A proximidade das celebrações do centenário da Semana de Arte Moderna induz a novas reflexões sobre os eventos ocorridos no Theatro Municipal de São Paulo em fevereiro de 1922 e sobre o papel desses acontecimentos na instauração do modernismo no Brasil.
Mais que propor uma apreciação assertiva, a exposição Moderno onde? Moderno quando? retoma o tema, evitando respostas prontas, cristalizadas pela voz corrente.
Será que a Semana de 22 foi um divisor de águas entre o velho e o novo, entre o “passadismo” e o “modernismo”? Se nos debruçarmos sobre a produção artística, musical, arquitetônica e literária que antecede a Semana – também em outras localidades além de São Paulo –, encontraremos incontáveis evidências de que a Semana faz parte de um amplo e descontínuo processo que a extrapola, tanto temporal como territorialmente.
Assim, esta mostra reúne um conjunto de pinturas, esculturas, desenhos e fotografias que expressam uma intenção inovadora – na composição, na fatura ou no tema tratado –, independentemente da data e do local de produção. Moderno onde? Moderno quando? visa a apresentar artistas e obras participantes do evento no Theatro Municipal – nem sempre tão modernos quanto se imaginaria –, assim como trabalhos realizados por artistas que os precederam e/ou sucederam, em meio à sempre complexa conjunção político-cultural do Brasil.
Aracy A. Amaral
Regina Teixeira de Barros
Curadoras
Artistas: Abigail de Andrade, Alberto da Veiga Guignard, Alfredo Volpi, Almeida Júnior, Alvim Corrêa, Anita Malfatti, Antonio Garcia Moya, Antonio Gomide, Antonio Paim Vieira, Artur Timótheo da Costa, Candido Portinari, Carlos Oswald, Cícero Dias, Eliseu d’Angelo Visconti, Emiliano Di Cavalcanti, Estevão Silva, Flavio de Carvalho, Gregori Warchavchik, Ignácio da Costa Ferreira (Ferrignac), Ismael Nery, Joaquim do Rego Monteiro, John Graz, Lasar Segall, Lívio Abramo, Manoel Santiago, Oswaldo Goeldi, Raimundo Cela, Regina Gomide Graz, Rodolfo Chambelland, Tarsila do Amaral, Valério Vieira, Vicente do Rego Monteiro, Victor Brecheret, Victor Dubugras, Wilheim Haarberg e Zina Aita.
Contam os mais velhos do povo Makuxi que, nos tempos antigos, Surarî’ foi abandonado no mato por um caçador. Ao sentir saudades dele, Surarî’ virou gente e decidiu subir aos céus atrás de seu dono. Para isso, pediu ajuda a um pequeno gavião que o levou nas costas. Quando chegou lá, Surarî’ se transformou novamente, ganhando corpo de estrela. Tornou-se responsável por trazer as chuvas e lembrar que, depois do tempo da seca, haverá ainda um outro tempo possível, o das águas.
Surarî’ é a palavra na língua makuxi que designa o moquém, jirau usado para desidratar e defumar carne. A técnica de moquear, uma forma de conservar o alimento e facilitar o seu transporte dos locais de caça e pesca até as aldeias, é boa para pensar o trânsito de provimentos e de saberes que atravessam não só diferentes espaços, mas também diferentes mundos. São trânsitos como estes que constituem os movimentos da arte indígena contemporânea. A chuva provocada por Surarî’ é uma maneira de conceber os fazeres dos artistas indígenas como veículo entre distintas temporalidades e um modo de produzir e atualizar relações.
Moquém_Surarî: arte indígena contemporânea apresenta trabalhos de 34 artistas indígenas que corporificam transformações, traduções visuais de suas cosmologias e narrativas, presentificando a profundidade temporal que fundamenta suas práticas. As obras atestam que o tempo da arte indígena contemporânea não é refém do passado. A ancestralidade é mobilizada no agora, reconfigurando posições enunciativas e relações de poder para produzir outras formas de encontro entre mundos não fundamentadas nos extrativismos coloniais.
Texto em Guarani
Nhanerentarã mboe tuja kue’i Makuxi omombe’u, ymã guare, Surari ́manje hejaa ráka’e ka’aguyre peteĩ ika’aguy va’egui. Há’e oexa nga’u vyma hera reré vy, Surari ́onhembo jera nhande ramivy ojeupi yvare oja rakygue. Há’e ramia guã ma, oikontevẽ raka’e guyraũ re vy há’e ogueraa raka’e okupere. Há’epy ovaẽ ramo, Surari ́ onhembojera jevy, há’e ojeapo ovyvyma Jaxy tatá rami. ojeapó opyta oky reruarã há’e ndaexarai,ary piru,há’egui oiko ju va’erã ary ,yy.
Surarî há’e Makuxi ayvu py omoẽ nonde moquém, monhimbe’i omo mbirú aguã xo’ó. Ojapo kuaa nhimbe’i marã tembi’u ivaipa he ‘y aguã há’e okueraa porã ve aguã oikoagui ogueraa xo’ó pira ro’ó tekoapy, kova’ema ĩporã nhemongueta marupipá nhemoĩ porã ta arandu jeyvaxa oiny ramo mamo mamoguipá jeupity há’e Joagui he’ỹ yvyrupa -marupipá jereraa ta nhande kuery ojapo mba’emo ãy guigua nhande kuery gui. Okyma ojejorá Surari’guima vy oexauka marupipá nhetyrô heravy vyma nhande kuery Imbavyky heravy ma mba’eyru aygui guara rami jereraa heravyma opyta ha ́e virami oin
Moquém Surari`: nhande mbavyky ma aygui gua peteĩ rã oĩ mba’eapó 34 imbavyky va’e nhande kuery omo in nhembojerá, jaexa vy ryve jaikuaa heravya guã jexaka gueroayvu, há’e omboete nhembojaru pygua he’y ãy guigua teim jeapo riae, nhembavykyma ije araguyjere hare nhande kuery ãy guigua onhemboty uká ymãre’ȳ ymã guare ma mombyta ãy varã, omoim heravyma ombojekó peteĩ hendapy mba’e kuaa omombe’u peteĩ rupi aguã vyma nhevain tĩ koo yvy javeré nonhe moingoi onhembojeká yvy mboae guigua kuery gui.
Jaider Esbell curador
Paula Berbert assistente de curadoria
Pedro de Niemeyer Cesarino consultor
A exposição é uma correalização entre MAM e Fundação Bienal de São Paulo e integra a rede de parcerias da 34ª Bienal.
Programação
Além da exposição na sede do MAM, a mostra contará com uma série de depoimentos inéditos em vídeo de sete artistas de Roraima, que serão divulgados ao longo do período expositivo nos canais digitais do museu, como também ampla programação educativa, que contará com oficinas e lives com os artistas sobre assuntos como arte e xamanismo, povos indígenas e a história da arte no Brasil e a força das mulheres indígenas nas artes.
Catálogo
Próximo do encerramento da exposição, será lançado um catálogo que reúne textos críticos e ensaios de artistas.
Lista completa de artistas
Ailton Krenak | Amazoner Arawak | Antonio Brasil Marubo | Arissana Pataxó | Armando Mariano Marubo | Bartô | Bernaldina José Pedro | Bu’ú Kennedy | Carlos Papá | Carmézia Emiliano | Charles Gabriel | Daiara Tukano | Dalzira Xakriabá | Davi Kopenawa | Denilson Baniwa | Diogo Lima | Elisclésio Makuxi | Fanor Xirixana | Gustavo Caboco | Isael Maxakali | Isaiais Miliano | Jaider Esbell | Joseca Yanomami | Luiz Matheus | MAHKU | Mario Flores Taurepang | Nei Leite Xakriabá | Paulino Joaquim Marubo | Rita Sales Huni Kuin | Rivaldo Tapyrapé | Sueli Maxakali | Vernon Foster | Yaka Huni Kuin | Yermollay Caripoune
Quando a canonização do movimento modernista tende a se fechar em torno de um número restrito de seus expoentes, é hora de alargar o campo de investigação e enveredar por sendas menos exploradas, em busca de artistas e modalidades diversos daqueles já consagrados.
Entre tantos aspectos da revolução cultural das primeiras décadas do século XX, aqui nos interessa a arte que informa o cotidiano e põe a vida doméstica em sintonia com a grande onda de modernização da sociedade. Vale lembrar que a criação de ambientes e objetos de linhas “modernas” iniciada nesse período está na origem do que hoje entendemos como “design de produtos”.
A partir do sucesso da Exposição de Artes Decorativas de Paris, em 1925, o art déco ganha repercussão internacional e chega ao Brasil. Antonio Gomide, sua irmã Regina e o marido dela, John Graz, seriam os arautos dessa tendência em São Paulo. Com obras taxadas de “decorativas”, os protagonistas dessa vertente do modernismo são vistos, muitas vezes, como artistas “menores”. No entanto, os três são modernistas de primeira geração. Graz participa da Semana de Arte Moderna a convite de Oswald de Andrade, entusiasmado com as telas que vê na mostra do pintor suíço recém-chegado a São Paulo. Na mesma exposição, as criações têxteis de Regina não chegam a impressionar o crítico. Essa indiferença revela a incompreensão da importância que a fusão de arte e artesanato teria na Europa do entreguerras. Por seu turno, Antonio Gomide, residente em Paris, traz, em 1926, um conjunto de pinturas de sua autoria para expor na capital paulista, provando ser um pintor maduro e familiarizado com o cubismo e a Escola de Paris.
Formados na Escola de Belas Artes de Genebra e com larga vivência da cultura europeia, eles se fixam em São Paulo, numa época em que a cidade passa por grandes transformações, sob o impacto da industrialização e da massa de imigrantes que aqui busca “fazer a América”. Diante de um mercado de arte restrito e conservador, Graz logo vê que não daria para viver de pintura. Procura então introduzir ambientes modernos em moradias da alta burguesia. Bem-sucedido, pauta seu trabalho pelo conceito de “arte total”. Em busca da unidade formal, tudo é desenhado por ele. No mobiliário, sobressai a dominância de formas geométricas, a adoção de materiais industrializados, como os tubos metálicos e a madeira folheada. Não se trata de produção em série, mas de fatura artesanal e exclusiva. Regina participa de seus projetos, com tapetes, tapeçarias, cortinas e almofadas. Versátil em várias técnicas, não é simples colaboradora – dá aulas em seu ateliê e funda a fábrica Tapetes Regina. Antonio Gomide também atua em várias frentes. Transita da pintura a óleo ao afresco, dos vitrais aos biombos e objetos decorativos, sempre com competência e buscando alguma estabilidade financeira.
A modernidade do trabalho desses artistas vem da dissolução de fronteiras e hierarquias entre modalidades artísticas e da atividade projetual dedicada à criação de murais, vitrais e tapeçarias, em diálogo com a arquitetura. Seu público: a elite simpatizante do modernismo, viajada e culta, de cafeicultores em decadência e industriais em ascensão.
Maria Alice Milliet
Curadora
Quando o Museu de Arte Moderna de São Paulo havia recém conquistado sua nova sede no Parque Ibirapuera, Diná Lopes Coelho, organizou em 1971 o catálogo e a mostra retrospectiva de Emiliano Di Cavalcanti (1897-1976). Tratava-se de uma exposição que celebrava 50 anos de trajetória do idealizador da Semana de 22.
A exposição 50 anos de Arte: Di Cavalcanti ficou em cartaz de 28 de outubro a 5 de dezembro de 1971 e apresentou trabalhos em pintura, caricatura, desenho, gravura, publicações, tapeçaria e joias trazidas de instituições de diversas cidades do Brasil e da Europa. Trata-se de uma mostra significativa e de grande repercussão para a compreensão de seu trabalho. Apesar de um pintor versátil, a obra de Di Cavalcanti possui unidade que não pode compreendida apenas por fases cronológicas. O artista retomou ao longo de toda a sua trajetória temas como pescadores, paisagens, músicos, o samba, o carnaval e, principalmente, figuras femininas e curvilíneas.
A presente mostra foi realizada apenas com o acervo bibliográfico e audiovisual da Biblioteca Paulo Mendes de Almeida, que guarda e memória institucional do MAM e é referência para a pesquisa sobre arte moderna e contemporânea. A exposição é constituída por catálogo, pôster, convite, recorte do jornal Diário do Povo e filme de época sobre a exposição retrospectiva de Di Cavalcanti. Realizada meio século depois da mostra de 1971, Di Cavalcanti no MAM: 50 anos x 2 é uma homenagem a um dos protagonistas da arte moderna brasileira e contribui para os estudos sobre a história das exposições no Brasil.
Cauê Alves
Curador
Como o próprio título indica, a obra tem relação com um pedido de socorro. A sigla SOS está escrita em braile, o que envolveria o tato para decodificar os pontos em relevo. A artista se vale de círculos de metal usados em sinalizações de pisos para alertar pessoas com deficiência visual sobre obstáculos. A mudança de escala dos sinais, num tamanho muito maior que o nosso corpo alcança, impede que a leitura ocorra completamente e, assim, é como se as palavras jamais pudessem ser compreendidas.
A inversão das coordenadas de orientação no espaço, ao colocar na vertical o piso tátil projetado para superfícies horizontais, pode gerar vertigem. E de fato o ambiente espelhado envolve e captura os espectadores que atravessam o corredor do museu. Nosso olhar é levado em movimentos espiralados para o interior de espaços imaginários e atordoantes.
As imagens reúnem uma espécie de paisagem construída com fotografias de minerais que se mesclam com grades e fragmentos de arquiteturas labirínticas. A partir da manipulação de imagens digitais é como se sobrevoássemos paisagens convertidas em fósseis que condensam tempos diferentes. Como se avistássemos do alto um território em ruínas, um mundo devastado. As linhas da pedra fotografada trazem a ideia de fratura, de colapso da natureza e da cultura.
As montagens fotográficas emolduradas são opacas, contrastam com o brilho do fundo, mas se integram ao conjunto distópico. Os elementos que apontam para a ideia de futuro são tratados pela artista como algo já sedimentado, como resto petrificado do passado. Em vez de promessa de felicidade, de crença num mundo melhor, a obra parece tratar da falência e da impossibilidade de salvação.
Cauê Alves
Curador
Além do Jardim de Esculturas, o Museu de Arte Moderna de São Paulo possui uma coleção de obras tridimensionais de grande relevância histórica e cultural. Nas obras do acervo do mam aqui em destaque, é possível perceber duas tradições contrastantes: de um lado a escultura figurativa, em que o artista representa corpos humanos com linhas curvas; e de outro peças geométricas, mais racionais, construídas a partir de planos, retas e círculos.
As obras de Alfredo Ceschiatti, realizadas em bronze fundido nas décadas de 1950 e 1960, com predominância de personagens femininos, deixam evidente a simplificação tanto da figura humana, com formas orgânicas, quanto das vestimentas com efeitos que insinuam movimento ao conjunto.
Já as esculturas de Sérvulo Esmeraldo e Joaquim Tenreiro, ambas feitas de ferro nas décadas de 1970 e 1980, são abstrações formadas por volumes e vazios. Essas obras se afastam da noção de representação e se organizam a partir do equilíbrio de placas e barras soldadas.
Esse pequeno conjunto pode ser compreendido como uma extensão do Jardim de Esculturas do mam. O espaço envidraçado, pela sua transparência, permite um diálogo mais evidente com a marquise e o entorno. O acervo em destaque pode plenamente ser visto do lado de fora, é um modo de o museu se abrir para o Parque Ibirapuera e trazer os mais diversos públicos para perto. Seja bem-vindo!
Cauê Alves
Curador
Ao falecer, em agosto de 2018, Antonio Dias havia reunido uma coleção das próprias obras que recobria toda sua trajetória artística. O conjunto compunha-se tanto de peças de que ele nunca havia se separado, como de outras recompradas de terceiros para quem tinham sido vendidas. Tratava-se, pois, de uma representação de si mesmo intencionalmente construída, mantida e guardada.
A atitude de colecionar-se manifesta um aspecto essencial do artista: Antonio Dias cultivou uma ética do trabalho que permite compreender seu percurso a partir de posicionamentos claramente formulados por ele. Assim, a escolha dos componentes desta coleção testemunha atenção para com princípios que acompanharam o artista ao longo de sua vida e que deviam ser mantidos próximos a si.
Reunimos aqui parte dessa coleção única. Além de contar com peças emblemáticas, como Nota sobre a morte acidental e Anywhere Is My Land, o conjunto vai desde as primeiras obras abstratas do início dos anos 1960 até a última tela pintada por Antonio Dias. A mostra divide-se cronologicamente. Inicia-se com as obras mais recentes, onde o uso de pigmentos minerais condutores de eletricidade importava ao artista pela presença do material carregado de carga física. A segunda seção reúne obras com o uso de palavras, frequentemente em inglês, em composições áridas em preto, branco e cinza, que parecem colocar em questão seu próprio sentido como arte, pois negam qualquer prazer ao público. O terceiro conjunto é composto por peças dos anos 1960, cujas figuras fragmentadas remetem à violência do Brasil ditatorial, ao sexo e a vísceras extirpadas. Ao longo do percurso, há também obras singulares, como as abstrações do jovem artista feitas logo após seu estudo inicial com o gravurista Oswaldo Goeldi, os filmes realizados em Nova York entre 1971 e 1972, e as diversas representações do corpo. Pontuando todo o percurso, diferentes autorretratos registram o amadurecimento do autor.
A obra, apesar de múltipla, apresenta um aspecto comum: é impossível a experiência de uma compreensão total de cada peça; ao contrário, o público é confrontado com uma construção incapaz de apresentar-se íntegra. Com o método que gera objetos para os quais sempre falta o sentido total, emerge a dimensão ética da obra de Antonio Dias: a incompletude da existência humana. A constância dos temas existenciais garante um sentido testemunhal à obra de Antonio Dias. Portanto, a coleção que ele formou de si mesmo é uma síntese única, tanto pelo percurso que organiza ao longo das várias fases, como pela declaração dos valores éticos norteadores de sua arte.
A oportunidade de exibir parte da coleção nesta mostra, ainda durante período de luto pelo artista, só foi possível graças à generosidade da família; a ela é dedicada a exposição.
Felipe Chaimovich
curador
A exposição integra a 34ª Bienal de São Paulo.
Esta obra reveste o corredor do mam com paredes de pau a pique. A técnica de construção usa uma trama quadriculada de galhos e bambus entrelaçados de forma regular, gerando uma estrutura oca posteriormente preenchida com barro. Esse procedimento tem sido empregado no Brasil, desde o período colonial. Sua ampla presença em edificações para diferentes classes sociais, ao longo da história evidencia uma continuidade material entre os prédios ostentosos, como a igreja barroca, e as moradias populares, como a casa da roça. Parte dos galhos aqui utilizados veio do parque do Ibirapuera; somados à terra aparente, trazem um cheiro orgânico ao corredor. Ao construir com elementos vivos do entorno, o artista aproxima museu e natureza por meio de um saber que nos une a um Brasil profundo.
*Este título vem do poema e do livro “Roça barroca” da poeta e tradutora Josely Vianna Baptista.
Thiago Honório, “Estudos para roçabarroca“, 2018/2020, Lápis de cor e grafite sobre papel, 42 x 60 cm. Foto: Edouard Fraipont
Colecionar arte é a possibilidade de olhar por um viés fascinante para a diversidade humana. É colocar em perspectiva pontos de vista que se descolam da obviedade aparente e nos fazem refletir em profundidade sobre os mais distintos aspectos da vida em sociedade. Logo, os museus e suas coleções são espaços democráticos que fomentam a reflexão, a convivência das diferenças, o debate sem dogmas, a formação de repertório.
O Clube de Colecionadores de Fotografia do Museu de Arte Moderna de São Paulo, tendo este foco, foi criado em 2000. Ao completar agora 20 anos e 21 edições, reúne obras de 107 artistas que passaram a integrar o acervo do museu e também as coleções particulares de centenas de pessoas que fazem ou fizeram parte do Clube nessas duas décadas. Esta exposição é uma homenagem a esses colecionadores que impulsionam o circuito de arte, incentivam os artistas e ratificam a importância do papel social de instituições culturais como o MAM.
Para esta exposição comemorativa, tivemos a curiosidade de entender como as escolhas curatoriais do Clube impactaram a vida e as coleções de seus sócios. Visitamos a casa de uma dezena deles para observar como as obras adquiridas por meio do Clube são acolhidas, exibidas e guardadas. As fotografias que mostram as obras nas residências surgem nessa exposição em meio às obras do Clube que integram o acervo do MAM. São como janelas pelas quais podemos entrar na casa dos sócios e sentir um pouco da forma como eles convivem com as criações dos artistas.
No diálogo com os sócios, notamos que os princípios que nortearam a criação do Clube, 20 anos atrás, estão se cumprindo plenamente. Muitos deles começaram timidamente suas coleções a partir das obras do Clube. Incentivados por essas aquisições, acabaram por pesquisar os artistas, a história da arte e da fotografia, e hoje possuem amplas coleções.
A existência do Clube de Colecionadores de Fotografia do MAM só é possível graças à parceria entre o museu que organiza as ações, os artistas que doam suas obras e os sócios que incentivam a produção artística e a existência do próprio museu. Dessa forma, tanto o MAM quanto os colecionadores seguem construindo, ano após ano, um acervo perene de extrema importância, por meio do qual podemos refletir sobre a cultura brasileira, nossa mestiçagem, nossos dramas sociais, nossa identidade, nossa capacidade de nos reinventarmos à revelia dos desmandos do poder hierárquico.
A arte é e sempre será a trincheira na qual nos abrigamos e nos conectamos com o outro para ativar uma percepção sensível sobre nosso entorno, a partir da qual criamos uma visão menos dogmática, mais libertária e humanista. Aos sócios do Clube de Colecionadores de Fotografia do MAM de hoje, de ontem e de sempre, e a vocês que frequentam o museu, nossos mais sinceros agradecimentos por fazer com que sigamos acreditando em nossos sonhos.
Eder Chiodetto
Curador do Clube de Colecionadores de Fotografia do MAM