Sérgio Milliet (São Paulo, SP, 1898 – São Paulo, SP, 1966) ocupa um lugar particular na história da arte brasileira. Além de ser um dos protagonistas do modernismo brasileiro, produzindo literatura, poesia, crítica e pintura, Milliet também foi um dos agentes decisivos na primeira fase da história do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Em 2024, um autorretrato feito por ele foi doado por Maria Lúcia de Araújo Cintra ao acervo do museu.

A pintura a óleo sobre madeira de Sérgio Milliet está em exposição na Biblioteca Paulo Mendes de Almeida do MAM e apresenta autorretratos com diferentes acabamentos nas duas superfícies do suporte. Em ambos os lados, os elementos faciais do autor são formados ou atravessados por linhas curvas e diagonais, que também estruturam o espaço circundante. Na face mais acabada da obra, todos os planos fragmentados são preenchidos por cores, mas em um dos planos centrais, que corresponde a um lado do rosto, falta um olho e a pouca coloração indica que essa também não seria a versão final da pintura. O autorretrato na outra face do suporte é colorido apenas parcialmente nos planos superiores, mas também contém os traços do rosto que reaparecem no lado oposto.


A formação na Suíça e em Paris no início do século 20 ofereceram a Milliet contato com transformações artísticas e científicas que foram determinantes ao ocidente. Nesse período, ele adquiriu uma familiaridade com o modernismo que contribuiu para a difusão da arte das vanguardas europeias no Brasil entre as décadas de 1920 e 1960. Com a sua poesia, ele participou da Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo. Além disso, foi relevante a contribuição de Milliet para o processo de institucionalização da arte moderna no Brasil. Realizações como a Seção de Arte da Biblioteca Municipal Mário de Andrade, inaugurada em 1945; a ABCA (Associação Brasileira de Críticos de Arte), criada em 1949; o Museu de Arte Moderna de São Paulo, fundado em 1948, e a Bienal de São Paulo devem à presença e participação ativa de Sérgio Milliet em suas trajetórias. Nas duas últimas, ele desempenhou o papel de diretor artístico respectivamente em 1952–57 e 1953–58.


Em 1969, o MAM São Paulo apresentou a exposição Homenagem a Sérgio Milliet, onde reuniu pinturas que estavam espalhadas em coleções de amigos do artista. Por ocasião do encerramento, o crítico Geraldo Ferraz publicou um artigo no Estado de S. Paulo sugerindo que Milliet “não foi um simples pintor de domingo”, mas as suas diversas ocupações teriam sido a causa da ausência de um feito criativo de maior relevância. No artigo, que está disponível para consulta na Biblioteca do MAM, Ferraz também sumariza os principais conjuntos da obra, destacando os retratos e as paisagens.

De modo geral, a pintura de Milliet apresenta traços simples e claros que, em muitos casos, circunscrevem seu esforço por um uso mais formal da cor. São comuns os planos fracionados com diferentes cores e luminosidades, remetendo aos ideais estéticos do cubismo e ao exercício cromático do expressionismo francês. Isso é notável nas seis pinturas de Sérgio Milliet que o MAM já possui no seu acervo e também nesse autorretrato frente-e-verso recém adquirido.

Gabriela Gotoda
Curadoria MAM São Paulo


 
realização 

O espaço ocupado por um museu de arte não é como outro qualquer. Especialmente os museus de arte moderna, já que foram em grande parte instalados em edifícios construídos especialmente para eles. Foi justamente através de projetos para esses museus que grandes nomes da arquitetura estabeleceram seus legados. Esse é o caso de Lina Bo Bardi (1914 – 1992), a arquiteta ítalo-brasileira responsável pelo projeto arquitetônico do MASP, do MAM Bahia e do atual edifício do MAM São Paulo, seu último trabalho museográfico.

Mesmo sendo um dos primeiros museus de arte moderna do mundo, o MAM São Paulo nunca teve uma sede construída especialmente para ele, ocupando ao longo de sua história uma série de espaços adaptados. Durante os primeiros anos, foi instalado no edifício dos Diários Associados na Rua Sete de Abril, num espaço projetado pelo arquiteto Vilanova Artigas. Depois, o MAM ocupou uma parte do Pavilhão Matarazzo, quando a Bienal de São Paulo ainda era um evento do museu. Após um período de reorganização devido à doação do seu acervo à USP em 1963, o MAM retomou suas atividades em 1969 numa nova sede: o edifício sob a marquise do Parque Ibirapuera.

Este espaço integra o conjunto arquitetônico do Parque desde a sua fundação em 1954. Após abrigar o Museu de Cera até, ao menos, o ano seguinte, recebeu a exposição Bahia no Ibirapuera de Lina Bo Bardi e Martim Gonçalves em 1959, e, depois, foi usado por quase uma década como depósito da Bienal. A partir da concessão para uso do edifício atribuída pela prefeitura em 1968, o MAM convidou Giancarlo Palanti para reformar o pavilhão que se tornaria a sede do museu. Mas foi apenas com a reforma projetada por Lina Bo Bardi (com colaboração de André Vainer e Marcelo Ferraz) em 1982 – entregue em 1983 – que o MAM executou a fachada de vidro que transformaria a sua relação com o Parque Ibirapuera.

Em 2023, o MAM identificou um desenho da arquiteta em meio aos documentos guardados pela biblioteca e retomou a pesquisa sobre a reforma realizada por Lina Bo Bardi há quarenta anos. Trata-se de um estudo para um dispositivo expográfico que ela propôs com o projeto da reforma em 1982. Os painéis desse dispositivo seguiriam uma espécie de linha paralela à fachada do museu, enfatizando a continuidade do espaço expositivo. Considerando as limitações que esses painéis fixos trariam para as exposições, a diretoria do museu à época optou por não realizá-los.

Dada a importância deste desenho para o legado da arquiteta e da sua relação com o edifício ocupado pelo MAM, o museu decidiu incorporá-lo ao acervo, junto às demais obras em papel da sua coleção. Na exposição, ele é apresentado com outros materiais referentes à reforma de Lina Bo Bardi no MAM, incluindo estudos em planta, fotos de maquete, e outros documentos que registram o estado anterior e posterior do edifício. Com isso, além de promover a pesquisa em torno da arquitetura de museus e, especialmente, da arte moderna, buscamos compreender melhor o trabalho e a herança deixada por Lina, que, com o êxito da sua marca museográfica, transformou o MAM num espaço contínuo com o Parque Ibirapuera.

Gabriela Gotoda
Pedro Nery
curadoria


Agradecimento especial ao Instituto Bardi / Casa de Vidro e à sua equipe.



 
realização 

Uma biblioteca particular não é apenas uma coleção de livros, é parte de uma biografia, que reflete os interesses e também as passagens de uma vida, com encontros e desencontros entre autores, outros intelectuais etc. No caso de Aracy Amaral, é também o conjunto de referências que sedimentaram nas prateleiras e espelham o trabalho árduo e fundamental de erudição durante uma vida dedicada aos estudos, à escrita, à crítica e à sensibilidade artística. A doação de Aracy Amaral de uma parte de sua biblioteca pessoal para o Museu de Arte Moderna de São Paulo conduziu a Biblioteca Paulo Mendes de Almeida a orgulhar-se de ser depositária desse legado intelectual e a olhar retrospectivamente para a sua atuação nesse museu.

A presença de Amaral no decorrer da história do MAM é uma constante desde os primeiros anos da instituição, e as trajetórias são quase concomitantes. Recém formada como jornalista, Amaral trabalhou como monitora na II Bienal de São Paulo em 1954 (até 1961 a Bienal de São Paulo era uma atribuição do MAM), e atuou como repórter para jornais do Rio de Janeiro cobrindo a Bienal, bem como a cena artística paulistana. Desde então, sua contribuição somente avançou, participando de dezenas de exposições, dedicando textos e colaborando ativamente na Comissão de Arte (1996 – 2001) e no Conselho Consultivo de Arte (2014 – 2015) do MAM.

Afim de ilustrar essas inúmeras passagens de Amaral junto ao museu, reunimos aqui a sua produção autoral, referenciando exposições pelas quais foi responsável, seja pelo conteúdo crítico, ou pela curadoria – este último é um termo mais comumente utilizado a partir de meados dos anos 1990, e que não daria conta de toda a presença da crítica no MAM –, revelando a perenidade de suas ações culturais no museu.

Optamos por oferecer ao visitante justamente o material mais rico de suas passagens pelo MAM: os catálogos das mostras realizadas por Aracy Amaral que documentam suas atividades e que estão guardadas e disponíveis ao público aqui na Biblioteca. Os catálogos apresentados se subdividem por uma tipologia que serve apenas como instrumento de acesso, entre exposições individuais, exposições coletivas históricas e exposições coletivas contemporâneas. Ao mesmo tempo, é possível conhecer a coleção de livros doada pela crítica na prateleira deslizante que está indicada, onde os livros são mantidos juntos de forma a representar sua biblioteca particular.

pronac 221691 
realização