Os avanços tecnológicos da corrida espacial entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética, que culminou com a chegada do homem à Lua em 1969, estão no imaginário de Emmanuel Nassar. Mas o título de sua instalação Lataria Espacial, além dos aspectos científico e político, traz também um termo informal, que se refere a estruturas metálicas de veículos motorizados. Para o artista, lataria está associada ao termo “lata velha”, geralmente usado para designar o estado precário de grandes máquinas deterioradas.

O trabalho aproxima opostos: a lataria envelhecida e com sinais de desgaste, o que há de primitivo e popular nas funilarias do subúrbio às missões espaciais e altamente tecnológicas que colaboraram para o desenvolvimento das comunicações via satélite. Há, nessa justaposição, algo do sonho e da fantasia de voar. Mas se o voo está ligado à imagem da liberdade que tanto aviões quanto pássaros evocam, uma das asas de Lataria Espacial está decepada, como se estivesse incrustada na parede. Dentro da Sala de Vidro do MAM São Paulo, a obra parece tratar mais da impossibilidade de levantar voos do que da completa realização do desejo de liberdade.

O artista projetou e construiu seu próprio jato particular, que se assemelha aos aviões de brinquedo, mas é inspirado no modelo Phenom 300, da Embraer, que está entre os jatos executivos mais vendidos no mundo. Mas, em vez de fazer um elogio à alta performance e ao poder que uma aeronave de pequeno porte carrega, o artista aponta de modo irônico para as contradições sociais do país e para o contraste entre o imaginário da elite e do povo, justamente mostrando que essa separação já não é tão clara.

Emmanuel Nassar valoriza as cores das chapas metálicas publicitárias e o que há de popular na periferia de centros urbanos, em especial de Belém do Pará. Embora, no presente trabalho, ele não se aproprie das placas descartadas, recorrendo ao zinco galvanizado, o conjunto de pinturas que formam o avião ecoa o improviso das soluções inventivas. Entre as marcas da poética de Emmanuel Nassar está o reconhecimento das gambiarras, as engenhocas provisórias, realizadas com poucos recursos, que resolvem problemas práticos do cotidiano.

Lataria Espacial permite que os diversos públicos do MAM se divirtam ao serem recebidos com o prestígio e status de um tapete vermelho, brinquem, tirem selfies com a bagagem, como se estivessem prestes a embarcar num sonho que, embora não decole de modo literal, realiza-se na experiência única e generosa que a obra proporciona.

Cauê Alves (Curador-chefe do MAM São Paulo)


 
realização 

permanência a transformação

Eu, Você e a Lua é um trabalho de Tunga inédito no Brasil e está entre as últimas obras realizadas pelo artista que iniciou sua produção na segunda metade dos anos de 1960. Ao longo de sua trajetória, Tunga se interessou pela alquimia, pela psicanálise, pelas ciências e pela filosofia. Ele construiu uma mitologia singular com imagens simbólicas e materiais em que as noções de permanência e transformação são fundamentais. É recorrente em sua obra a ideia de que “o trabalho é um conjunto de trabalhos”.

Mesmo com a profusão de objetos e materiais, em Eu, Você e a Lua há uma forte coerência entre as partes. Alguns elementos são recorrentes no vocabulário poético do artista, como garrafas de cristal, de gesso ou de resina, tanto ocas como sólidas. Espelhos, cristais, pedras, pratos presos em aros e hastes, além de correntes ou alças de couro fixadas em tripés também aparecem em outras obras de Tunga. Ao lado de um tronco petrificado de milhares de anos, o uso desses materiais pode evocar o orgânico e o inorgânico ou o natural e o artificial.

O fóssil de uma árvore que se manteve intacto, como se o tempo estivesse suspenso, convive com uma essência de âmbar, uma fragrância com toques amadeirados que goteja como se uma ampulheta marcasse a passagem do tempo e a transformação da matéria. Recorrendo ao olfato e à visão, os elementos originários e pré-históricos na obra de Tunga se fundem ao contemporâneo e à presença efêmera do perfume.

Fragmentos agigantados de um corpo humano, dedos polegares de bronze patinado apontam para baixo, enquanto espelhos arredondados e prateados como a lua refletem a luz que vem de cima. Escultura de dedos, como se estivessem duplicados, apontam para lados contrários, para o céu e para o solo. Uma delas de pedra, na horizontal, alinhada ao tronco, indica sentidos opostos e apontam para o eu e para o outro. O olhar de dois sujeitos pode atravessar o fóssil e se encontrar num único. Os dois lados já não parecem se opor. Na poética de Tunga, o que está no planeta Terra ou fora dele, o interno e o externo, assim como eu, você e a lua, formam um todo indivisível.

Cauê Alves
(curador-chefe do MAM São Paulo)



pronac 221691 
parceria 
apoio 
realização 

Oásis poluído

A sala de vidro onde está a instalação Nosso Mundo, de Shirley Paes Leme, estabelece uma relação direta com o entorno do Jardim de Esculturas do MAM, como se fosse um prolongamento do paisagismo de Roberto Burle Marx. De longe, o assoalho espelhado da obra da artista se assemelha a um espelho d’água, um oásis, como se nele houvesse um líquido. Mas ao caminhar sobre as placas reflexivas, o piso ganha consistência.

Os visitantes podem ver de fora ou ficar imersos no interior da instalação, como se o ritmo intenso da cidade estivesse suspenso por alguns instantes, formando um lugar de desaceleração e de contemplação. O chão espelhado em plena marquise do Parque Ibirapuera multiplica o espaço e o corpo de quem caminha sobre ele. Enquanto observamos a obra, o espelho nos reflete. Um duplo invertido do painel da grande parede ao fundo da sala aparece na superfície espelhada.

Shirley Paes Leme elaborou uma composição a partir da paisagem da cidade, com filtros de ar-condicionado de carros já utilizados e manchados pela poluição. O material utilizado nos revela a qualidade do ar que respiramos. É como se cada filtro que representa prédios ou partes do céu tornasse visível a densa atmosfera que nos circunda, tomada por fuligem e substâncias nocivas à saúde.

A artista constrói uma espécie de linha do horizonte a partir do ar denso e da fumaça fixada nos filtros. São essas partículas que encobrem a nossa visão e podem ofuscar nossos sentidos. Além de apontar para questões ambientais cada vez mais urgentes, Shirley Paes Leme reflete e dá visibilidade para a situação paradoxal de estarmos numa espécie de oásis poluído.

Cauê Alves
curador



pronac 221691 
parceria 
realização 

Até quando dura a vida? Estas obras de Laura Vinci mostram o ciclo da perda das folhas pelas árvores, em esculturas de metal. O revestimento brilhante das peças refletirá a mudança de luz, conforme a primavera for se tornando verão no parque Ibirapuera; à noite, uma iluminação artificial projeta sombras sobre a parede de fundo, criando um desenho permanente que contrasta com a variação diurna. Ao brilharem dessa maneira, as folhas parecerão sobreviver a seu desprendimento do galho, como se mantivessem em suspensão o estado de decomposição anunciado por sua queda. O uso do banho de ouro transforma esse momento efêmero da vegetação numa relíquia, como se criasse uma lembrança preciosa para as gerações futuras que enfrentarão enormes desafios perante as transformações da natureza. Assim, o MAM apresenta uma nova ocasião de refletir sobre arte-ecologia durante a visita do público ao Ibirapuera, principal parque de nossa cidade.

Felipe Chaimovich
Curador

Sertão é palavra de origem desconhecida. Na língua portuguesa, há registros de sua existência desde o século XV. Quando aqui aportaram, os colonizadores já trouxeram consigo o termo, usando-o para designar o território vasto e interior, que não podia ser percebido da costa. Desde então, a esse vocábulo atribuem-se diversos sentidos, sem nunca ser fixado numa ideia pacificada. É constituído, inclusive, por oposições: pode referir-se à floresta e ao descampado, ao lugar deserto e também ao povoado, àquilo que é próximo e ermo. Qualifica o visível e o desconhecido, trata da aridez e da fertilidade, do inculto e do cultivado.

Ainda que tenha chegado ao Brasil na caravela, sertão não cessa de se insurgir contra o colonialismo e de escapar de seus desígnios. Mantém sua potência de invenção, não se rende aos monopólios dos saberes patriarcais, exige novos pactos sociais, desierarquiza sua relação com a natureza, reverencia o mistério, festeja. Sertão é, antes e depois de tudo, experimentação e resistência, qualidades fundamentais para viver a arte e que nos trazem a este 36º Panorama da Arte Brasileira.

No Brasil que pleiteava sua modernização, no início do século XX, sertão passou a referir-se, sobretudo, à região do Nordeste de clima semiárido, ilustrada por sua vegetação de caatinga, em oposição ao litoral. Nesse momento, reforça-se o projeto de um lugar seco, primitivo, rude, propagandeando um outro na iminência do flagelo. Forja-se, dessa maneira, uma condição de submissão que justificaria políticas assistencialistas, mas sobretudo a atualização de medidas de exploração. Suas imagens estão presentes por toda a cultura brasileira, ainda que nenhuma delas dê conta de tudo o que pode significar.

Contrariando determinismos, e sob a luz de uma certa produção de arte do Brasil, Sertão é modo de pensar e de agir. Termo evocativo, traz consigo afetos transformadores, formas políticas, ideais de criação, memórias de luta, rituais de cura, ficções de futuro. Esta arte-sertão que aqui se apresenta está no deslizar das linguagens. Mais que um lugar, essa condição sertão é a travessia. Espalha-se Brasil afora, está no manejo do roçado, supera-se na viela da favela, desce pelo leito do rio, está escrita nos muros da cidade e presente na terra retomada. Manifesta-se nos encontros e nos conflitos.

No 36º Panorama da Arte Brasileira, 29 artistas e coletivos reúnem-se para compartilhar estratégias de resistência e modelos de experimentação, a partir de suas histórias. Se sertão está no limite do que se pode apreender, por definição, a ideia de panorama é complementar na forma de sua contradição. A importância de juntar essas instâncias e acolher essas oposições, no entanto, se dá pela necessidade cada dia mais atual de defender existências não hegemônicas e de compartilhar outros modos de vida. Enquanto a arte puder afirmar sua condição sertão, vai ter sempre luta, vai haver sempre a diferença, vai existir sempre o novo.

Júlia Rebouças
Curadora

50 anos de Panorama

O Panorama da Arte Brasileira teve sua primeira edição em 1969 e foi idealizado como forma de o museu recompor seu acervo e voltar a participar ativamente do circuito artístico contemporâneo. A princípio evento anual, o Panorama passou a ser realizado a cada dois anos a partir de 1995, contando até o momento 35 edições.

Parcerias

O 36º Panorama da Arte Brasileira: Sertão procurou ampliar seu tempo e espaço de atuação por meio de parcerias estratégicas: com a Festa Literária Internacional de Paraty, serão promovidas duas mesas de debate convidando um participante da Flip e um participante do Panorama, com a mediação de Júlia Rebouças e Fernanda Diamant, curadora da 17ª edição da Flip; com o Auditório Ibirapuera, vizinho do museu, foi organizada uma programação musical a partir dos conceitos trabalhados no Panorama para o dia 18/08, dia seguinte à abertura no MAM; e, com a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, novos debates acontecerão em setembro e outubro, promovendo o encontro entre artistas, psicanalistas e o público.

Irmãos Campana na loja mam

O estúdio Campana, dos irmãos Fernando e Humberto Campana, que celebra em 2019 seus 35 anos de trabalho, ficará a cargo da curadoria da loja mam durante o período do Panorama, com o patrocínio do Iguatemi São Paulo. O trabalho dos Campana incorpora a ideia da transformação, reinvenção e integração entre o artesanato e a produção em massa, oferecendo um design com identidade própria, mixando a individualidade dos materiais à preciosidade das características comuns no cotidiano brasileiro, como as cores, as misturas, o caos criativo. A partir do olhar único dos irmãos Campana, que contam com um extenso trabalho de pesquisa da cultura vernacular nordestina presente em suas coleções, os visitantes poderão vivenciar um novo espaço da loja mam e encontrar peças cuidadosamente selecionadas que trabalham com o conceito expandido de sertão.

AMA: levando água potável ao semiárido brasileiro

Colocar o sertão em foco possibilitou que o 36º Panorama da Arte Brasileira firmasse parcerias com propósitos que vão muito além do simples apoio financeiro. Um dos patrocinadores, a Água AMA, água mineral da Cervejaria Ambev, tem 100% de seu lucro revertido para projetos de acesso à água potável no semiárido brasileiro. A mostra é uma oportunidade para que o público conheça um produto que, aos poucos, está ajudando a transformar a realidade de muitos brasileiros vivendo no semiárido – clima presente em regiões comumente associadas ao tradicional imaginário de sertão. Já são mais de 26 mil pessoas beneficiadas pelos projetos que AMA financia, em todos os nove estados que compõem o semiárido no Brasil. Este ano, a marca atingiu R$ 4 milhões de lucro, recurso integralmente revertido para iniciativas de acesso à água potável. Iniciativas como o patrocínio ao Panorama da Arte Brasileira permitirão um crescimento ainda maior desses números.

Apoio ao Panorama e ao público de fora de São Paulo

A agência de viagens Flytour, além de ter se tornado agência apoiadora do Panorama, habilitou para o MAM um portal em que os interessados em adquirir passagens e pacotes de hospedagem para viajar a São Paulo e conferir pessoalmente o 36º Panorama da Arte Brasileira: Sertão contarão com descontos especiais.



Da adversidade seguimos vivendo. Em 1967, Hélio Oiticica escreveu um texto determinante para se pensar a arte e o Brasil. Intitulado “Esquema Geral da Nova Objetividade”, há nele um desenho panorâmico da cena artística àquela altura e dos desafios a serem enfrentados. Escrito em um momento politicamente tenso, com desalentadoras perspectivas de futuro, para dizer o mínimo, ele destaca seis características da arte brasileira: (1) vontade construtiva; (2) tendência para o objeto; (3) participação do espectador (corporal, tátil, semântica); (4) abordagem e tomada de posição em relação a problemas políticos, sociais e éticos; (5) tendência para proposições coletivas; (6) ressurgimento e novas formulações do conceito de antiarte.

Uma pergunta, ainda atual, perpassava a escrita do Esquema Geral: como apostar em uma relação nova entre singularidade local e inserção global. No caso da cultura brasileira – e isso foi colocado de modo muito original pela geração tropicalista sob a influência da Antropofagia – nossa singularidade foi sendo construída pela mistura de diferentes matrizes culturais. Ou seja, não temos uma essência própria, uma marca de origem a ser depurada de qualquer contaminação indesejada, vivemos da apropriação constante do outro, somos uma colagem de influências que não para de se transformar. Como escreveu Oiticica, estamos sempre “à procura de uma caracterização cultural, no que nos diferenciamos do europeu com seu peso cultural milenar e do americano do norte com suas solicitações superprodutivas”.

As seis características apontadas acima seguem valendo – não obstante as diferenças de contexto – para se pensar a arte produzida hoje. Buscamos evidenciar isso neste Panorama. Sem qualquer tematização daquelas tendências, elas perpassam indiretamente os trabalhos aqui apresentados. A despeito da falência da ideia de progresso e de uma avassaladora crise urbana e ambiental, ainda resiste uma vontade construtiva entre nós. Uma construção que se sabe frágil, mas crucial para enfrentar os riscos de uma informalidade desagregadora. Nota-se também uma crescente abertura do fazer artístico para problemas sociais, éticos e políticos, ou seja, para um engajamento, nada simplificador, que acredita nas brechas em que a arte quer se infiltrar para tentar mudar as coisas – sabendo-se que querer mudar não basta e que sua impotência pode ter desdobramentos imprevistos.

Reunir em uma exposição, que se pretende um Panorama da Arte Brasileira, desde a concretude da intervenção arquitetônica até a fluidez da dança, passando pelo audiovisual, pela escultura, pela fotografia e pela palavra, mais que explicitar a diversidade da cena contemporânea, em que a divisão de meios expressivos e de disciplinas parece obsoleta, busca ressaltar a multiplicidade de tempos que compõem nosso momento histórico. O tempo do corpo que dança, da palavra escrita e da imagem projetada respondem a formas de percepção e de experiência plurais. Simultaneamente, é parte de nosso desafio articular os diferentes imaginários que se contaminam e se multiplicam no Brasil entre a cidade e a floresta, as comunidades periféricas e os centros cosmopolitas, entre o caos, a indeterminação e o mito.

Misturar poéticas conflitantes, trazer outras vozes e gestos para dentro das instituições que constroem as narrativas hegemônicas, revelar antagonismos e diferenças, tudo isso é parte de uma ideia de Panorama e de uma discussão sobre o Brasil. Isso, no exato momento em que o Brasil vive uma de suas piores crises de identidade, quando a promessa de futuro virou uma terrível distopia que constrange as possibilidades do presente, parece propício colocar, mais uma vez, a pergunta sobre o Brasil. O Problema-Brasil é um desafio e uma miragem: aparece como promessa de alegria, mas escapa quando vamos em sua direção. E, a cada passo, parece que vai para mais longe. Entretanto, não dá para virar as costas; há que se encarar a miragem, ao mesmo tempo ilusória e real, fazendo deste enfrentamento o caminho para nos tornarmos menos assombrados com nossa assustadora incompetência coletiva. A arte é o espaço disponível para ampliarmos o campo do possível.

Luiz Camillo Osorio
Curador


artistas: Bárbara Wagner e Benjamin de Burca | Beto Shwafaty | Cadu | Dora Longo Bahia | Fernanda Gomes | João Modé | Jorge Mario Jáuregui | José Rufino | Karim Aïnouz e Marcelo Gomes | Leandro Nerefuh | Lourival Cuquinha e Clarisse Hoffmann | MAHKU (Movimento dos Artistas Huni Kuin) | Mão na Lata | Marcelo Evelin / Demolition Incorporada | Marcelo Silveira | Ricardo Basbaum | Romy Pocztaruk | Rua Arquitetos e MAS Urban Design, ETH Zurich | Wagner Schwartz​





Como dialogar sobre o Panorama da Arte Brasileira de hoje e ontem sem cair, mais uma vez, nos mesmos impasses, nas mesmas relativizações? Como, por outro lado, enfatizar os dias de hoje sem ignorar a parcela da arte que se esfacela pelas urgências de um mundo entregue ao consumo e ao espetáculo imediato? Esta exposição oferece a tais perguntas um novo conjunto de enigmas sobre os quais podemos refletir. E discutir. Ela possui uma dupla missão: primeiro, destacar uma parcela da história brasileira pouco conhecida tanto pelo grande público quanto por artistas e pesquisadores: uma seleção significativa de esculturas em pedra polida, primeiras manifestações tridimensionais de que se tem notícia, produzidas aproximadamente entre 4000 e 1000 a.C., encontradas em território que se estende no que hoje é o sudeste meridional do Brasil até a costa do Uruguai. Depois, apresentar um diálogo/provocação, na medida em que essas peças podem motivar as obras produzidas por artistas contemporâneos convidados a contrapor-se a esse imaginário, de acordo com suas próprias personalidades, pesquisas e meios.

Em meio ao universo caótico de nossa realidade, à parte a violenta história de dominações e colonialismos que vivenciamos, emergem essas poderosas pequenas esculturas cujos sentidos originais se perderam, assim como os povos que as produziram: os chamados povos sambaquieiros, que habitaram a costa de uma parte do território em que hoje vivemos – de uma forma que adivinhamos ter sido mais harmoniosa e perene que a atual. Deixaram como vestígios inúmeros sambaquis (nomeação de origem tupi que significa literalmente “monte de conchas”) que marcam a paisagem e guardam, sob as areias, fragmentos e matérias acumulados ao longo de milhares de anos. Deixaram também essas esculturas, que os arqueólogos interpretam como elementos de alguma sorte de rituais e que nos assombram pela síntese formal, pela inventividade dos volumes e pela beleza simples que aprendemos a enxergar com a arte dos princípios do século XX e também com as curvas abauladas da natureza (o ovo, o seixo rolado, a duna de areia, o ventre grávido).

Tais “brasileiros de antes do Brasil” merecem estar em nossa história da cultura e da arte, seja por sua flagrante atenção pela natureza e pelo que os rodeava, seja pela qualidade única e enigmática de suas esculturas. É neste mistério profundamente enraizado na terra e no território que este Panorama vai se envolver. É isso que compartilhamos com os convidados Berna Reale, Cao Guimarães, Cildo Meireles, Erika Verzutti, Miguel Rio Branco e Pitágoras Lopes – artistas de gerações diferentes, vindos de regiões várias e identificados com pesquisas artísticas contrastantes entre si, que foram instados a produzir novos trabalhos que refletissem o Brasil de hoje, quiçá inspirados no de ontem, no que ele tem de inapreensível enquanto conceito, assim como telúrico enquanto presença.

Trata-se de proposições artísticas fortes, pregnantes, dissonantes até. Cada artista constrói uma ambiência com suas obras, sejam elas vídeos, esculturas, fotos, pinturas, instalações ou projetos. Paralelamente, as esculturas pré-históricas apresentam-se com doses igualmente surpreendentes de coesão e variedade. Tempos e espaços chocam-se, enquanto especificidades locais, e tendências globalizantes se confundem. É um enigma de origens e, ao mesmo tempo, de impacto perante o estado da visualidade de nossos dias. Mas, por que não também uma outra forma de ver o panorama da arte brasileira?

Aracy Amaral
Curadora

Paulo Miyada
Curador adjunto

prof. André Prous
Consultoria especial


Artistas: Berna Reale | Cao Guimarães | Cildo Meireles | Erika Verzutti | Miguel Rio Branco | Pitágoras Lopes



patrocinio-panorama

Seis anos depois de o fundador do MAM São Paulo Ciccillo Matarazzo transferir todas as obras da coleção para a Universidade de São Paulo, o museu inventa o Panorama da Arte Brasileira com o intuito de formar um novo acervo.

De 1969 para cá, o Panorama superou sua missão inicial. Esse acervo (cerca de 5.400 obras) cresceu a tal ponto que o MAM não consegue lhe dar visibilidade permanente por causa das limitações do pavilhão onde está instalado abaixo da marquise projetada por Oscar Niemeyer.

O tema desta edição toma como ponto de partida a falta de uma sede construída especificamente para abrigar o MAM São Paulo e convida, além de artistas, arquitetos a pensar onde poderia ficar esse edifício (dentro ou fora do parque) e qual seria a vocação desse programa.

O título do Panorama, Formas únicas da continuidade no espaço, foi tomado emprestado da escultura do artista futurista Umberto Boccioni, cuja peça já pertenceu ao museu, e que completa cem anos. Hoje no MAC USP, esta obra ressalta o caráter especulativo da presente mostra.

Junto com documentos históricos que elucidam a trajetória do MAM, como os referentes à exposição Bahia no Ibirapuera (1959) de Lina Bo Bardi e Martim Gonçalves, o Panorama destaca outros contextos de modernidade no Brasil (Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Belo Horizonte e Brasília) e no mundo.

O desenho expográfico recupera o acesso ao museu situado em frente ao edifício da Bienal, assim como as cores da porta e das paredes, e elimina a presença de painéis perpendiculares que dividem o espaço em pequenas salas.

A realidade agora é outra, como apontam os projetos dos escritórios de arquitetura: se o IV Centenário de São Paulo ganhou o parque Ibirapuera em 1954, como imaginar um presente adequado ao espírito de um V Centenário?

Lisette Lagnado
curadora

Ana Maria Maia
curadora-adjunta


Artistas: Amanda Melo | Bárbara Wagner | Benjamin de Búrca | Clara Ianni | Daniel Steegmann | Dominique Gonzalez-Foerster | Federico Herrero | Fernanda Gomes | Montez Magno | Vítor Cesar | Vivian Caccuri | Yuri Firmeza | Cabelo | Ester Grinspum | Jorge Menna Barreto | Lucia Koch | Luiz Braga | Mônica Nador | Pedro Motta



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Café com nanquim, canetas hidrocolor, material de colagem, cola, papéis, partituras de música, páginas de livros e pastel oleoso.

A proposta de Artur Barrio para o Projeto Parede tem algo de similar aos trabalhos que o artista vem apresentando em outras instituições desde os anos 1970. Materiais como café, vinho, areia, carvão e prego são utilizados para criar tensão e ruído no espaço.

arturbarrio