem desenvolvendo nos últimos dez anos para enfrentar os desafios da relação entre arte e ecologia, pois entendemos ser essa uma área de fronteira que traz desafios mundiais urgentes para a cultura contemporânea.
E que venham os próximos setenta!
Ana Magalhães (MAC USP)
Felipe Chaimovich (MAM)
Helouise Costa (MAC USP)
Curadores
Esta é uma mostra de arte contemporânea feita por artistas brasileiros. Mas, se a internacionalização da arte tem dissolvido as diferenças regionais, como distinguir a produção contemporânea brasileira daquela de outras partes do mundo?
Como se sabe, a noção de “brasilidade” não pode ser definida apenas a partir de uma essência homogênea ligada à geografia. O que aproxima certos artistas de uma tradição brasileira, além de um campo simbólico com o qual dialogam, são referências recorrentes a experiências compartilhadas, momentos históricos, normas sociais e transgressões. Ainda assim, os artistas frequentemente se confrontam e se envolvem com histórias da arte de diferentes regiões do globo. O título Passado/Futuro/Presente refere-se a relações entre o passado e o futuro, feitas por trabalhos de arte enraizados num presente caracterizado pela diversidade sem precedentes e pelo constante intercâmbio de ideias em escala internacional.
Incluindo pintura, escultura, instalação, fotografia, vídeo e performance, esta exposição apresenta um olhar sobre a prática de artistas reconhecidos como pioneiros da sua geração. A mostra traz trabalhos de artistas seminais, bem como várias âncoras históricas da década de 1970 que ilustram continuidades e rupturas conceituais entre passado e presente. Cinco núcleos estruturam a exposição com limites porosos, permitindo aos visitantes traçar seus próprios caminhos.
Fruto de uma colaboração entre o Phoenix Art Museum (Arizona, EUA) e o Museu de Arte Moderna de São Paulo, uma outra versão desta exposição foi exibida em Phoenix, em 2017. Foi a primeira exposição panorâmica de arte contemporânea brasileira no sudoeste americano, assim como a primeira mostra do acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo nos Estados Unidos. Por apresentar uma das mais importantes coleções de arte brasileira do mundo, esta exposição pretende contribuir para a continuidade do debate sobre o que é e pode ser a arte brasileira, a partir do acervo do MAM.
Vanessa K. Davidson
Cauê Alves
Curadores
Esta mostra apresenta uma seleção das obras adquiridas pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo nos últimos cinco anos. As aquisições foram feitas por meio de doações de particulares, várias das quais mediadas pelo programa de associados do museu chamado Núcleo Contemporâneo. Assim, iniciamos 2019 agradecendo aos colaboradores do MAM, ao trazer ao público parte dos resultados dessa colaboração.
As obras aqui reunidas indicam linhas de força da coleção do MAM. A relação histórica do museu com a abstração geométrica no Brasil está representada pelo desenho de Lothar Charoux, de 1958, a peça mais antiga da mostra. A posterior politização do rigor geométrico durante a década de 1960 evidencia-se no projeto de livro de artista de Julio Plaza, pois o público é convidado a abandonar a posição de espectador passivo de uma ordem única para virar livremente as páginas coloridas. Por outro lado, o uso mais lírico da geometria também subsiste até os anos 1980, como testemunha a tapeçaria de Jacques Douchez.
Além de pensar a própria história, o museu deve também refletir sobre os mitos do país. Nossa capital, Brasília, é a mais monumental obra do desenho geométrico abstrato aplicado à arquitetura e ao urbanismo, aparecendo como cenário do velório de Oscar Niemeyer, na foto de Mauro Restiffe: a utopia do empreendimento mítico que iria mudar o Brasil e a finitude de Brasília encontram-se num momento único. Outra invenção do imaginário brasileiro aparece nas palavras de Gilberto Freyre, criador do mito da democracia racial brasileira: Jonathas de Andrade organiza geometricamente as expressões de Freyre, entre fotos estereotipadas da preguiça do trabalhador negro. Mas o encontro positivo entre a geometria abstrata e a materialidade simbólica da mitologia afro-brasileira afirma-se na obra de Mestre Didi.
A relação entre geometria e poder continua pelo núcleo de poetas visuais dos anos 1970: Almandrade e Ridyas. Num mundo cada vez mais interligado pela indústria da comunicação de massa, ambos buscam frestas de liberdade entre linhas e colunas.
A paisagem é também um aspecto relevante da coleção. Estando no parque Ibirapuera, o MAM relaciona-se de modo privilegiado com o paisagismo moderno. Nas paisagens aqui reunidas, a racionalidade característica da geometria manifesta-se, seja em formas que se repetem, como nas fotos de Marcelo Moscheta, seja por meio da escolha ponderada dos materiais de pintura, como no quadro de Rodrigo Andrade, seja na composição de quadriláteros que se reforçam, como no céu de Sandra Cinto.
Por outro lado, a coleção inclui obras que se opõem à racionalidade. O quadro de avaf usa os elementos da geometria e a sobriedade do vermelho com preto para chegar a uma construção anárquica. O painel de Laura Lima registra a destruição da malha geométrica, pois é desfiado aleatoriamente e amarrado grosseiramente à própria estrutura. A composição de imagens de João Castilho mobiliza retângulos predominantemente azuis para criar uma narrativa fragmentada. A cidade de Montez Magno usa a aleatoriedade dos dados para desafiar o planejamento urbano. A foto de Erika Verzutti e Luiz Roque cria um desconcertante jogo de cheios e vazios, no qual sombras tomam o lugar de pessoas e uma enorme jaca ocupa o lugar do intervalo que as separa. A série O jardim, de Pedro David, mostra um mundo árido, onde os vestígios de queimadas e de construções inúteis sobrevivem aos esforços de dominação humana.
O engajamento artístico na história política do Brasil, por sua vez, é representado pelo quadro Luta, de José Roberto Aguilar, feito em 1967, e pela série de fotos do coletivo 3NÓS3 intitulada Ensacamento, registrando ações de cobrir estátuas públicas com sacos que simulam a tortura, realizadas em 1979.
Felipe Chaimovich
Curador
Detalhe da obra de Mauro Restiffe, Oscar#20b, 2012, que integra a mostra.
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