No momento em que o Brasil experimenta a transição democrática da Presidência da República, o Museu de Arte Moderna de São Paulo apresenta uma seleção de seu acervo para refletir sobre as expectativas para o país. Seguimos uma linha reta ou vivemos imersos na informalidade?
Desde os anos 1950, a abstração geométrica implantou-se entre nós como sinônimo de uma arte universal. A racionalidade abriria os caminhos para o desenvolvimento nacional. Brasília foi a maior das realizações dos geômetras brasileiros e atestou a vocação nacional para um construtivismo capaz de vencer até o árido vazio do cerrado.
Entretanto, a incerteza, o acaso e as singularidades logo apareceram, desviando o rumo triunfante do construtivismo desenvolvimentista que havia criado a nova capital federal do nada. A realidade de nossa história tem sido feita de avanços e recuos, hesitações e utopias.
Reunimos aqui cerca de oitenta obras que criam uma tensão entre a ordem geométrica e a desconstrução informal. Desse contraste, vai-se fazendo o Brasil.
Felipe Chaimovich
Curador

Como a arte contemporânea olha para o mundo? A exposição Um outro lugar apresenta um novo ponto de vista sobre o presente, diverso daquele gerado na modernidade, do ideal utópico de progresso, que guiava a vida dos homens rumo ao futuro. A partir do final da Guerra Fria, surgem novas formas de pensar o tempo e as relações políticas que buscam transformar o mundo. O abandono das grandes ideologias político-partidárias leva a uma nova escala de ação sobre a sociedade: as micropolíticas, que atuam pontualmente sobre o cotidiano.
Um outro lugar reúne obras de 22 artistas, realizadas ao longo da última década por uma geração que “cresceu” à luz das mudanças ocorridas na passagem do século XX para o XXI. A mostra apresenta a possibilidade de instaurar um outro lugar dentro do mundo em que vivemos – não mais aquele outro lugar utópico, da modernidade, tampouco uma relação complacente ou cínica com a realidade tal como está dada hoje, mas sim um terceiro lugar, criado a partir de uma vontade de repensar o já estabelecido. São colocadas novas formas de contar o tempo, de traçar a cartografia geopolítica, de perceber o modo de viver nas cidades, pequenas subversões diante do império da sociedade de consumo, pequenos gestos ligados à transformação do presente, e não a um futuro sempre inalcançável.
Luísa Duarte curadora
Você tem fome do que?
A alimentação é um problema mundial que afeta particularmente o Brasil. Por outro lado, o mercado de biocombustíveis compete por espaços com as plantações de comida. Como Brasil é uma potência agrícola, a disputa torna-se acirrada: nossa prioridade é alimentar o planeta ou substituir o petróleo por álcool e biodiesel?
Para refletir sobre o desafio agrícola contemporâneo, foram reunidos no parque do Ibirapuera nove criadores de jardins em torno ao tema da alimentação. Criaram-se espontaneamente duas interpretações sobre o assunto entre os participantes: alimentação do corpo ou do espírito. A questão foi enfrentada poeticamente, ampliando as possibilidades de reflexão sobre os desafios da alimentação mundial.
A parceria com o Festival Internacional de Jardins de Chaumont-sur-Loire possibilitou um intercâmbio com a França, país de longa experiência em jardinismo. Paisagistas europeus foram convidados para criar seis jardins, juntamente com três artistas brasileiros que executam suas primeiras obras de jardinagem.
Ao passear pelo festival, o público irá deparar-se com os diversos jardins que interromperam a paisagem horizontal do Ibirapuera. Assim, o visitante identifica a artificialidade do cultivo agrícola, pois cada jardim cria um mundo particular em meio ao amplo parque.
A alimentação depende do domínio da tecnologia e de seu uso transformador da natureza em artifício. Somos responsáveis pelo uso contemporâneo da Terra para alimentar a humanidade. Perceber responsabilidade exige a distinção entre cultivo e natureza.
Felipe Chaimovich
Curador do Museu de Arte Moderna de São Paulo
O Festival Internacional de Jardins de Chaumont-sur-Loire
Criado em 1922, o festival é instalado à sombra do castelo de Chaumont-sur-Loire com o objetivo de evidenciar a riqueza e a diversidade da arte dos jardins de hoje e demonstrar a abundância de tendências nesse campo.
Nossos jardins efêmeros são renovados anualmente a partir de um tema, ensejando a realização de um concurso internacional. A escolha dos paisagistas, a criatividade e a diversidade das técnicas e das propostas apresentadas, assim como o entusiasmo exponencial do público pela natureza e pelos jardins, fazem de Chaumont um lugar de encontros especiais, um canteiro de talentos e de ideias novas.
Juntamente com o festival, o parque de paisagens, o vale de brumas, a senda dos ferros selvagens, a horta biológica e o jardim infantil propõem ao público jardins permantentes que, evoluindo ao longo das estações, valeram a Chaumont o título de “jardim notável”.
Desde 2008, o festival está inscrito em um Centro de Artes e Natureza que desenvolve um projeto de arte contemporânea que permite acolher anualmente no Domaine, desde então propriedade da Région Centre, vinte exposições e instalações de artistas vindos do mundo inteiro.
É uma grande honra para o Festival Internacional de Jardins de Chaumont-sur-Loire ser convidado do Museu de Arte Moderna de São Paulo. A melhor resposta a esse convite é levar ao Brasil grandes paisagistas franceses da atualidade. Luis Benech, Michel Racine & Béatrice Saurel, Christine & Michel Péna, Dimitri Kenakis & Maro Avraboum Erik Borja e Florence Mercier conceberam para o parque Ibirapuera, com muito entusiasmo e imaginação, jardins sobre o tema da alimentação, essencial para o mundo de hoje e de amanha.
Chantal Colleu-Dumond
Diretora do Domaine e do Festival Internacional de Jardins de Chaumont-sur-Loire
Raymundo Colares foi um artista único na cena experimental da arte brasileira do final dos anos 1960. O rigor formal da tradição construtiva aliou-se nele ao ruído urbano e expressivo da nova figuração e à urgência comunicativa da arte pop.
No catálogo da exposição Nova objetividade brasileira (1967), que foi a estreia de Colares na cena artística, Hélio Oiticica redige uma espécie de manifesto pós-neoconcreto, levando em consideração os desdobramentos experimentais da arte brasileira recente dentro de um momento político específico: o golpe militar e a intensificação da resistência política e contracultural. Ele divide o texto em seis itens que resumiriam as principais tendências poéticas presentes naquela exposição. Quatro delas parecem-me determinantes para a compreensão do desenvolvimento da obra de Colares: a vontade construtiva, a chegada ao objeto, a participação do espectador e a rebeldia dadá. Quase toda a sua obra cabe aí.
Em Colares, a apropriação de uma geometrização concreta do espaço pictórico dar-se-ia através de um olho atravessado pela estrutura visual das histórias em quadrinhos e pela confusão sedutora da desordem urbana, metaforizada pela fragmentação dos ônibus cortando o campo perceptivo. De início eles se compunham numa narrativa costurada por uma polifonia espacial, justapondo perspectivas, movimentos e planos de cor. É uma narrativa visual que não se desdobra no tempo, mas se fragmenta no espaço, multiplicando os dados perceptivos na vertigem de um corpo atravessado pela confusão da cidade.
Entre 1966 e 1970, ano em que ganhou o prêmio de viagem ao exterior do Salão Nacional de Arte Moderna, sua obra teve um desenvolvimento espetacular. Do movimento virtual das pinturas dos ônibus, passando pelas trajetórias em metal e chegando às páginas de cor multidirecionais dos Gibis, o que se percebe na poética de Colares é uma coerência plástica notável.
Entre 1971 e 1973, viveu em Nova York, Milão e Trento. De volta ao Brasil, passando por dificuldades financeiras e psicológicas, afastou-se do circuito de arte. Apenas no começo da década de 1980 iria retomar a carreira. O lance trágico viria em seguida. Depois de uma longa relação poético-visual com os ônibus, acabou atropelado por um deles. Recuperando-se em Montes Claros, morreu em 1986 queimado na cama do hospital em um incidente até hoje sem explicação.
A obra de Colares tem um lugar especial na história da arte brasileira, como um elo singular de ligação entre a pintura moderna, a vontade construtiva, a tendência experimental e o amor ao mundo.
Luiz Camillo Osório
Curador

O ambiente de Ernesto Neto convida ao encontro. Diversas ilhas de convivência escorrem de um teto contínuo de crochê, formando diferentes situações coletivas: uma praça com bancos, uma sala de música, uma biblioteca. Nunca estamos isolados: há sempre lugar para mais alguém, mesmo que ainda não tenha chegado.
A estrutura tecida leva o visitante de uma ilha a outra, como se o museu fosse um grande rio abraçado por uma tarrafa oceânica. A paisagem vai se definindo conforme avançamos, pois cada agrupamento tem cores específicas, cheiros próprios, sons peculiares.
A obra de Ernesto Neto expande a forma dos objetos escultóricos para a experimentação sensorial, pois às vezes lhes esticamos as partes, outras nos sentamos sobre suas gotas, ou enfiamos o nariz em seus perfumes. O material elástico de redes e membranas que compõe a instalação é assim contaminado pela vida do público. Gentil e suave, Dengo é um convite ao mergulho numa forma incapturável, cuja liberdade está em mudar a cada novo encontro conosco.
Ernesto Neto e Felipe Chaimovich
Curadores

Pele é uma padronagem, à primeira vista decorativa, que num olhar mais aproximado desvenda seu elemento-chave: patas de galinha. O conforto da estética doméstica dá lugar ao incômodo pela utilização da matéria orgânica repugnante como elemento gráfico, explorado em multiplicações fractais. Assim como a memória – que às vezes nos transporta a espaços particulares de deslumbramento, às vezes nos lança a ocorrências pessoais violentas e dolorosas – a percepção de Pele provoca uma sensação de atração e repulsa, identidade e estranhamento.
Este trabalho é um desdobramento da série Toalhas, realizada entre 1996 e 1997 para a 6ª Bienal de Havana, onde foram desenvolvidas cinco estampas diferentes. Tendo como referência as toalhas de mesa populares impressas em linóleo, distribuídas a metro em milhões de lares no decorrer de décadas e utilizadas como suporte de incontáveis rituais domésticos em torno da mesa, o trabalho questiona o que retemos desses encontros. Cada uma das estampas é composta por sobras da mesa, como vegetais mofados, frutas podres, flores murchas, cinzeiros sujos e as patas de galinha reutilizadas em Pele.
A paixão pelos mistérios da fotografia levou o casal Michel e Michèle Auer a se lançar, há quarenta anos, na aventura de constituir uma das mais prestigiosas e importantes coleções privadas do mundo. O MAM tem o privilégio de mostrá-la, pela primeira vez fora da Europa, em virtude das comemorações do Ano da França no Brasil.
Essa aventura tem seu centro irradiador justamente na França, país onde a fotografia foi inventada em 1839 e palco dos principais movimentos artísticos de vanguarda do início do século XX. Esses movimentos deram à arte e à fotografia, em particular, um caráter mais experimental.
Composta por obras produzidas ao longo de toda a história da fotografia, Olhar e fingir apresenta uma seleção de quase trezentas das cerca de 50 mil obras da coleção. As fotografias estão dispostas em quatro módulos, que trazem à tona experimentações, rupturas e revisões da função da fotografia, rompendo com a ordem cronológica para reapresentá-las a partir de conexões que tem a transgressão como fio condutor. Os módulos são: Transfigurações, Beleza convulsiva, Performance e Fantasias formais.
A curadoria procurou selecionar obras geradas a partir da inquietação de artistas que expandiram o repertório da fotografia para além de sua função documental. As obras expostas fizeram a fotografia alçar voo rumo à subjetividade e a complexidade da representação até a conquista de sua autonomia como expressão artística. Ao invés de mimetizar a realidade, estas fotografias propõem encenações, pontos de vista inesperados e experimentações sobre o registro fotográfico que apresentam aos nossos olhos a visão do fantástico.
Olhar além do aparente. Fingir, criar ficções a partir dos vestígios captados na realidade, para representar um mundo paralelo, não visível, no qual o homem possa investigar seus desejos, fantasias e inquietações. Olhar e fingir é a fotografia em estado transgressivo e questionador.
Elise Jasmin e Eder Chiodetto
Curadores

Habituada a lidar com a história, o colecionismo e a acumulação de conhecimentos, Mabe Bethônico não se restringe a fazer algo no corredor de ligação do MAM. Ela vai além do contemplativo. Depoimentos podem ser ouvidos entre as estantes deslizantes da biblioteca. Um audiobook fica sobre a mesa. Uma trilha está instalada atrás das mesas das bibliotecárias. Algumas extensões da obra escapam e vão para o parque. Sinalizações estão espalhadas pelo museu, incluindo um mapa do acervo da biblioteca, que ocupa estrategicamente as paredes do corredor. “O que me interessa é a história da constituição da biblioteca do museu”, comenta a artista.
Na tradição do pensamento ocidental, é recorrente a ideia de que a arte é apenas ilusão. Em vez de revelar o mundo que está aqui, ela o encobriria e nos afastaria dele. A ciência seria então a única maneira de garantir acesso verdadeiro às coisas. O pensamento científico tenta explicar tudo a partir de teorias racionais. Mas a arte permite um outro contato com o mundo. Diversamente da compreensão científica, a aproximação de uma obra de arte se dá antes de tudo pela percepção, que é sempre indeterminada e ambígua.
A arte nos permite reatar o contato direto com o mundo antes de fazermos qualquer reflexão ou análise. Com a arte, aprendemos a retornar às coisas, aos fenômenos que observamos, e podemos descrevê-los tais como os percebemos. Essa percepção não pode ser substituída pelo pensamento, nem derivada de uma teoria. A arte brasileira, em especial nas décadas de 1950 e 1960, foi discutida sob essa ótica. O módulo Origens aborda parte desse debate. Não podemos perceber a arte a partir de uma ideia pré-concebida do que ela seja. Por isso, podemos vê-la cada vez de uma maneira diferente e sob uma nova perspectiva. Desdobramentos posteriores da arte nos mostram que transformar a arte percebida em ideia, em representação mental, seria atrofiar a arte. O mesmo se pode dizer do Corpo. É com o corpo que percebemos a arte, mas o que sentimos no corpo não são apenas sensações exteriores a nós ou ideias internas construídas pela nossa consciência.
Nenhuma visão ou percepção da arte pode esgotá-la de uma vez por todas, nem abarcá-la completamente. Toda obra de arte é interminável; ela se oferece a nós parcialmente. Ela pode nos proporcionar sempre uma próxima experiência, um infinito recomeço. Essa experiência não pode ser dissociada do tempo, já que o nosso contato com ela acontece no tempo e na história. Quando voltamos ao museu e revemos uma obra podemos participar dela de uma maneira diferente. Mas é preciso cuidado: o retorno ao museu não deve ser uma obrigação, nem o contato com a arte burocrática, senão extirpamos o que a arte propicia de melhor – a singularidade da experiência. A experiência da arte pode nos dar acesso pleno ao mundo.
Cauê Alves
Curador

Por uma questão de justiça poética, já que o artista partiu tão cedo, as telas de Jorge Guinle decidiram permanecer jovens. Fisicamente até, elas passam a impressão de tinta fresca. Irradiam sempre a mesma vontade de pintar, a mesma vontade de viver, continuam a provocar, a agradar e a desagradar.
Passados vinte anos de seu desfecho prematuro, a obra de Jorge Guinle tornou-se quase sinônimo de pintura brasileira contemporânea. Ela traduz à perfeição a forma convulsa do mundo atual: belo caos.
Jorge Guinle vivia a pintura com tal intimidade que a fronteira entre vida e arte era quase indistinta. Passional, Guinle pintava a tela no chão, girando-a em todos os sentidos, ora relaxado, ora frenético, como se não fosse possível, nem desejável, acabar o quadro. O colorista virtuoso errava ao acaso pelo perímetro do quadro, com alegre desenvoltura ou angústia manifesta. Sempre haveria a próxima tela.
Enquanto atacava a tela, Jorge Guinle podia evocar Matisse ou De Kooning. Artistas de sua geração, como Julian Schnabel, Anselm Kiefer e Georg Baselitz, forneciam-lhe estímulos que redesenhavam um mapa da contemporaneidade onde a pintura voltava a ser relevante. Em comum, havia o desafio da revitalização do instinto de pintura. Jorge Guinle não se furtou a esse desafio.
Um mérito incontestável na curta e fulgurante trajetória artística de Jorge Guinle foi o de liberar a pintura brasileira da tradição modernista. O artista tinha muita familiaridade com essa tradição, por sua educação francesa, mas era dotado da nativa desinibição ianque, que lhe permitia assimilar os opostos e contrários inerentes à vida contemporânea. O produto final era brasileiro, desprovido da inércia da tradição e do espírito competitivo estressante.
Jamais tantas telas e desenhos de Jorge Guinle foram reunidos num mesmo lugar. Somente agora eles confrontam a dimensão pública que sempre perseguiram. Com esta exposição, os curadores buscam recuperar o processo histórico e cultural em que a obra de Jorge Guinle está inserida. Com seus títulos divertidos ou tocantes, suas pinceladas aleatórias ou intencionais, as pinturas de Guinle deflagram o belo caos, abrindo um mundo à nossa frente e falando de uma vida que merece ser vivida.
Vanda Klabin e Ronaldo Britto
Curadores
Os sessenta anos do Museu de Arte Moderna de São Paulo foram considerados pela curadoria como uma oportunidade para propor uma reflexão sobre o significado da legitimação institucional de dois conceitos problemáticos: moderno e contemporâneo. Por acreditarem que a noção de moderno é imprescindível para compreender a produção contemporânea, os curadores, a partir da coleção do museu, escolheram dois eixos paradigmáticos: opacidade e polifonia.
A noção de opacidade aponta para uma zona de atrito entre a arte e o universo unidimensional da comunicação e, sobretudo, para a ruptura promovida pela pintura, desde fins do século XIX, com o ilusionismo inerente à concepção espacial herdada do Renascimento. A idéia de polifonia, por sua vez, remete a múltiplas possibilidades de manifestação do acontecimento artístico, liberto da obrigação de responder a um único modo de ser.
A travessia do moderno para o contemporâneo, pensada a partir do questionamento da forma e da expansão do campo de atuação das artes visuais, encontra duas figuras emblemáticas na coleção do MAM: Alfredo Volpi e Flávio de Carvalho. A partir deles, as noções de opacidade e polifonia são expandidas, de maneira a abarcar artistas de diferentes gerações, que compartilham não apenas o interesse pela arte como campo experimental, mas igualmente uma interrogação sobre a natureza do moderno e do contemporâneo.
Além de Volpi e Carvalho, que ancoram a exposição, outros artistas foram considerados nucleares, por proporem percursos não-lineares no âmbito do moderno e do contemporâneo: Lívio Abramo, Almir Mavignier, Mira Schendel, Leonilson, León Ferrari, Geraldo de Barros, Thomaz Farkas e German Lorca. Se também eles são pontos de partida para o estabelecimento de diálogos poéticos com artistas de diferentes procedências, sem qualquer preocupação de caráter cronológico ou de determinação de filiações, existem na exposição dois núcleos temáticos – modernismo e nova figuração –, cuja presença se justifica pelo fato de terem representado momentos emblemáticos na história da arte brasileira no século XX.
Embora de maneira não linear, MAM 60 articula uma narrativa sobre os diversos estágios da instituição, por meio de obras que integraram o acervo desde sua fundação e de um conjunto de documentos. Graças a esse cruzamento, o público terá oportunidade de conhecer uma história complexa, pontuada pela busca de uma identidade, pela perda de rumos e pela descoberta de um novo modo de ser, para o qual o contemporâneo acabou se tornando a dimensão principal.
Annateresa Fabris, Lisette Lagnado e Luiz Camillo Osorio
Curadores

A pergunta que se coloca com insistência é: como se reapropriar da história se ela nos parece tão distante, caótica, fragmentada e imaterial, chegando até nós em sequências que duram três minutos? Assumir como estratégia este dilema (reencenar ou repetir?) parece ser uma opção das mais legítimas. Ao recriarmos algo (uma canção, um filme, um videoclipe, uma obra de arte, um “evento”), ganhamos uma chance de reconciliação com o passado e, acima de tudo, a rara oportunidade de experenciá-lo no presente.
O projeto Cover se situa no campo de tensão determinado pelos embates entre reencenação e repetição na produção contemporânea. Esses procedimentos não se limitam a uma intenção de imitação, muito menos de “apropriação”, pois nesse caso poderiam ser facilmente incorporados como ações já mapeadas pela história.
Esta mostra coletiva e suas ações paralelas (a publicação de um livro, projeção de filmes no auditório do MAM, performances sob a marquise do parque, oficinas no Educativo, o show da banda Os Macaco, a festa bum bum do músico Matias Aguayo no clube Vegas) lança um comentário em direção ao sistema da arte e marca um posicionamento em relação ao estado das coisas hoje.
Cover pretende ser o diagnóstico de uma estratégia adotada por artistas. Neste sentido, propõe-se a captar uma sensibilidade que a um só tempo elogia e critica. É homenagem e ataque. Fascínio e deboche.
Não se almeja fazer um mapeamento do cover como gênero ou como objeto. Também não se trata de buscar algo de “artístico” no cover. Ele é entendido como um lugar a ser habitado, uma ferramenta, um dispositivo a ser, mais do que utilizado, questionado e reinventado pelos artistas – que aqui nos propõem respostas, a maioria delas inéditas, ao desafio proposto por esta curadoria. Para além de um movimento em direção ao passado, Cover é sua convocação e tentativa de atualização em outro contexto: o espaço e o tempo do presente. No limite, uma incisiva operação antinostalgia.
Fernando Oliva
Curadora

Em cima da sua Prostituta da Babilônia − uma moto velha BMW, que só pegava depois de muitas aceleradas −, Walter Smetak percorria as ruas de Salvador. Músico, filósofo, artista plástico, homem de teatro, lunático, poeta e, sobretudo, professor, Smetak cruzou fronteiras musicais, místicas e estéticas. Fez muita coisa a um só tempo.
As plásticas sonoras refletem sua tendência de integrar artes e conhecimentos. Da mistura da música com as artes plásticas, Smetak propõe uma imersão no mistério do som. Constrói novas instâncias de percepção e cria híbridos de instrumento e escultura. São instrumentos que despertam novas faculdades de percepção.
Walter Smetak desconstrói a música para alcançar o som. Do som surge a forma que avança no tempo e no espaço para fundar uma arte espiritual transformadora de mentes, cabaças e cabeças.
A obra foi criada para ser tocada pela imaginação, ou, como dizia Smetak, para ser ouvida com o olho, uma vez que o seu som é virtualmente invisível.
A exposição Smetak: Imprevisto foi idealizada a partir dos vestígios deixados pelo artista em páginas datilografadas e nos inúmeros rolos de gravação das suas experiências sonoras. Propõe-se, assim, um retorno ao espírito almejado pelo artista: manter abertas novas possibilidades de diálogo, estimular novas reflexões, proporcionar releituras imprevistas e atuais.
Jasmin Pinho e Arto Lindsay
Curadores

Café com nanquim, canetas hidrocolor, material de colagem, cola, papéis, partituras de música, páginas de livros e pastel oleoso.
A proposta de Artur Barrio para o Projeto Parede tem algo de similar aos trabalhos que o artista vem apresentando em outras instituições desde os anos 1970. Materiais como café, vinho, areia, carvão e prego são utilizados para criar tensão e ruído no espaço.

Marcel Duchamp deixou legado na América do Sul? Durante sua estadia em Buenos Aires, entre 1918 e 1919, o artista produziu uma obra questionadora da perspectiva. Esse questionamento também está presente na exposição que Duchamp planejou para inaugurar o Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1948. Embora essa mostra nunca tenha ocorrido, o MAM São Paulo foi fundado e abrigou sempre exposições com obras também questionadoras da perspectiva.
A perspectiva é baseada na concepção do espaço universal como uma esfera. Assim, a origem de tudo seria um ponto de “energia”, do qual se irradiariam linhas retas em todas as direções, formando, pois, um universo esférico. Em 1420, em Florença, Bruneleschi e Masaccio chegaram a uma representação gráfica da teoria do espaço esférico: se traçasse um desenho ordenado a partir de um ponto para o qual convergissem todas as retas, o plano desenhado equivaleria à base de um cone ou de uma pirâmide vistos “de fora” do espaço esférico, em direção ao ponto central; se o volume das figuras nesse desenho seguisse a lógica de um espaço cônico ou piramidal, essas figuras pareceriam se distribuir em planos que diminuem proporcionalmente, conforme se aproximam do centro, chamado ponto de fuga.
A invenção da fotografia contribuiu para a difusão do modelo espacial da perspectiva: a geometria da câmara fotográfica obriga todos os raios de luz a passarem por um único orifício, reconfigurando-os como cone ou pirâmide no plano sobre o qual formam a imagem registrada fotograficamente. A fotografia, assim como a perspectiva, segue a geometria esférica do espaço.
A crise da perspectiva fazia parte do debate da arte moderna, do qual Duchamp participava no início do século XX. Movimentos como o futurismo, o cubismo e o construtivismo propunham representações de espaços distintos do esférico. Ao fazerem isso, rompiam com o ilusionismo tridimensional conseguido com o modelo de Bruneleschi e Masaccio. No plano do desenho ou da fotografia desses modernistas, só se veriam coisas planas. Criticavam, assim, o uso da perspectiva como algo natural.
Desde sua fundação, em 1948, o Museu de Arte Moderna de São Paulo expôs e colecionou artistas que buscam novos sistemas de representação espacial, reagindo contra a perspectiva geométrica. Tal história nos conecta às relações sul-americanas de Duchamp. Revisitar obras brasileiras que respondem a tal herança nos ajuda a definir um sentido profundo da arte moderna e deste museu que Duchamp ajudou a fundar.
Felipe Chaimovich (curador-chefe do MAM São Paulo)

A sede do MAM está temporariamente fechada em virtude da reforma da marquise do Parque Ibirapuera.
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