Esta obra de Gustavo Rezende multiplica personagens em situação de vigilância e de confronto físico. Dentre as figuras, repete-se com frequência a silhueta do próprio artista. Ele tem trabalhado o autorretrato ao longo de sua produção, colocando-se em diferentes contextos. Neste friso projetado para o Projeto Parede, a referência a si mesmo é acrescida de outros sujeitos, criando-se uma sequência de homens assemelhados, mas que se distinguem claramente pela posição de vigilante, de agressor ou de vítima. Para enfatizar a diferença de poder entre as partes, surgem também cavalos que colocam os vigilantes em posição superior. O conjunto se organiza como uma paisagem, com grupos distribuídos de forma irregular, criando alturas diversas que representam elementos mais à frente ou mais distantes; mas, a cor neutra de fundo e a ausência de relevo ou de vegetação impedem que identifiquemos o local da ação: afinal se trata de um festival, de uma batalha campal, ou de uma manifestação?

Por um lado, a repetição de personagens sem rosto definido sugere que os diferentes papéis no confronto violento são lados diversos da mesma pessoa: o vigilante, o repressor e a vítima estão todos dentro de nós. Por outro lado, essa repetição indica uma distribuição homogênea de tais posturas na sociedade: vivemos de tal modo imersos em violência, que já não diferenciamos mais os lados em conflito. Como elemento unificador, Gustavo Rezende utiliza a fita crepe, que cria uma textura e uma cor únicas para toda a composição, ao mesmo tempo em que anula os detalhes das feições e tira a individualidade dos personagens.

This work by Gustavo Rezende multiplies characters in a state of vigilance and physical confrontation. The silhouette of the artist himself frequently recurs among the figures. He has worked on the self-portrait throughout his production, placing it in different contexts. In this frieze designed for the Projeto Parede [Wall Project], the reference to himself is reinforced by other subjects, creating a sequence of similar men, but who are clearly distinguished by their status as watchman, aggressor or victim. To emphasize the difference in the power of the parties, horses also appear which place the watchmen on a higher level. The whole is arranged as a landscape, with groups distributed irregularly, creating different heights which represent closer or more distant elements; but the neutral color of the background and the lack of relief or vegetation prevents us from identifying the location of the action: in the end, is this a festival, a battlefield or a protest?

On the one hand, the repetition of characters without clearly defined faces suggests that the different roles in the violent confrontation are different aspects of the same person: the watchman, the repressor and the victim are all contained within us. On the other hand, this repetition suggests a homogenous distribution of these positions in society: we live so immersed in violence that we can no longer differentiate the sides of the conflict. As a unifying element, Gustavo Rezende uses crepe tape, which creates a single texture and color for the whole composition, at the same time as it obliterates the details of the features and nullifies the individuality of the characters.

Felipe Chaimovich 
Curadora

Após ser restaurada, a Aranha (1996), de Louise Bourgeois, está prestes a voltar para a sala de vidro feita para sua exibição há quase vinte anos. Quando presente, ela parece observar a Marquise e sua amplitude de territórios e usos. No extremo do edifício concedido pela Prefeitura de São Paulo para o MAM, essa escultura permite pensar como a vizinhança do museu com o vão livre, onde acontece uma das mais expressivas e espontâneas manifestações culturais, esportivas e políticas da cidade, pode informar e desafiar a identidade do museu.

É da natureza da  Aranha  costurar teias. Para tanto, precisa de quase nada, apenas a garantia de trânsito. No intervalo entre a instituição e a praça pública, a despeito dos binarismos, das barreiras físicas e dos hábitos que separam dentro e fora, vale identificar possibilidades de movimento, cooperação e aprendizado tanto mútuos como coletivos.

Enquanto o MAM aguarda a volta da obra de Bourgeois, esta mostra se inspira em sua metáfora de conexão. Um conjunto de obras do acervo do museu nesta Sala Paulo Figueiredo se articula com uma agenda de  performances, oficinas e  shows  na Marquise, dentro da programação do Domingo MAM, realizado pelo Educativo desde 2013. Por meio de uma intervenção artística, que se manifesta também como arquitetura e linguagem gráfica, O Grupo Inteiro criou peças móveis que remontam às diferentes vocações desse espaço. O pavilhão onde o MAM funciona desde 1969 já foi um Museu de Cera (1954) e um Rinque de Patinação (1955). Hoje, tem duas galerias para exposições. Esta sala, em específico, pode ser experimentada, durante o tempo da mostra, também como remanso, palco, pista, arena circular, em suas interfaces com o entorno.

Entre a história e o presente, as perspectivas e processos de agentes criativos e públicos convidados a colaborar, entre o que é dado de partida e o que cada um pode trazer consigo, o meio é um lugar de desejo não destituído de sobreposições e disputas. Aqui, ali ou em qualquer parte onde convenha tecer, se os nós não impedirem a trama, eles poderão vir a ser elos de escuta, respeito, responsabilidade, empatia e pertencimento.

Ana Maria Maia
(em conversa com Educativo MAM e O Grupo Inteiro)

Playlists

Coube e ainda cabe a essa rede de agentes interpretar desde o seu ponto de vista os legados do museu e do seu acervo, assim como imaginar futuros possíveis. Parte desse exercício que alimentou a mostra foi registrado em playlists de áudio, especialmente feitas para o lançamento:

O que vemos

O que imaginamos

O que escutamos



Artistas: Alessandra Leão | Amelia Toledo | Beyhive | Break Ibira | Cinthia Marcelle | Claudio Tozzi | Coletiva Ocupação | Explode! | Falves Silva | Flávio de Carvalho | Georgete Melhem | Guilherme Peters | Henrique Fuhro | House of Zion | Ione Saldanha | Ivens Machado | Jorge Menna Barreto | Josefa Pereira e Patrícia Bergantin | Laura Lima | Lenora de Barros | Manuk Poladian | Mário Ishikawa | Maureen Bisilliat | MC Delacroix | Micrópolis e Ariana Miliorini | Mídia Ninja | Mônica Nador | Nair Benedicto | Nenê da Vila Matilde | O Grupo Inteiro | Otto Stupakoff | Paulo Nazareth | Revista On/Off | Rosana Paulino | Siron Franco | Vilma Slomp | Waldeny Elias


Ao programar esta exposição, o Museu de Arte Moderna de São Paulo e este curador pensaram sobretudo nos jovens que se interessam por arte, nos professores e no grande público que ainda não tinha contato com a obra de Ismael Nery (1900-1934). Não é uma exposição para especialistas, embora esses possam ter o prazer de revisitar trabalhos já conhecidos. É uma exposição em que se revela um artista que, na sua época, teve a coragem de caminhar sozinho, descobrir-se e procurar um olhar que estivesse absolutamente sincronizado com o seu tempo, mas – incrível – não com os intelectuais de seu país. 

Em um momento em que era moda intelectual ser materialista e mesmo anticlerical, o homem que se dizia católico e professava sua fé em discussões filosóficas, na sua casa e na casa de amigos no Rio de Janeiro, era um dândi narcisista. Assim como a de sua mulher, sua beleza física evidente e muito impositiva, aliada à sua habilidade intelectual de polemista nas rodas de discussões, contribuía para elevar sua vaidade. Basta lembrar a quantidade de autorretratos – e autorretratos com Adalgisa. Era exímio dançarino e, na época, era o que chamamos hoje de “um artista performático”. A questão de gênero não estava ausente na sua corajosa produção: figuras andróginas atravessam toda a sua obra, assim como a relação entre o feminino e o masculino.

Agora vamos às obras. Os grupos estão divididos por gêneros: os nus, as figuras, os retratos e autorretratos, as danças, os cenários, as obras surrealistas – estas pioneiras do gênero no Brasil, junto com as de Cícero Dias (1907-2003). É apenas uma das formas de se mostrar e examinar as pinturas e os desenhos. Antes, o que ressalta aos olhos? Evidentemente, as pequenas dimensões da maioria desses trabalhos. Essa escala muito íntima demonstra um certo desprezo pelo mundo no qual a arte irá circular enquanto mercadoria. A maior parte deles não admite nenhuma distância, tem de ser vista de muito perto – para cada trabalho, um olhar. 

Paulo Sergio Duarte
curador

Sinais/Signals apresenta uma extensa seleção de trabalhos de Mira Schendel (1919-1988) dos quais emergem os elementos que tanto caracterizam a natureza singular da obra gráfica da artista: linhas, palavras, letras, rabiscos, traços, números, frases e muito mais. Sem ser um resumo ou retrospectiva, esta exposição pretende reunir uma vasta região da obra em que se manifestam tais aparições, especialmente os trabalhos que Mira chamou de Monotipias, Toquinhos e Objetos gráficos, séries nas quais ela explora a presença de um sinal gráfico inesperado, imprevisível, único. Sinais que surgem da superfície discreta, que pode ser tanto o papel-arroz quanto o acrílico, e subitamente irrompem como manifestações de uma pura presença, casual ou impositiva, vaga ou agressiva, evanescente ou contundente, pulsar gráfico sem começo ou fim.

Mira encontrou, sobretudo no espaço retangular do papel-arroz das Monotipias, um lugar privilegiado ao qual se voltou milhares de vezes para aí imprimir inúmeros e variados sinais. Sinais/Signals busca apresentar, senão tentar desvelar, por meio de um conjunto expressivo de trabalhos, a extensão provável desse procedimento único, bem como a sua frequência, intensidade, valor, peso etc., como uma manifestação ao mesmo tempo casual, hermética, simples, sofisticada, única e repetitiva, na qual cada uma dessas oposições aparentemente contraditórias emergem continuamente em constante e delicada suspensão. Contradições que o trabalho dissolve no longo percurso de seu próprio processo e resultado, que, a rigor, não teria fim – assim como também é difícil estabelecer um começo. Toda essa extensão alcançada com os mais simples meios gráficos (pode existir algo mais simples que uma linha, um ponto ou uma letra?) constitui uma estrutura sígnica variável, aberta, inconstante, flexível, em contínua e infinita expansão; algo que poderia se chamar “tabela periódica dos sinais de Mira Schendel”.

Ao reunir o presente conjunto de obras, que Mira incessantemente produziu durante décadas, esta exposição busca seguir de trabalho em trabalho a inquieta multiplicidade desses sinais e se aproximar da totalidade do espírito poético que manifestam.

Paulo Venancio Filho
curador

Visite a exposição virtualmente clicando aqui.

O advento da fotografia propiciou agilidade e precisão à documentação de lugares, eventos e pessoas; consequência direta foi a conquista de maior autonomia dos artistas no aprofundamento de questões plásticas. Um desdobramento desse processo foi o afastamento do mundo natural como referência e um mergulho nas cores, pinceladas, formas e aspectos essenciais das estruturas dos objetos.

No Brasil do final dos anos 1940, surgem os primeiros trabalhos de arte abstrata. A eles se opuseram, em prol da arte figurativa, pintores e críticos estabelecidos que, além de desapreço estético, denunciavam-lhes falta de brasilidade e afastamento da geografia e da sociedade locais.

Os artistas abstratos no Brasil estiveram, inicialmente, aliados contra o figurativismo, mas, após minimamente estabelecidos, subdividiram-se em duas linhas: a abstração informal e a abstração geométrica.

A abstração informal caracteriza-se pela expressão de gestos do artista, seja com os materiais da pintura ou da escultura; como resultado, o estilo de cada artista torna-se muito singular. A abstração geométrica, por outro lado, parte de princípios universais da matemática e da geometria, criando o que seria percebido como uma identidade mais coletiva.

Os artistas que praticaram a abstração informal no Brasil não constituíram grupos permanentes, pois a singularidade do estilo de cada qual se impunha sobre princípios gerais. Assim, não há uma escola da abstração informal, ao contrário da geométrica, que levou à formação de grupos como o Ruptura, o Frente e o Neoconcreto. Da mesma forma, nas décadas de 1950 e 1960, foram muito poucos os críticos de arte que, como Sérgio Milliet e Antônio Bento, representassem os artistas informais, embora houvesse aqueles que defendessem a abstração geométrica e acusassem a abstração informal de excessivo subjetivismo.

Entretanto, a abstração informal semeou no Brasil um extenso campo de arte gestual e da exploração da matéria da obra de arte. Ao reunirmos duas das coleções mais importantes do Brasil, a do Museu de Arte Moderna de São Paulo e a do Instituto Casa Roberto Marinho, exibimos a permanência e a potência da abstração informal ao longo das últimas oito décadas. Os trabalhos expostos testemunham a coerência dos artistas e de seus estilos singulares, a radicalidade na exploração da matéria artística e o lirismo visual de suas composições.

Esta exposição marca o início da parceria entre o MAM e o Instituto Casa Roberto Marinho, do Rio de Janeiro, que estará aberto ao público a partir de março de 2018. Convidamos você a se reencontrar com oito décadas de nossa abstração informal.

Felipe Chaimovich e Lauro Cavalcanti


\ Corpo Parede /

Corpo estático e imobilidade solene.

“Aqui, neste mundo, tudo cai. Quando se anda, se cai de um pé para outro.”
Paul Virilio

CORPO PAREDE coloca o corpo humano em contato direto com a parede do museu valendo-se da presença de estruturas de madeira organizadas seguindo um desenho predefinido. O público é convidado a se apoiar nessas estruturas e experimentar as possibilidades de posições sugeridas por cada conjunto.

O desenho das estruturas de madeira se vale do interesse pelo ritmo da linha dos movimentos do corpo. A linha representa fluidez e oferece limites que não respondem a critérios de precisão mas obedecem a um desenho espacial associado a frontalidade e à própria condição do espaço do corredor do MAM.

Ana Mazzei
Artista

Da adversidade seguimos vivendo. Em 1967, Hélio Oiticica escreveu um texto determinante para se pensar a arte e o Brasil. Intitulado “Esquema Geral da Nova Objetividade”, há nele um desenho panorâmico da cena artística àquela altura e dos desafios a serem enfrentados. Escrito em um momento politicamente tenso, com desalentadoras perspectivas de futuro, para dizer o mínimo, ele destaca seis características da arte brasileira: (1) vontade construtiva; (2) tendência para o objeto; (3) participação do espectador (corporal, tátil, semântica); (4) abordagem e tomada de posição em relação a problemas políticos, sociais e éticos; (5) tendência para proposições coletivas; (6) ressurgimento e novas formulações do conceito de antiarte.

Uma pergunta, ainda atual, perpassava a escrita do Esquema Geral: como apostar em uma relação nova entre singularidade local e inserção global. No caso da cultura brasileira – e isso foi colocado de modo muito original pela geração tropicalista sob a influência da Antropofagia – nossa singularidade foi sendo construída pela mistura de diferentes matrizes culturais. Ou seja, não temos uma essência própria, uma marca de origem a ser depurada de qualquer contaminação indesejada, vivemos da apropriação constante do outro, somos uma colagem de influências que não para de se transformar. Como escreveu Oiticica, estamos sempre “à procura de uma caracterização cultural, no que nos diferenciamos do europeu com seu peso cultural milenar e do americano do norte com suas solicitações superprodutivas”.

As seis características apontadas acima seguem valendo – não obstante as diferenças de contexto – para se pensar a arte produzida hoje. Buscamos evidenciar isso neste Panorama. Sem qualquer tematização daquelas tendências, elas perpassam indiretamente os trabalhos aqui apresentados. A despeito da falência da ideia de progresso e de uma avassaladora crise urbana e ambiental, ainda resiste uma vontade construtiva entre nós. Uma construção que se sabe frágil, mas crucial para enfrentar os riscos de uma informalidade desagregadora. Nota-se também uma crescente abertura do fazer artístico para problemas sociais, éticos e políticos, ou seja, para um engajamento, nada simplificador, que acredita nas brechas em que a arte quer se infiltrar para tentar mudar as coisas – sabendo-se que querer mudar não basta e que sua impotência pode ter desdobramentos imprevistos.

Reunir em uma exposição, que se pretende um Panorama da Arte Brasileira, desde a concretude da intervenção arquitetônica até a fluidez da dança, passando pelo audiovisual, pela escultura, pela fotografia e pela palavra, mais que explicitar a diversidade da cena contemporânea, em que a divisão de meios expressivos e de disciplinas parece obsoleta, busca ressaltar a multiplicidade de tempos que compõem nosso momento histórico. O tempo do corpo que dança, da palavra escrita e da imagem projetada respondem a formas de percepção e de experiência plurais. Simultaneamente, é parte de nosso desafio articular os diferentes imaginários que se contaminam e se multiplicam no Brasil entre a cidade e a floresta, as comunidades periféricas e os centros cosmopolitas, entre o caos, a indeterminação e o mito.

Misturar poéticas conflitantes, trazer outras vozes e gestos para dentro das instituições que constroem as narrativas hegemônicas, revelar antagonismos e diferenças, tudo isso é parte de uma ideia de Panorama e de uma discussão sobre o Brasil. Isso, no exato momento em que o Brasil vive uma de suas piores crises de identidade, quando a promessa de futuro virou uma terrível distopia que constrange as possibilidades do presente, parece propício colocar, mais uma vez, a pergunta sobre o Brasil. O Problema-Brasil é um desafio e uma miragem: aparece como promessa de alegria, mas escapa quando vamos em sua direção. E, a cada passo, parece que vai para mais longe. Entretanto, não dá para virar as costas; há que se encarar a miragem, ao mesmo tempo ilusória e real, fazendo deste enfrentamento o caminho para nos tornarmos menos assombrados com nossa assustadora incompetência coletiva. A arte é o espaço disponível para ampliarmos o campo do possível.

Luiz Camillo Osorio
Curador


artistas: Bárbara Wagner e Benjamin de Burca | Beto Shwafaty | Cadu | Dora Longo Bahia | Fernanda Gomes | João Modé | Jorge Mario Jáuregui | José Rufino | Karim Aïnouz e Marcelo Gomes | Leandro Nerefuh | Lourival Cuquinha e Clarisse Hoffmann | MAHKU (Movimento dos Artistas Huni Kuin) | Mão na Lata | Marcelo Evelin / Demolition Incorporada | Marcelo Silveira | Ricardo Basbaum | Romy Pocztaruk | Rua Arquitetos e MAS Urban Design, ETH Zurich | Wagner Schwartz​





Ibã Huni Kuin (Isaías Sales) é um txana, mestre dos cantos na tradição do povo Huni Kuin (Acre). Levar sua tradição ameríndia para além de seus territórios de origem foi a razão do projeto Espírito da Floresta, criado por ele e seu filho, no qual vem trabalhando nos últimos anos. O imaginário encantado que ele explora nos murais, nos cantos, nas fabulações abre universos de conhecimento pouco explorados e de difícil tradução dentro dos parâmetros ocidentais. Encantar-se é uma tonalidade afetiva poderosa, que nos sintoniza com os poderes do desconhecido. Os desenhos, figuras e cores multiplicam-se em linhas de força de alta intensidade poética, como se fluíssemos por um rio de significações e afetos incontroláveis. A realização deste Projeto Parede dentro do 35º Panorama da Arte Brasileira lembra-nos de que há muitas possibilidades de Brasil a serem descobertas, se quisermos inventar formas de vida heterogêneas.

Luiz Camillo Osorio
curador

“A universidade tem que aprender comigo.” A frase de Ibã, pronunciada na mesma universidade brasileira em que Claude Lévi-Strauss ensinou, não é a frase de alguém que está fora do pensamento, da arte ou da sociedade ditos ocidentais. É a lição de um pensador desprovido de fronteiras sobre a necessidade de se aprender com o outro. Essa “arte de prestar atenção”, como diz Isabelle Stengers, referindo-se ao saber necessário para enfrentar a catástrofe ecológica anunciada, é o saber dos povos da floresta, que o Movimento dos Artistas Huni Kuin traz como herança longínqua. Um saber do futuro.

Amilton Pelegrino de Mattos (LABL/UFAO – Floresta)
antropólogo

O Panorama da Arte Brasileira começou a ser realizado pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo em 1969. O museu acabara de se mudar para este local, embora tivesse sido fundado em 1948. A nova exposição periódica visava a apresentar a produção nacional, ocorrendo inicialmente todos os anos e dedicando-se, a cada edição, a uma técnica específica: pintura, escultura, desenho etc.

O Panorama também tinha por objetivo formar uma nova coleção para o museu por meio das obras premiadas anualmente. Nascia assim um conjunto que hoje tem 5.400 obras, muitas das quais participantes das edições daquela mostra. O Panorama deu, assim, um novo rumo ao patrimônio artístico colecionado e exibido pelo MAM.

Reunimos aqui documentos que mostram a primeira década dos Panoramas, quando os contornos da exposição estavam sendo criados. A adesão dos artistas, representados pelas próprias cartas ao museu, a recepção da crítica, avaliando o MAM por meio dos Panoramas, os regulamentos e fotos de época compõem uma constelação que ilumina a invenção de um projeto que hoje identifica este museu. Todas as peças em exibição pertencem à Biblioteca, mostrando como um centro de memória e documentação também é um lugar ativo de reflexão.

O que foi o Impressionismo? Ele surgiu da pintura de paisagem ao ar livre executada com velocidade e se valeu de inovações na produção industrial de tinta a óleo durante o século XIX. Os pintores impressionistas passaram a considerar seus quadros executados no calor da hora como obras acabadas, deixando visível a tinta grossa aplicada com gestos rápidos. Assim, nascia a arte construída a partir de materiais industriais de última geração postos em primeiro plano.

Em 1869, os colegas Renoir e Monet foram pintar juntos ao ar livre, levando consigo um estoque de cores de tinta recém-lançadas no mercado ao longo das décadas anteriores. Renoir era um virtuoso na pintura veloz: a nova gama de cores disponíveis permitia produzir um efeito complexo em curto tempo; Monet, pintando ao seu lado, usou quinze cores diferentes num único quadro, executado em aproximadamente duas horas. Ambos passaram a praticar essa técnica, despertando o interesse de seus colegas. As experiências levaram o grupo a estender o procedimento surgido na pintura de paisagem a outros campos, como o retrato e a natureza-morta. Mesmo quando as obras eram retrabalhadas em ateliê, as pinceladas sempre pareciam ter sido feitas com a rapidez da pintura ao ar livre.

O grupo de colegas fez uma exposição coletiva independente em 1874, em Paris. O público e a crítica começaram a chamar o resultado exposto de “impressões”, título de um quadro de Monet e termo associado, na época, aos esboços amadores que os turistas faziam das paisagens descobertas. A moda do esboço de paisagem associado ao turismo foi um grande motor do mercado de materiais industriais para pintura na Europa e nos Estados Unidos, incentivando pintores profissionais a produzir paisagens ao ar livre também. Foi assim que o grupo passou a ser chamado de “impressionista”, assumindo essa designação em 1877 por insistência de Renoir.

A pintura de paisagem ao ar livre passou a ser praticada no Brasil em 1884. Grimm foi o responsável pelo início de seu ensino na Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro e, posteriormente, pela formação de uma escola de pintores identificados com seus ensinamentos. Castagneto e Parreiras foram os principais discípulos de Grimm. Na década de 1880 também quintuplicou o mercado de materiais industriais de pintura no Rio de Janeiro, que passou de onze lojas de tintas e objetos para pintores em 1882 para 52 lojas em 1889, com sortimento de importados. As mesmas duas condições para o surgimento do Impressionismo na França se repetiram no Brasil: a prática da pintura rápida ao ar livre e a variedade de novas cores de tinta industrial. Além disso, a viagem de pintores brasileiros à França com prêmios e bolsas governamentais durante o período da consagração de artistas como Renoir e Monet trouxe de volta ao Brasil o reconhecimento do Impressionismo: no final da década de 1890, Visconti já era chamado de impressionista pela imprensa brasileira.

Reunimos aqui obras de Renoir como artista exemplar do Impressionismo. Há retrato, natureza-morta e estudo para mostrar como o Impressionismo nasceu da paisagem, mas se estendeu aos demais gêneros. A pincelada rápida e o uso de uma ampla gama de cores são marcas de Renoir.

Seguem-se os pioneiros da pintura rápida ao ar livre no Brasil: Grimm, Castagneto e Parreiras. Na sequência, as gerações de pintores brasileiros já conscientes do Impressionismo francês. Reunimos aqui apenas paisagens, pois é o gênero fundador do Impressionismo e permite identificar o interesse pelas paisagens pitorescas brasileiras, sobretudo no Rio de Janeiro, até hoje destino de turismo e objeto da produção de imagens amadoras com recursos industriais, como celulares.

No extremo da mostra, reunimos objetos que testemunham o comércio e o uso de materiais industriais de pintura no Rio de Janeiro, entre 1844 e a década de 1930. Ao longo da linha do tempo, mostramos a gama das novas cores industriais do século 19 da marca Lefranc, usada pelos impressionistas franceses. Começava, assim, a arte industrial no Brasil.

O impressionismo no Brasil

A pintura rápida de paisagem ao ar livre e o comércio da inovadora gama de cores industriais foram condições do surgimento do Impressionismo na França na década de 1870. Na década seguinte, as mesmas condições passaram a existir no Rio de Janeiro. No fim do século XIX, a designação de impressionista aplicada a pintores brasileiros já era usada pela imprensa local.

O pintor Grimm implantou o ensino da pintura de paisagem ao ar livre no Rio de Janeiro em 1884, na Academia de Belas Artes, contra a vontade dos acadêmicos. Dois anos depois, seu contrato não foi renovado, e Grimm deixou a Academia, seguido por sete discípulos fiéis que o acompanharam até a praia de Boa Viagem, em Niterói — dentre eles, Castagneto e Parreiras, que desenvolveram a própria técnica de pintura ao ar livre nos anos seguintes. Castagneto era especialmente rápido ao pintar.

Nas décadas de 1890 e 1900, Visconti, os irmãos Arthur e João Timóteo da Costa e o casal Georgina e Lucílio de Albuquerque viajaram à França com prêmios e bolsas governamentais, lá testemunhando a consagração do Impressionismo. De volta ao Brasil, desenvolvem a pintura rápida de paisagem ao ar livre, já sabendo sobre a técnica impressionista. Visconti, por exemplo, foi chamado de impressionista em 1898 pela imprensa brasileira. Aqui praticaram o Impressionismo também Antônio Garcia Bento, Mário Navarro da Costa e Henrique Cavalleiro.

Comércio de material de pintura no Rio de Janeiro

Na década de 1880, o mercado de materiais para pintores se multiplicou por cinco no Rio de Janeiro, contemplando o comércio das novas cores industriais de tinta a óleo, que permitiam uma nova complexidade para a pintura rápida ao ar livre.

Reunimos aqui um mapeamento da expansão do comércio de tintas e materiais para pintura no Rio de Janeiro entre 1844 e 1889. A cidade era então corte imperial, mantendo permanente relação comercial com a Europa, o que possibilitava o suprimento de novidades industriais, como as novas cores de tinta a óleo em tubo metálico. Outra novidade eram os pincéis com anel metálico para fixar os pelos ao cabo: o inovador pincel chato permitia aplicar tijolos de tinta espessa.

Os materiais comercializados no Rio de Janeiro incluíam, ainda, itens específicos para pintura ao ar livre, como caixas portáteis, bancos dobráveis e guarda-sóis.

O uso de material industrial para pintura no Brasil é exemplificado pelo legado de Antônio Parreiras, mantido pelo Museu com seu nome, em Niterói.

Felipe Chaimovich

Serviço
O impressionismo e o Brasil
Curadoria: Felipe Chaimovich
Abertura: 16 de maio de 2017, 20h
Visitação: 17 de maio até 27 de agosto de 2017
Entrada: R$ 6,00 – gratuita aos sábados
Local: Museu de Arte Moderna de São Paulo – Grande Sala
Endereço: Av. Pedro Álvares Cabral, s/no – Parque Ibirapuera (portões próximos: 2 e 3)
Horários: terça a domingo, das 10h às 17h30 (com permanência até as 18h)
T +55 11 5085-1300
atendimento@mam.org.br
Para mais informações, clique aqui.

Qual é o futuro da comida? À medida que enfrentamos desafios ecológicos crescentes, o debate sobre as estratégias para alimentar a humanidade deve envolver artistas, desenhistas industriais e cientistas numa colaboração criativa. O grupo inglês Bompas & Parr tomou essa iniciativa há dez anos, e eles trazem ao Brasil pela primeira vez o mundo que inventaram.

Sam Bompas e Harry Parr são ao mesmo tempo os sócios por trás da firma que leva seu nome e os personagens que aparecem em banquetes, filmes, museus, livros e eventos excêntricos pelo mundo todo. Para desenvolver sua poética, eles têm trabalhado com diversos profissionais, tais como músicos, historiadores da alimentação, cientistas acadêmicos, artistas contemporâneos, desenhistas industriais de bebida e comida e desenhistas gráficos. O resultado é um conjunto singular de trabalhos que estão redefinindo a relação entre arte e comida.

A “Cidade da Língua” é composta por uma série de instalações que tratam do passado, do presente e do futuro da comida. As instalações estão arranjadas como partes de uma cidade inglesa com a típica arquitetura do século quinze. A atmosfera evoca o crepúsculo, com todas as aparições misteriosas trazidas pela noite que se aproxima. A comida é experimentada de diversas maneiras: por meio do paladar, do cheiro, do toque, da visão e da audição. O passado da alimentação é apresentado por meio de uma coleção de objetos e imagens. O presente aparece como o mundo de Bompas & Parr. O futuro é explorado na “Farmácia”, com trabalhos que miram o campo da ficção científica.

Todos os temas da “Cidade da Língua” são tratados num estilo característico: fantasia, festa e o típico senso de humor britânico. Assim, trazemos a arte e a gastronomia celebrando uma década de Bompas & Parr.

Felipe Chaimovich
Curador





Há cem anos, São Paulo assistia à inauguração da Exposição de pintura moderna Anita Malfatti, evento que alteraria para sempre o curso da história da arte no Brasil. Do conjunto ali reunido, chamavam especial atenção as paisagens construídas por meio de manchas de cores fortes e contrastantes, e, nos retratos, os enquadramentos insólitos, as deformações anatômicas, o colorido não naturalista. As extravagâncias expressivas – aos olhos dos matutos que, até então, só haviam tido contato com pinturas acadêmicas ou muito próximas disso – sinalizavam o impacto que a arte de vanguarda tivera sobre a artista durante o período de aprendizado na Alemanha (1910-1914) e nos Estados Unidos (1915-1916).

Inicialmente, a mostra foi recebida com assombro e curiosidade: a visitação foi intensa, e Anita chegou a vender oito quadros. Mas a crítica de Monteiro Lobato “A propósito da exposição Malfatti” – posteriormente conhecida como “Paranoia ou mistificação?” – ecoou de forma negativa e, a partir de então, o nome de Anita ficou associado àquele do criador do Sítio do Pica-pau Amarelo. Cristalizou-se a ideia de que ela nunca se recuperaria desse incidente e que seu breve apogeu teria sido seguido de uma dolorosa e definitiva decadência.

Após um século deste marco, já é tempo de reexaminá-lo à luz de uma abordagem ampliada do modernismo, principalmente porque a contribuição de Anita para a história da arte moderna brasileira não se resumiu às inovações formais que apresentou em 1917. Em vista disso, Anita Malfatti: 100 anos de arte moderna inclui pinturas e desenhos que pontuam diversos momentos da produção desta artista, sempre sensível às tendências artísticas a sua volta. Para além do belíssimo conjunto expressionista que a consagrou como estopim do modernismo brasileiro, a exposição apresenta paisagens e retratos de períodos posteriores, como as refinadas pinturas naturalistas das décadas de 1920 e 1930, e aquelas mais próximas à cultura popular, presente nos trabalhos dos anos 1940 e 1950.

A celebração de cem anos de arte moderna no Brasil é uma excelente ocasião para rever o legado de Malfatti como artista pioneira – inspiradora da Semana de Arte Moderna de 1922 –, cuja atualidade se prolongou tanto no radicalismo com que se lançou ao retorno à ordem, na década de 1920, quanto na ousadia com que se apropriou da “maneira popular”, nos últimos anos de vida. Trata-se, sem dúvida, de uma artista ímpar, sintonizada com seu tempo e com diferentes aspectos de um modernismo que ajudou a construir.

Regina Teixeira de Barros
Curadora





Comemorando 70 anos da abertura da Galeria Domus em 5 de fevereiro de 1947, esta exposição apresenta obras do acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo, cujos autores frequentaram a galeria.

Em cinco anos, a Domus organizou 91 exposições, sendo pioneira em privilegiar artistas do modernismo brasileiro e da geração que os sucedeu, como indicava sua exposição inaugural.

Transformada em ponto de reunião de intelectuais e artistas, favoreceu a mobilização da classe na divulgação da produção artística, estimulando estratégias de publicidade e foco da crítica, como o lançamento da revista Artes Plásticas.

Na exposição Pintura Paulista no Rio de Janeiro em 1949, mobilizou 188 obras, postas à apreciação da imprensa e do público carioca – iniciativa destinada a levar os artistas para fora de seu território e ampliar o mercado.

Dos participantes dessas exposições, a maioria voltou a se apresentar em individuais ou em grupos, como ocorreu com Alfredo Volpi, Mario Zanini, Rebolo Gonsales e Paulo Rossi Osir.

Estrangeiros em trânsito ou vindos definitivamente para o Brasil, como Danilo Di Prete, Gerda Brentani, Samson Flexor e Anatol Wladyslaw, buscaram na Domus o primeiro contato com o público paulistano.

Raphael Galvez e Emídio de Souza tiveram na galeria suas primeiras exposições individuais; Lívio Abramo, foi frequente e próximo da casa desde a primeira exposição; Oswaldo Goeldi lá mostrou seu primeiro conjunto de obras em São Paulo.

Em homenagem aos críticos atuantes nesse período, Sérgio Milliet é mostrado na faceta menos conhecida de pintor.

As iniciativas da Domus lograram conjugar o propósito comercial com a repercussão crítica, tornando mais conhecidos seus artistas e provocando a discussão das características da arte paulista naquele período.

Esta exposição, recolocando em perspectiva histórica esse conjunto de obras, estimula a análise de sua significação e potência no panorama da arte brasileira.

José Armando Pereira da Silva
Curador





Essa instalação espelha as águas do Córrego do Sapateiro, que passa do lado de fora do MAM. Faço a transposição sonora do rio para dentro do museu.

O fluxo transitório do corredor imita a água corrente, como uma paisagem sonora por onde corre livre o rio, molhando os ouvidos de quem passa.

Na penumbra, nossa atenção se concentra na música das águas, que refresca o ambiente. O espelho no teto inverte a posição do córrego, alterando o ponto de vista e pingando uma gota de vertigem.

O Córrego do Sapateiro, antigo Rio das Pedras, tem aproximadamente 6 km de extensão, nasce na Vila Mariana (entre as ruas Rio Grande e Dr. Mário Cardim), atravessa as avenidas Ibirapuera e 23 de Maio, passa pelo parque, onde abastece os dois lagos, segue sob as avenidas Santo Amaro e Juscelino Kubitschek e desemboca no Rio Pinheiros. Canalizado na década de 1960, o seu leito segue preservado dentro do parque Ibirapuera, ao lado do museu.

Marcia Xavier
Artista


No corredor de acesso à Grande Sala do museu, a instalação 3D Bandes Décimées brinca com diferentes formas abstratas feitas de forma invertida aos cálculos precisos usados pelo artista François Morellet.

Para ocupar o Projeto Parede do segundo semestre de 2016, o Museu de Arte Moderna de São Paulo apresenta a instalação 3D Bandes décimées, de autoria do artista François Morellet, reconhecido pela atuação na arte cinética e morto no último dia 11 de maio, aos 90 anos, em Paris. Originalmente, o francês criou a obra em duas partes: em uma parede fez uma sequência repetida de sobreposição de linhas com um sistema matemático calculado e rigoroso; na outra parede, essas sequências são replicadas de forma invertida e negativa, criando formas aleatórias e abstratas. No MAM, apenas a parede de desenhos será apresentada no corredor de acesso entre o saguão de entrada do público e a Grande Sala do museu a partir do dia 20 de junho e permanece no espaço até 18 de dezembro.

Em vídeo, o artista declarou que amava essa obra pela precisão apresentada. Ao fazer um emparelhamento improvável, Morellet conseguia combinar brincadeiras com sistemas matemáticos rigorosos. “Calculando a sequência de linhas, eu não imaginava a variedade de formas que seriam criadas, o que causa diversos pensamentos e criações de histórias sobre cada uma delas por parte do observador”, disse o artista em vídeo gravado no ano passado quando inaugurou a obra na mostra DASH DASH DASH, que reuniu trabalhos novos e históricos na galeria Blain|Southern, em Berlim, na Alemanha.

Destaque da arte cinética, François Morellet trabalhou com formas geométricas ao longo de toda carreira. Embora tenha usado grande variedade de meios e técnicas, o interesse por linhas, grades e a harmonia de linhas dentro do espaço sempre foram uma constante. Ao empregar o construtivismo e sistemas matemáticos, o artista jogava com expectativas visuais, onde planos e linhas são inclinadas, a simetria é perturbada e a geometria é alterada.

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Circuito das águas

Trinta metros de canos plásticos, uma pia de alumínio, um hidrômetro. Esses materiais estão articulados em um circuito longo e estrito, formando um retângulo que se interrompe pelo fluxo contínuo de um líquido escuro. Estrutura simples, desenho mínimo, crítica direta: assim é Águas negras, instalação Nicolás Robbio no Projeto Parede.

Radicado em São Paulo há anos, o argentino Nicolás Robbio tem seu trabalho alicerçado no desenho. Ele não entende o desenho como um traçado, mas como linha que pode se apresentar gráfica ou materialmente, ou ainda pela sombra projetada de algum objeto. Em suas instalações, a combinação de objetos e linhas se fecham em circuitos capazes de representar o que não pode – ou não deve – acontecer de verdade, como água jorrando em plena crise hídrica.

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Paisagem na coleção do MAM
Curadoria Felipe Chaimovich
Onde: Galeria de arte do Instituto CPFL, em Campinas
Visitação: 10 de maio a 02 de julho

O curador Felipe Chaimovich selecionou 70 obras de 53 artistas brasileiros consagrados que integram o acervo, da década de 1930 até os dias atuais; entre os artistas, estão Volpi, Tarsila, Pancetti, Di Cavalcanti, Vânia Mignone, Rodrigo Andrade, Leda Catunda e Leonilson, e muitos outros.

Saiba mais sobre a mostra Paisagem na coleção do MAM no Instituto CPFL aqui.

MAM retrata corpos indomáveis e histéricos na exposição O útero do mundo

A curadora Veronica Stigger selecionou cerca de 280 obras de 120 artistas contemporâneos em que o corpo aparece como lugar de expressão de um impulso desvairado e que se apresenta transformado, fragmentado, deformado, sem contorno ou definição. São pinturas, desenhos, fotografias, esculturas, gravuras, vídeos e performances do acervo do museu de nomes como Lívio Abramo, Farnese de Andrade, Claudia Andujar, Flávio de Carvalho, Sandra Cinto, Antonio Dias, Hudinilson Jr., Almir Mavignier, Cildo Meireles, Vik Muniz,Mira Schendel, Tunga e Adriana Varejão

A partir de 5 de setembro, o Museu de Arte Moderna de São Paulo apresenta a exposição O útero do mundo, que reúne cerca de 280 obras pertencentes ao acervo do MAM que mostram a indomabilidade e as metamorfoses do corpo. Com curadoria da escritora e crítica de arte Veronica Stigger, as produções selecionadas – num universo de mais de cinco mil trabalhos da coleção do museu – são de variados suportes como fotografia, pintura, vídeo, gravura, desenho, escultura e performance de mais de 120 artistas que revelam um corpo que não respeita a anatomia e liberto de amarras biológicas e sociais. Baseada na proposição dos surrealistas de compreender a histeria como uma forma de expressão artística, a apurada seleção da curadora faz um elogio à loucura, ilustrando esse “corpo indomável” que, embora reprimido pela humanidade, manifesta-se no descontrole, na histeria e na impulsividade.

Para organizar a mostra, a curadora recorreu a três conceitos extraídos da obra da escritora Clarice Lispector que servem como fios condutores que separam os trabalhos nos núcleos Grito ancestral, Montagem humana e Vida primária. Segundo Veronica, a autora naturalizada brasileira retomou com brilho o elogio ao impulso histérico. “Clarice organizou um pensamento simultâneo da forma artística e do corpo humano como lugares de êxtase e de saída das ideias convencionais, tanto da arte quanto da própria humanidade”, afirma. São exibidas, conjuntamente, obras de artistas celebrados como Lívio Abramo, Farnese de Andrade, Claudia Andujar, Flávio de Carvalho, Sandra Cinto, Antonio Dias, Hudinilson Jr., Almir Mavignier, Cildo Meireles, Vik Muniz, Mira Schendel, Tunga, Adriana Varejão e muitos outros, além de duas performances de autoria de Laura Lima.

Grito Ancestral

Abrindo a mostra, Grito ancestral contém obras que representam uma série de gritos. “É como se esse som, anterior à fala e à linguagem articulada, atravessasse os tempos e rompesse com as próprias imagens”, explica a curadora. “O grito se contrapõe à ponderação e pode ser visto como indício de loucura. Gritar é, em certa medida, libertar-se das frágeis barreiras que delimitam aquilo a que convencionamos chamar de ‘cultura’ em oposição à ‘natureza’ e ao que há de selvagem e indomável em nós”, afirma. Nessa área estão expostos três autorretratos da série Demônios, espelhos e máscaras celestiais, de Arthur Omar, artista com trabalhos que demonstram estados alterados de percepção e de exaltação. Também fazem parte a fotografia O último grito, de Klaus Mitteldorf; a colagem Medusa marinara, de Vik Muniz; fotos de performances de Rodrigo Braga; a gravura Mulher, de Lívio Abramo; além de imagens em preto e branco de Otto Stupakoff. Com a série Aaaa…, a artista Mira Schendel apresenta uma escrita que não constitui palavras ou frases e em que se percebe a desarticulação da linguagem e uma volta ao estado mais bruto e inaugural.

Montagem humana

Neste nicho são apresentados corpos fragmentados, transformados, deformados e indefinidos, o que prova a indomabilidade do mesmo. Na exposição é percebido como o traço se convulsiona nas obras intituladas Mulheres, de Flávio de Carvalho, nos desenhos de Ivald Granato e nas produções de Tunga, Samson Flexor e Giselda Leirner. Nas fotografias, é a falta de foco que borra o contorno da figura nas imagens de Eduardo Ruegg, Edouard Fraipont e Edgard de Souza. Com o uso da radiologia, é possível verificar o interior do corpo humano nas obras de Almir Mavignier e Daniel Senise. Destacam-se ainda as fotografias feitas por Márcia Xavier, um desenho de Cildo Meireles e as produções que misturam imagens, couro e madeira de Keila Alaver que representam, literalmente, corpos transformados e fragmentados.

Vida Primária

Este nicho dá vez às formas de vida mais elementares, como fungos, flores e folhagens. “Este tipo de vida desestabiliza a percepção que temos da própria vida porque, de certa maneira, deteriora as coisas do mundo ‘civilizado’”, explana Veronica. Isso é ilustrado na série Imagens infectas, de Dora Longo Bahia, em que um álbum de família é alterado pela ação de fungos. Em Vivos e isolados, Mônica Rubinho usa papéis propositalmente fungados em placas de vidro para promover a geração desta espécie. No vídeo Danäe nos jardins de Górgona ou Saudades da Pangeia, Thiago Rocha Pitta propõe uma leitura mitológica da vida primária. Ainda são exibidas partes do corpo como o coração feito de bronze, de autoria de José Leonilson, e a foto Umbigo da minha mãe, de Vilma Slomp. A vagina, porta de entrada e de saída do útero, é mostrada em diversos trabalhos como nas gravuras de Rosana Monnerat e de Alex Flemming, nas fotografias da série vulvas, de Paula Trope e no desenho Miss Brasil 1965, de Farnese de Andrade.

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Com curadoria de Aracy Amaral e assistência de Paulo Portella Filho, a mostra traz 74 obras em menores dimensões que serviam como estudo antes do artista pintar as grandes telas. Os trabalhos, das décadas de 1930 a 1970, pertencem à coleção de Ladí Biezus

Mostrar uma faceta diferente de um artista tão aclamado e reconhecido como grande mestre da pintura brasileira do século XX: esse é um dos objetvos da mostra Volpi – pequenos formatos, que o Museu de Arte Moderna de São Paulo apresenta a partr de 20 de junho. São exibidas 74 obras de Alfredo Volpi (1896-1988), entre telas e desenhos sobre papel e azulejos feitos em menores dimensões, em média de 30×20 cm, que serviam como estudo antes que pintasse as telas maiores. Todos os trabalhos pertencem ao colecionador Ladí Biezus, que coleciona pinturas de todas as fases da carreira do artista.

Com curadoria de Aracy Amaral e assistência de Paulo Portella Filho, a exposição abrange pinturas realizadas desde os anos 1930 até o fnal da década de 1970, passando pelo período impressionista inicial, da fase dos casarios, pelo período do abstracionismo geométrico das

fachadas até chegar as fases finais como das bandeirinhas e das ogivas. “Toda a riqueza de estudos cromáticos de Volpi aparece na seleção como uma faceta nem sempre acessível ao olhar de interessados das novas gerações, que poderão apreciar um pouco da intimidade do processo de trabalho do grande pintor, ” afirma a curadora.

Segundo Portella, as obras são expostas com orientação cronológica para favorecer a compreensão do desenvolvimento temporal da linguagem do artsta. “A produção de Volpi tem referenciais temáticos distintos com a passagem do tempo. Obedecendo a essa sequência natural, primeiro são apresentados os trabalhos da juventude do artista, com cenas do cotidiano urbano do bairro Cambuci, em São Paulo, obras que já sinalizam compromisso com a cor e a organização espacial”, explica o curador. “Também pode-se notar que a figura humana, presente nesse período, aos poucos desaparece da produção”.

Na sequência, são exibidas as obras dos anos 40 que se caracterizam pelas paisagens urbanas e marinhas das cidades de Mogi das Cruzes e Itanhaém (locais importantes para o artista), além de crianças e imagens de caráter religioso. Continuando o fluxo do percurso, as décadas de 50, 60 e 70 focam em obras de caráter não figuratvo e geometrizante. “É neste segmento que se encontram as famosas pinturas de casarios e fachadas arquitetônicas que sinalizam a redução à essencialidade formal e nada realista, ” complementa Portella.

Concebido pelo arquiteto Vasco Caldeira, o ambiente expográfco da Sala Paulo Figueiredo dá destaque as obras com a proposta de privilegiar o rigor e a simplicidade. Apresentados em pequenos grupos, intercalados com textos da curadoria, há trabalhos em têmpera sobre papel, cartão e tela; óleos sobre madeira e sobre cartão; guouache sobre papel; desenho sobre cartão; pastel sobre cartão, pintura sobre azulejo e óleo sobre tela colado em cartão. As pinturas são acondicionadas em molduras e os desenhos ocupam uma vitrine junto com o conjunto de azulejos. A exposição tem patrocínio do Banco Bradesco.

Destaques e diferenciais

Entre as obras apresentadas, destacam-se os oito desenhos a grafite, que, segundo o colecionador Ladí Biezus, serviam inegavelmente como estudos antes de fazer um quadro.

“Esse rascunho ficava tão bom que as pessoas imploravam para comprar. Eu mesmo adquiri alguns no mercado, mas como eles foram feitos com lápis a grafite, infelizmente, o desenho se sublima, então eles vão desaparecendo, o que é uma grande pena porque são lindíssimos”,

explana o colecionador. Os desenhos exibidos pertencem a décadas distintas, sendo um dos anos 40 – que é um estudo para azulejo-, além de três da década de 50; mais três dos anos 60 e, por fim, dois da década de 70.

Outro diferencial da mostra é a exibição de quatro pinturas sobre azulejos que Volpi produziu, nos anos 40, para a Osirarte, empresa de azulejaria de Paulo Rossi Osir, que executava encomendas para arquitetos e artstas. Para dar conta dos pedidos e ampliar o mercado, Osir contou com a colaboração de experientes no trabalho artesanal. Mario Zanini é o primeiro a integrar a equipe, seguido por Alfredo Volpi, que transformou-se numa espécie de “chefe” do ateliê-oficina ao solucionar problemas plásticos e técnicos. Na época, o processo utlizado era a do baixo esmalte, em que a pintura era feita sobre o azulejo não esmaltado. Depois, o desenho era feito sobre a superfície porosa, que absorvia a tinta com extrema rapidez e exigia elevada exatidão do traço.

Um fato importante é que Volpi não datava os trabalhos, mas sua produção tem períodos específicos bem distintos. Assim, os especialistas referem-se a eles como oriundos de décadas. “Os estudiosos debruçam-se sobre a obra do mestre para tentar datar, todavia, é muito complexa essa identifcação porque Volpi recorria frequentemente a temas já estudados deslocando-os temporalmente. Assim é comum ver as distinções como ‘produção de início dos anos 60’, ou ‘meados dos anos 50’ e ainda ‘fm da década de 70’ ”, declara Portella.

Coleção Ladí Biezus

O colecionador, engenheiro de formação, iniciou o acervo quando montou um apartamento e optou pela decoração com obras de estlo arquitetônico. Assim, num evento em homenagem a Tarsila do Amaral, conheceu Volpi e começou a frequentar o ateliê do artista. O acervo, então, começou com a aquisição de um quadro de uma marina. Depois, foi uma tela de bandeirinhas em tons de roxo e preto até chegar a grande quantidade de obras que possui hoje, que são de todas as épocas da produção do artista, de pequenas e de grandes dimensões, expostas lado a lado pelas paredes da casa de Ladí Biezus.

No início, a preferência do colecionador era pelos quadros feitos no final dos anos 1940, em que eram retratadas as marinas. Depois, as fachadas foram o ponto alto da coleção, pelo lado metafísico, quase sombrio, e com poucas cores e formas. As bandeirinhas, da década de 60, passaram a ser as favoritas por serem mais coloridas e infantis. Hoje, o colecionador considera-se aficionado pelos pequenos estudos por retratarem a inocência e a livre tentativa de acerto.

“Foi uma atração irresistvel porque as telas menores comunicam um momento de criação e de total espontaneidade, sem nenhuma solenidade, onde predomina a inocência e um Volpi mais brincalhão” relembra.

Ladí Biezus ainda relembra que nunca pressionou Volpi para pintar alguma coisa específca ou sob encomenda. Por isso, a maioria dos quadros que possui não veio diretamente do artista e sim comprados no mercado, inclusive os estudos que são o foco desta exposição. “O Volpi era extremamente pressionado pelos marchands e colecionadores, mas ele tinha uma autonomia enorme, pintava para quem quisesse e como quisesse, com aquele rigor pessoal e explosão de cores que só ele tinha”, relembra.

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Legenda das obras (da direita para esquerda): Alfredo Volpi. Sem título, déc. 1970 [1971]. Têmpera sobre cartão, 44 x 22 cm.  Alfredo VolpiSem título, déc. 1950. Têmpera sobre madeira, 49,5 x 14 cm. Alfredo VolpiSem título, déc. 1960. Têmpera sobre cartão. 23 x 32 cm. Alfredo Volpi. Sem título, déc. 1970 [1971]. Têmpera sobre tela, 24,5 x 33 cm. Alfredo VolpiSem título, déc. 1970. Têmpera sobre tela, 32,5 x 23,5 cm.

O Museu de Arte Moderna de São Paulo apresenta a mostra Clube de Gravura: 30 anos, com a exposição das 173 obras produzidas em três décadas por artistas de variados perfis e gerações. Desde 1986, o Clube de Colecionadores de Gravura do MAM cumpre o objetivo de fomentar o colecionismo brasileiro ao permitir que um grande número de interessados possa se associar e adquirir trabalhos de arte, incentivando também a produção artística. Em todos esses anos, o Clube viabilizou a execução de projetos especiais desenvolvidos por artistas convidados e, simultaneamente, ampliou o acervo do museu. Com curadoria de Cauê Alves, também gestor do Clube desde 2006, a mostra é apresentada na Grande Sala até 21 de agosto.

Durante o percurso expositivo, o público pode apreciar diferentes orientações adotadas pela curadoria nesses 30 anos. “Em 2006 foi realizada uma exposição para celebrar os 20 anos do Clube, então, dessa vez, as obras feitas na última década possuem mais destaque, já que nunca foram expostas, ” explica o curador. Dividida por painéis, a mostra é organizada como se fosse uma biblioteca ou um grande arquivo, lembrando a casa de um colecionador em que algumas paredes são mais cheias, com mais obras lado a lado, e outros contam mais espaço de vazio e respiro, para melhor observação dos trabalhos. Com projeto expográfico do escritório Andrade Morettin, a exposição não é montada em ordem burocrática ou cronológica, mas sim numa relação estilística e harmoniosa, apesar de obras da mesma década estarem próximas.

Na história do Clube, nunca houve uma linha determinada que privilegiasse uma ou outra tendência. Desde o início, foram realizados trabalhos próximos ao abstracionismo lírico e ao construtivismo e, aos poucos, artistas que não tinham a gravura como o campo prioritário também foram convidados. A partir da segunda metade da década de 1990, o museu convidou artistas da geração dos anos 1980, como Ana Tavares, Cláudio Mubarac, Daniel Senise, Fábio Miguez, Leda Catunda, Mônica Nador e Nuno Ramos, já num período mais maduro de produções artísticas. Eles atuaram ao lado de artistas consagrados como Regina Silveira e Evandro Carlos Jardim, nomes fundamentais para o desenvolvimento da gravura no Brasil. “Em 1996, o Clube mudou de orientação: se antes participavam sólidos gravadores, aos poucos os convites foram direcionados àqueles que faziam uso de outros meios, como a pintura ou a escultura”, explica o curador.

Então, interessado em acertar o passo com as discussões da cena contemporânea, que questionava a própria definição de gravura, o MAM assumiu o papel de laboratório e lugar de experimentação e deu liberdade para o desenvolvimento de trabalhos que superassem os limites da linguagem. A fotografia, entre outras novas tecnologias, o carimbo, fundidas com técnicas tradicionais, permitiram a elaboração de uma noção mais híbrida e alargada de gravura. “Desde então, o Clube prioriza uma visão problematizadora do estatuto da gravura e continua a estimular uma produção que privilegia a discussão”, argumenta Alves.

Depois de profundas e variadas experimentações, o MAM passou a editar gravuras que se afastaram de objetos tridimensionais como tinham sido os trabalhos de Iran do Espírito Santo, Sandra Cinto, Mabe Bethônico, Dora Longo Bahia e Jac Leirner. Porém, o Clube nunca deixou de investir na reflexão de problemas atuais da arte e que investigam os limites da gravura, seja herdando questões da pintura (como no caso de Cássio Michalany, Fábio Miguez, Hélio Cabral, Paulo Pasta e Tomie Ohtake) ou desdobrando questões de pesquisas (como José Damasceno, Cildo Meireles, Waltercio Caldas e Antonio Dias).

Ao longo da história, o Clube não deixou de convidar artistas com pesquisas consistentes em xilografia como os trabalhos de Fabrício Lopez (2010) que são impressos artesanalmente e gravados em grandes tábuas. Fernando Vilela, que possui sólida pesquisa em gravura, realizou Cidade (2014), trabalho em que fundiu a fotografia com a xilogravura. A imagem fotográfica também é um dos eixos curatoriais. Albano Afonso, Iole de Freitas e Nazareth Pacheco estão entre os que aumentaram a relação entre fotografia e gravura. Já a pintura e a escultura contribuíram no alargamento das linguagens. Enquanto Rodrigo Andrade se dedicou à gravura em metal na obra Estrada (2013), Paulo Monteiro mirou a serigrafia com a experiência da pintura com os objetos de chumbo em O miolo da coisa massa (2011).

Com o passar dos anos, o Clube de Gravura trouxe produções de artistas como Brígida Baltar, Cinthia Marcelle, Cristiano Lenhardt, Ernesto Neto, Laura Lima, Nino Cais, Jarbas Lopes, Rivane Neuenschwander e Tatiana Blass. Assim como convidou nomes mais experientes como Paulo Bruscky, Milton Machado e Nelson Felix. A maioria se interessou por caminhos experimentais em relação à gravura. A curadoria ainda explorou fronteiras ao convidar artistas que promovem contato entre noções de gravura e tradições distintas. Marepe, com suas cenas típicas do nordeste, apropriou-se de elementos como trouxas e barracas de camelô para refletir sobre o contexto dos itens. Ao retratá-los com carimbos infantis, os itens transformam-se em outras imagens, subvertendo o caráter burocrático do carimbo.

Convidada para realizar um livro/objeto, Elida Tessler desenvolveu Phosphoros (2014), a partir do romance Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, uma ficção científica em que livros e pensamento crítico são proibidos. O título é referente ao grau 451, temperatura da queima de papel na escala Fahrenheit. A artista gravou a laser numa placa de madeira todos os autores de um lado e títulos citados no outro. Cada uma das 122 obras é representada por um palito de fósforo numa caixa. O colecionador tem a possibilidade de queimar os palitos, mas isso significa destruir uma gravura e eliminar uma referência literária.

O engajamento político está presente, por exemplo, na poética de Lourival Cuquinha (2015), que trabalhou com imigrantes vindos de países africanos e da América Latina e que atuam como vendedores ambulantes. Tratados como cidadãos de segunda classe, desvalorizados e quase invisíveis, eles ganham visibilidade na gravura de Cuquinha, que adquiriu todas as mercadorias de cada um dos cem imigrantes escolhidos, tirou uma foto de frente e de costas da pessoa e as imprimiu em placas de cobre. A mercadoria adquirida, cujo valor é equivalente ao da placa onde o retrato está impresso, também compõe a peça final.

Sob a gestão de Cauê Alves, nos últimos dez anos, o Clube realizou ações para divulgar e refletir sobre a coleção de gravuras do MAM. A proposta da curadoria foi a de continuar com nomes consagrados ao lado de apostas, além de dar espaço para artistas reconhecidos no circuito, mas que não tenham ligação com a gravura. “O critério de orientação é sempre a qualidade dos trabalhos dos convidados. Por isso, os colecionadores assumem os riscos e os dividendos de ter trabalhos de arte pertencentes no acervo do museu em mãos”, avisa Cauê. “São raras iniciativas duradouras como a do Clube de Gravura, o que indica que, além de bem estruturado, possui relevância cultural, seja contribuindo na formação de coleções de arte, seja para o debate sobre a gravura e sobre as artes em geral”, finaliza o curador.

Como funciona
Nos Clubes de Colecionadores do MAM, os sócios recebem, a cada ano, cinco obras especialmente criadas por nomes prestigiados e selecionados pelos curadores responsáveis em conjunto com a curadoria do museu, o que confere credibilidade à aquisição. As obras são produzidas em tiragens de 100 exemplares, que são entregues aos sócios com certificado de autenticidade. Para participar do Clube de Gravura ou de Fotografia, os interessados se associam anualmente a um deles e, no final do ano, recebem as cinco gravuras ou as cinco fotografias. A edição é de 117 obras numeradas, das quais cem são distribuídas aos associados, duas são doadas ao acervo do MAM, três são destinadas ao Clube de Colecionadores, além de dez entregues ao artista e duas aos curadores dos clubes.

Histórico
Com apoio de artistas e sob a iniciativa da argentina Maria Pérez Sola, é fundado o Clube de Colecionadores de Gravura do MAM, em 1986. O Clube, que surge no ano seguinte ao da criação do Departamento de Artes Gráficas do museu, foi fundamental para a manutenção de atividades do novo setor e incentivar as artes gráficas. Iniciando as atividades na época da reabertura política e a redemocratização do País, após 20 anos de ditadura militar, o Clube sempre teve o objetivo de fomentar o colecionismo e incentivar a produção artística. Pérez Sola fica a frente da iniciativa até 1989, dando lugar a Liliana Lobo Ferreira, recém-chegada de Londres, onde estudou gravura na Slade School of Fine Arts. Em 1997, sai Liliana e entra Salete Barreto de Abreu, que assume até 2001. Com Tadeu Chiarelli como curador-chefe do museu, entre 1996 e 2000, o Clube passou por significativas transformações. Desde 2005, Fátima Pinheiro coordena os Clubes de Gravura e de Fotografia. Desde 2006, Cauê Alves é o curador, que para este ano escolheu artistas de peso no cenário nacional como Lenora de Barros, Nelson Felix, Cristiano Lenhardt e Brígida Baltar, além do argentino Jorge Macchi.

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Arte é educação. A afirmação, bastante citada em espaços culturais, é oportuna para refletirmos sobre como esses conceitos têm sido compreendidos de forma restrita: muitas vezes a palavra educação remete apenas à escolarização e à apropriação de conteúdos, e a arte, apenas à produção de objetos.

Na contramão desse entendimento limitante, a presente mostra propõe situações de investigação e de encontro que partem da premissa de que todas as relações podem ser pedagógicas e de que as manifestações artísticas permitem imaginar o possível e o impossível, transcendendo a mera materialidade das obras e afetando a cultura e a sociedade. Assim, reunimos artistas que trabalham processos educativos na sua produção: as relações envolvidas no aprender e no ensinar são a matéria-prima de obras que se desenvolvem com a ação dos visitantes.

O patrono da educação brasileira Paulo Freire afirmou que “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. Adicionamos a essa reflexão a célebre afirmação do artista Hélio Oiticica: “O museu é o mundo” e, com as obras Expediente, de Paulo Bruscky, e Café Educativo, de Jorge Menna Barreto, ambas pertencentes ao acervo do museu, deslocamos para esta sala os educadores do MAM, que ficarão em contato permanente com o público durante toda a exposição.
Comemoramos, assim, os vinte anos do Setor Educativo do MAM, que tem se caracterizado pela acessibilidade dos mais diversos públicos às mostras e ao cotidiano do museu, e pela reflexão contínua sobre a missão pedagógica das instituições culturais.

Daina Leyton e Felipe Chaimovich
Curadores

educacao

Inspirada no Cântico das Criaturas, de Francisco de Assis, mostra apresenta obras de artistas que utilizam elementos da natureza numa relação colaborativa

A partir de 27 de fevereiro, o MAM apresenta a exposição Natureza franciscana, que oferece uma noção contemporânea da relação colaborativa entre o ser humano e a natureza. Com curadoria de Felipe Chaimovich, a mostra é organizada a partir das estrofes doCântico das Criaturas, canção escrita por Francisco de Assis, provavelmente entre 1220 e 1226, reconhecida como texto precursor das questões referentes à ecologia.

Para contemplar a linha de arte e ecologia, o curador selecionou artistas que utilizam elementos da natureza em suas produções, reunindo 18 obras da coleção do museu somadas a 19 empréstimos, totalizando 37 trabalhos que são exibidos em diferentes suportes como fotografia, desenho, gravura, vídeo, livro de artista, instalação, obra sonora, objeto, escultura e bordado. “As obras originam-se de relações com os elementos descritos no Cântico: sol, estrelas, ar, água, fogo, terra, doenças e atribulações e, por fim, a morte”, explica Chaimovich, estudioso da obra de Francisco de Assis há 15 anos.

Sobre a exposição

Dividida conforme os elementos citados na canção Cântico das Criaturas, de Francisco de Assis, a mostra começa com o solrepresentado pela fotografia em cores Lâmpada (2002), da artista Lucia Koch, ao lado das fotografias em preto e branco The celebration of light (1991), de Marcelo Zocchio, e dos 12 livros da série I got up (1968-1979), do japonês On Kawara.

O elemento água é tematizado pelas fotografias A line in the arctic #1 e A line in the arctic #8 (2012), do paulistano Marcelo Moscheta, e pelas obras relacionados ao projeto Coletas, da artista multimídia Brígida Baltar, que incluem imagens da série A coleta da neblina(1998-2005), cinco desenhos de nanquim sobre papel (2004), a escultura de vidro A coleta do Orvalho (2001) e o vídeo Coletas (1998-2005).

Em contraponto, o fogo é simbolizado pelo vídeo Homenagem a W. Turner (2002), de Thiago Rocha Pitta, e pelos vestígios de fumaça sobre acrílico e sobre papel feitos pela escultora e desenhista Shirley Paes Leme. O elemento ar fica a cargo da escultura Venus Bleue,do artista francês Yves Klein. As estrelas são apresentadas por meio de sete fotografias do alemão Wolfgang Tillmans. Representando a terra, são expostas 30 caixas de papelão cheias de folhas e galhos de árvore embalados em plástico, papelão e fotografias em cores, instalação feita em 1975, por Sérgio Porto, além do relevo em papel artesanal (1981), de Frans Krajcberg.

As doenças e atribulações são tematizadas pela instalação Dis-placement (1996-7), de Paulo Lima Buenoz: numa sala com mobiliário, frascos de remédio, rosas, lona, giz e tinta, o artista demonstra os caminhos percorridos por ele para alcançar e tomar todos os remédios para combater os efeitos da Aids, antes do surgimento dos coquetéis anti-HIV. A artista Nazareth Pacheco exibe série de fotografias em preto e branco, de 1993, que mostram a malformação congênita do lábio leporino, dentes, raio-x e objeto de gesso.

Por fim, a morte é representada pelo último tecido bordado por José Leonilson antes de falecer, em 1993. Permeando a exposição, a instalação sonora Tudo aqui (2015), da artista Chiara Banfi, alcança todo o espaço expositivo e abrange todos os elementos representados.

CÂNTICO DAS CRIATURAS

Altíssimo, onipotente, bom Senhor,
teus são o louvor, a glória e a honra e toda benção.
A ti só, Altíssimo, essas coisas
e nenhum homem é digno de te nomear.

Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas,
especialmente dom irmão sol,
que nos dá o dia e nos ilumina por ele.
E ele é belo e radiante com grande esplendor:
de ti, Altíssimo, ele traz significação.

Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã lua e pelas estrelas:
no céu tu as formaste claras e preciosas e belas.

Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão vento
e pelo ar e as nuvens e o tempo claro e todos os tempos,
pelos quais dás sustento a tuas criaturas.

Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã água,
que é muito útil e humilde e preciosa e casta.

Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão fogo,
pelo qual iluminas a noite:
e ele é belo e alegre e robusto e forte.

Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã a mãe terra,
que nos sustenta e governa
e produz diversos frutos com flores coloridas e plantas.

Louvado sejas, meu Senhor, por aqueles que perdoam pelo teu
amor e suportam doenças e atribulações.
Benditos aqueles que conservam a paz
Porque por ti, Altíssimo, serão coroados.

Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã a morte corporal,
da qual nenhum homem vivente pode escapar:
infelicidade para aqueles que morrem em pecado mortal;
benditos aqueles que estiverem fazendo a tua santa vontade
quando ela os surpreender,
porque a segunda morte não lhes fará mal.
Louvai e bendizei meu Senhor e agradecei
e servi-o com grande humildade.

Palavras do curador

Francisco de Assis pode ser considerado fundador da ecologia. Para ele, o ser humano tem uma relação de colaboração com os elementos naturais: a natureza não é subordinada aos interesses humanos. Embora o ser humano se posicione como uma parte singular da natureza, os demais elementos devem ser tratados por nós como membros de uma só família universal.

Francisco de Assis escreveu uma letra de música com suas ideias: o “Cântico das Criaturas”. Desde jovem ele cantava trovas de amor em francês. Nos últimos anos de sua vida, escreveu o “Cântico” na língua de sua terra natal, na Itália; nele, os diversos elementos naturais e as fases da vida são acolhidos como irmãos e irmãs.

Depois da morte de Francisco de Assis, em 1226, os Franciscanos incentivaram um novo olhar para o universo, enxergando nele traços de uma mesma geometria que uniria o pensamento humano aos elementos naturais. Os Franciscanos incentivaram a descoberta da perspectiva a partir dos estudos da geometria da luz e, assim, o nascimento da arte fundada no desenho em perspectiva.

Reunimos aqui artistas que colaboram com elementos da natureza e da vida em seus trabalhos. As obras estão agrupadas conforme as partes do “Cântico” de Francisco de Assis: sol, estrelas, ar, água, fogo, terra, doenças e atribulações, morte. A relação entre arte e ecologia torna-se evidente ao compreendermos a posição fundadora de Francisco de Assis em nossa cultura.

Felipe Chaimovich
Curador

natureza


A mostra é composta por 38 obras do acervo em diversas técnicas que exploram aspectos da dança e do movimento somada a uma residência da São Paulo Companhia de Dança (SPCD) para criar um universo experimental em que as peças dialogam com o repertório coreográfico, com objetivo de criar uma experiência única que visa a uma maior interação do público com o universo da arte.

Na Grande Sala são expostas as obras selecionadas pelo potencial de envolvimento com os princípios da coreografia como gravidade, desequilíbrio e flutuação. Alguns dos trabalhos selecionados ultrapassam a relação contemplativa com o espectador ao convidarem o público a agir. Os visitantes podem tocar e interagir com algumas das obras, criando situações de movimentação que transformam a mostra em um espaço de intensa interação corporal.

Neste clima, os bailarinos da São Paulo Companhia de Dança realizam duas apresentações, de meia hora de duração cada, em dias determinados, interagindo com as obras e com o público.

Nos períodos de intervalo, exibiremos filmes sobre a produção da São Paulo Companhia de Dança, bem como seus documentários sobre expoentes da dança no Brasil.

Inês Bogéa e Felipe Chaimovich
Curadores

Captura de Tela 2014-12-22 às 17.35.01

Projeto do artista Wagner Malta Tavares à partir da leitura do poema homônimo de Constatinos Kavafis.

Ao longo da parede pequenas lâmpadas de led de cor incandescente são colocadas a cada 50 cm de distância umas das outras formando numa espécie de régua.

A presença das pessoas muda o funcionamento da peça, pois sempre que alguém começar o caminho as luzes se apagam.

Essa mistura de tempos percorridos faz parte do trabalho pois a nossa relação com o correr do tempo também se modifica com a presença dos outros.

Captura de Tela 2014-12-22 às 17.35.12

Não se compreende a arte do pós-Segunda Guerra sem a figura incomparável de Piero Manzoni (1933-63) e sua brevíssima trajetória artística. Breve e intensa; ars longa, vita brevis, tal adágio cabe a poucos, como a ele. É o que se percebe hoje, meio século após sua morte. Ao longo de apenas cinco anos, de um lugar até então de pouca influência no contexto artístico europeu, Milão, foi capaz de irradiar, com sua presença e influência, um inédito movimento transformador e inovador. Manzoni não só criou uma obra polêmica, mas também fundou revista e galeria, participou de grupos e movimentos, escreveu manifestos e textos teóricos, cartas para artistas e galeristas, envolvendo uma grande rede de contatos e redesenhando a geografia artística europeia. Revive, assim, o espírito de uma vanguarda pan-europeia radical e experimental. Contra a inércia do passado e as contrafações do presente, pretendia retomar o fio da radicalidade artística europeia, tão desgastada por duas guerras, e reencontrar um solo comum que reunisse as tendências inovadoras que estavam em curso.

Manzoni tem a inventividade e a irreverência de um jovem, coisa ainda rara na Europa daqueles anos. É o típico artista/agitador/agregador das vanguardas históricas do início do século cuja figura retoma, em ação incansável e frenética, característica que manteve até o fim da vida. Foi provavelmente um dos últimos, senão o último, a representar esse papel na vida artística europeia. Seus trabalhos são claros, simples, afirmativos, inequívocos. A começar pela clareza do branco dos Achromes que tudo rejeita; toda ambiguidade e indefinição. Do mesmo modo, são os materiais que viria a usar – até mesmo a merda tem sua clareza. Merda d’Artista (1961) fez a fama de Manzoni. É, para ele, o que Fountain [Fonte] foi para Duchamp. Tornou-se o trabalho “assinatura”, indissociável de sua pessoa, a marca de sua personalidade artística e é, certamente, a obra de arte mais polêmica desde o pós-guerra.

Achrome (1957-63), Linea [Linha] (1959), Uovo [Ovo] (1960), Fiato d’Artista [Sopro de artista] (1960), Merda d’Artista (1961), Scultura vivente [Escultura viva] (1961), Base magica/Scultura vivente [Base mágica/Escultura viva] (1961), Socle du monde [Base do mundo] (1961), obras de sua fase “clássica”, formam uma sucessão lógica, ininterrupta e coerente, radical e poética, que poucos artistas podem reivindicar.

Sua morte precoce, além de transformá-lo em um dos maiores mitos da arte contemporânea, lança uma pergunta: para onde iria, se não tivesse morrido aos 29 anos? Manzoni traz para as novas gerações, antes de tudo, a marca de uma arte de espírito e audácia, com a exuberância e desprendimento da juventude, provocativa, mas feita com o rigor e a coerência de um jovem, que morreu jovem. Quanto mais se pensa a arte como atividade intelectual, como cosa mentale, mas também indissociável de uma prática histórica radical, o nome de Manzoni ressurge e se reafirma como um dos mais originais e influentes do século XX.

Paulo Venâncio Filho
Curador



Como o mundo aparece para nós? Por um lado, as obras de paisagem representam diversos lugares. Por outro, cada artista também se posiciona ao criar uma paisagem, pois figura um local a partir de seu ponto de vista. A paisagem mostra o encontro do artista com o mundo percebido por ele.

Entretanto, as obras de paisagem podem ser consideradas meros reflexos, como se a subjetividade do artista não fizesse parte de sua obra. Nas paisagens em perspectiva, nas fotos e nos filmes, temos a ilusão de ver diretamente a realidade, como se uma janela se abrisse para o mundo: esquecemos o enquadramento artificial e o ponto de vista escolhido.

Para romper com o ilusionismo da paisagem, vários artistas abandonaram as construções em perspectiva e as imagens fotográficas com profundidade visual para explorarem imagens planas. Em vez de janelas, aproximam-se dos mapas, evidenciando a artificialidade das próprias obras. Nesse sentido, os lugares são figurados em primeiro plano, não havendo uma fuga do olhar para o horizonte ao longe: a visão passeia apenas pela superfície opaca.

Reunimos aqui obras da coleção do MAM que exploram a paisagem no primeiro plano, revelando a subjetividade de cada artista na construção de sua visão de mundo. Essas peças se abrem ao mesmo tempo para fora e para dentro, mostrando que olhar o mundo é uma forma de se posicionar nele.

Felipe Chaimovich
Curador


Um dos férteis caminhos para se pensar a formação da arte moderna no Brasil é uma metáfora geológica. Imaginemos um arquipélago em formação, com ilhas de diferentes altitudes, umas mais elevadas, outras menos. Estamos bem antes de um território contínuo, de um continente, como veremos se formar a partir dos anos 1950, com a assimilação das linguagens construtivas do segundo pós-guerra, no qual as linguagens das obras promovem um intenso diálogo entre si, independentemente das relações pessoais entre os artistas.

A ideia do arquipélago vem do caráter idiossincrático das linguagens exploradas, já modernas, que, entretanto, não conversam umas com as outras, cada uma buscando seu próprio caminho. Poderíamos pensar o início da formação desse arquipélago com algumas ilhas já decididamente modernas, por exemplo, Almeida Júnior (1851-1899), Castagneto (1851-1900), Eliseu Visconti (1866-1944), essas ilhas irão se multiplicar com Anita Malfatti (1889-1964), Tarsila do Amaral (1886-1973), Lasar Segall (1891-1957), Goeldi (1895-1961), Di Cavalcanti (1897-1976), Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), Ismael Nery (1900-1934), Pancetti (1902-1958), Candido Portinari (1903-1962), Cícero Dias (1907-2003), entre tantos outros. Para o impulso multiplicador, teve papel importante, entre outros fatores, uma vontade de ser moderna, que aflige a cultura brasileira ao longo das primeiras décadas do século passado e se consubstancia na Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. Trata-se, agora, não só de experiências modernas isoladas – como os romances de Machado de Assis e Lima Barreto, ou a poesia dos simbolistas Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens –, mas também de uma atitude de combate sistemático, conduzida por artistas, escritores e intelectuais, contra os valores acadêmicos que ofereciam obstáculo à modernidade. Entre as ilhas modernas desse arquipélago, encontra-se uma de elevada altitude: a obra de Alberto da Veiga Guignard (Nova Friburgo, RJ, 1896 – Belo Horizonte, MG, 1962).

O lirismo de Guignard é único em nossa modernidade. As paisagens e festas que muitas vezes fazem flutuar – numa atmosfera azul acinzentado, às vezes muito escuro – edificações, casas, igrejas, junto a balões, parecem expor uma fenomenologia do aparecimento, tal como os desenhos e monotipias de Mira Schendel, e as pinturas de Rothko. É como se a arte flagrasse o momento em que as coisas surgem, antes mesmo de encontrarem seu lugar definitivo em um terreno. Os retratos de Guignard, juntamente com as paisagens, são outros capítulos privilegiados da obra do artista.

Seriam muitos os retratos em que poderíamos nos deter, mas os autorretratos, perseguidamente realizados ao longo de décadas, apontam para o lábio leporino que, segundo seus biógrafos, interferiu decisivamente em sua existência, particularmente, na vida amorosa. Mas, surpreendentemente, não se intrometeu na vida do educador. Guignard foi um grande formador de artistas, utilizando-se de gestos e da voz deformada pela deficiência; era capaz de ensinar e, de suas escolas, saíram grandes artistas, antes no Rio de Janeiro e, particularmente, na experiência desenvolvida em Belo Horizonte, a partir de 1944, convidado pelo prefeito Juscelino Kubitschek. Das lições de Guignard, é preciso lembrar aquelas do desenho, recordadas por um dos nossos maiores artistas, seu discípulo Amilcar de Castro, sobre o uso do lápis duro, o grafite seco que não permitia correções. Errou, tem que assumir. E, segundo Amilcar, do desenho ensinado por Guignard, deriva toda sua obra escultórica. Não é pouco.

Diz-se que sua obra é decorativa; Matisse também foi um grande revolucionário decorativo. Agradar aos olhos, hoje, pode ser um pecado, mas, quando uma grande obra se emancipa na modernidade, trazendo prazer à contemplação, e apresenta, com ela, momentos de reflexão junto com o prazer de olhar, é tudo de que precisamos. Aqui, ela está apresentada, com momentos de alguns de seus contemporâneos. Espera-se que o prazer de olhar seja acompanhado pelo gozo do pensar.

Paulo Sergio Duarte
Curador

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Para ocupar o Projeto Parede do segundo semestre de 2015, o MAM convidou o artista Walmor Corrêa que apresenta a obra Metamorfoses e Heterogonia, feita especialmente para o corredor de acesso entre o saguão de entrada e a Grande Sala do museu.

 Metamorfoses e Heterogonia parte de um estudo de anotações sobre a fauna e flora brasileiras encontradas em cartas escritas pelo padre José de Anchieta (1534-1597), que identificavam espécies de pássaros inexistentes, cuja preciosa descrição refletia o pioneirismo da observação de Anchieta, que era um exímio pesquisador. Ao invés de censurar os equívocos, Walmor Corrêa propõe um desdobramento imersivo, dando a eles sustentação. “Desta forma, crio seres empalhados e dioramas que atestam as descrições do século XVI, com pássaros que se alimentam de orvalho e outros que são ratos com asas”, descreve o artista. A obra constitui um recorte fictício de um museu de história natural e, ao mesmo tempo, dá embasamento sobre a história real dos jesuítas no Brasil ao reproduzir o caminho percorrido por Anchieta no estado de São Paulo.

A produção do artista destaca-se pela profunda pesquisa sobre temas históricos e científicos e envolve o olhar do estrangeiro (através de cartas ou desenhos) sobre o novo mundo. Assim, Walmor aproxima a relação entre arte e ciência e atribui verossimilhança às narrativas fantásticas em solo brasileiro. Com diferentes técnicas e linguagens como desenhos, dioramas, animais empalhados e emulações de enciclopédias, cartazes e documentos, Corrêa recria histórias que vão dos mitos populares brasileiros (como Curupira e sereias) até os relatos dos primeiros naturalistas viajantes dos trópicos.

Para o MAM, o projeto consiste numa interferência arquitetônica que dá acesso a um novo setor fictício dentro do museu sob o termo Setor de Taxidermia. Na sequência, é encontrado um grande diorama que representa o mapa do estado de São Paulo, com destaque para o planalto, a serra e o litoral sul – locais por onde os jesuítas passaram, e que registra, sobretudo, o caminho por onde o Padre José de Anchieta passou e, possivelmente, encontrou os animais descritos e resignificados pelo artista.

O mapa conta com cerca de 15 animais empalhados dispostos sobre as possíveis áreas de localização, confeccionados pelo artista por processo de metamorfose, unindo cabeças de roedores a corpos de aves. É importante frisar que nenhum animal foi sacrificado para a obra. Os corpos dos bichos estrangeiros foram comprados em lojas autorizadas para este fim.

“No mês de outubro, o MAM apresenta o 34º Panorama da Arte Brasileira que dá destaque a artefatos arqueológicos pré-coloniais cujos significados são enigmáticos e referências históricas. Para criar um diálogo maior entre as mostras, o MAM nos pediu a indicação de artistas para ocuparem o corredor. Pensando nisso, é fortuito que tal projeto prepare uma zona indistinta entre ciência e arte, pesquisa e narrativa, história e ficção, e o trabalho do Walmor Corrêa oferece uma relação tênue com a exposição de outubro”, afirma Paulo Miyada, um dos curadores ao lado de Aracy Amaral.


Como dialogar sobre o Panorama da Arte Brasileira de hoje e ontem sem cair, mais uma vez, nos mesmos impasses, nas mesmas relativizações? Como, por outro lado, enfatizar os dias de hoje sem ignorar a parcela da arte que se esfacela pelas urgências de um mundo entregue ao consumo e ao espetáculo imediato? Esta exposição oferece a tais perguntas um novo conjunto de enigmas sobre os quais podemos refletir. E discutir. Ela possui uma dupla missão: primeiro, destacar uma parcela da história brasileira pouco conhecida tanto pelo grande público quanto por artistas e pesquisadores: uma seleção significativa de esculturas em pedra polida, primeiras manifestações tridimensionais de que se tem notícia, produzidas aproximadamente entre 4000 e 1000 a.C., encontradas em território que se estende no que hoje é o sudeste meridional do Brasil até a costa do Uruguai. Depois, apresentar um diálogo/provocação, na medida em que essas peças podem motivar as obras produzidas por artistas contemporâneos convidados a contrapor-se a esse imaginário, de acordo com suas próprias personalidades, pesquisas e meios.

Em meio ao universo caótico de nossa realidade, à parte a violenta história de dominações e colonialismos que vivenciamos, emergem essas poderosas pequenas esculturas cujos sentidos originais se perderam, assim como os povos que as produziram: os chamados povos sambaquieiros, que habitaram a costa de uma parte do território em que hoje vivemos – de uma forma que adivinhamos ter sido mais harmoniosa e perene que a atual. Deixaram como vestígios inúmeros sambaquis (nomeação de origem tupi que significa literalmente “monte de conchas”) que marcam a paisagem e guardam, sob as areias, fragmentos e matérias acumulados ao longo de milhares de anos. Deixaram também essas esculturas, que os arqueólogos interpretam como elementos de alguma sorte de rituais e que nos assombram pela síntese formal, pela inventividade dos volumes e pela beleza simples que aprendemos a enxergar com a arte dos princípios do século XX e também com as curvas abauladas da natureza (o ovo, o seixo rolado, a duna de areia, o ventre grávido).

Tais “brasileiros de antes do Brasil” merecem estar em nossa história da cultura e da arte, seja por sua flagrante atenção pela natureza e pelo que os rodeava, seja pela qualidade única e enigmática de suas esculturas. É neste mistério profundamente enraizado na terra e no território que este Panorama vai se envolver. É isso que compartilhamos com os convidados Berna Reale, Cao Guimarães, Cildo Meireles, Erika Verzutti, Miguel Rio Branco e Pitágoras Lopes – artistas de gerações diferentes, vindos de regiões várias e identificados com pesquisas artísticas contrastantes entre si, que foram instados a produzir novos trabalhos que refletissem o Brasil de hoje, quiçá inspirados no de ontem, no que ele tem de inapreensível enquanto conceito, assim como telúrico enquanto presença.

Trata-se de proposições artísticas fortes, pregnantes, dissonantes até. Cada artista constrói uma ambiência com suas obras, sejam elas vídeos, esculturas, fotos, pinturas, instalações ou projetos. Paralelamente, as esculturas pré-históricas apresentam-se com doses igualmente surpreendentes de coesão e variedade. Tempos e espaços chocam-se, enquanto especificidades locais, e tendências globalizantes se confundem. É um enigma de origens e, ao mesmo tempo, de impacto perante o estado da visualidade de nossos dias. Mas, por que não também uma outra forma de ver o panorama da arte brasileira?

Aracy Amaral
Curadora

Paulo Miyada
Curador adjunto

prof. André Prous
Consultoria especial


Artistas: Berna Reale | Cao Guimarães | Cildo Meireles | Erika Verzutti | Miguel Rio Branco | Pitágoras Lopes



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A mostra Vestígios – memória e registro da performance e do site specific, elaborada pelos alunos do curso Laboratório de Curadoria, ministrada por Tobi Maier, foi composta a partir de obras do acervo do MAM e de sua biblioteca. Sua seleção de obras têm em comum o corpo como suporte.

Os trabalhos selecionados de Alex Vallauri, Amílcar Packer, avaf, Cildo Meireles, Hudinilson Jr., Jarbas Lopes, Jorge Menna Barreto, Laura Lima, Márcia X e Michel Groisman são happenings,  atos performáticos ou ações relacionais com o público.

Originalmente imateriais, estas obras estão materializadas em publicações, documentos, cartazes, vídeos e livros dos artistas colecionados pela biblioteca. O grupo de curadores lança um novo olhar sobre as obras pertencentes à instituição, revisitando-as e estabelecendo diálogos entre diversas mostras e instalações feitas em diferentes épocas no museu.