O Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) nasceu em 1948, a partir de olhares visionários como o de Ciccillo Matarazzo e Nelson Rockefeller, que entendiam a necessidade de colocar o Brasil no panorama da arte moderna mundial. E o MAM já nasceu grandioso. Foi pioneiro ao colocar a fotografia e a arquitetura em diálogo com as artes visuais mais consolidadas; abriu espaço para novos artistas e criou uma agenda potente para revelar talentos, possibilitar intercâmbios internacionais, formar olhares e colocar o Brasil na agenda internacional das artes.
O MAM também teve importante papel na história do cinema brasileiro, com a criação da filmoteca do Museu, que se tornou o embrião daquilo que seria a Cinemateca Brasileira, fundada em 1956.
A maturidade do MAM desenvolveu-se com exercícios de aprendizado e de muito trabalho nas situações de adversidade. Uma crise institucional-o abateu no início dos anos 1960, quando todo o acervo foi doado à Universidade de São Paulo (USP). Esse gesto intempestivo de Ciccillo Matarazzo proporcionou o nascimento do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), e hoje essas duas instituições buscam se complementar e fortalecer a identidade artística de nosso país, como testemunha a mostra recém-realizada, que comemorou os setenta anos do MAM com a articulação dos dois acervos.
Quando fui convidada a assumir a presidência do MAM, em 1995, havia outro momento difícil para o Museu. O prédio apresentava vários problemas estruturais, o acervo já não era dos mais relevantes, a população da cidade não o encarava como um destino de fruição de arte. Fui literalmente arregaçando as mangas, colocando baldes sob goteiras, articulando arquitetos, especialistas, amigos, juntando forças e a vontade de trazer de volta ao Museu a importância que ele merecia.
Creio que minha primeira grande ação foi a entrega de uma importante reforma do prédio, em 1995, que adequou a instituição aos padrões museológicos internacionais. O MAM buscou ficar equiparado aos melhores museus do mundo, no que diz respeito à climatização, segurança e conservação de obras. E essa etapa foi decisiva para garantir a expansão de suas atividades e de seu acervo. Foram criadas novas salas, auditório e abraçamos também o Jardim das Esculturas – localizado na área aberta do parque, em frente ao Museu. Nossa política de aquisição de acervo foi potencializada e fez o número saltar de 2 mil para 5,5 mil obras.
Mesmo sabendo que o acervo é o coração de uma instituição museológica, não deixamos de avançar também em outras áreas. Nesse sentido, realizamos grandes mudanças no campo da gestão e das iniciativas educacionais e curatoriais. Em 1995, quando iniciamos a atuação, escolhemos a área educativa como uma das grandes missões e prioridades da instituição. Desde o início, imaginávamos que o MAM seria um centro de referência no atendimento a escolas públicas, privadas, organizações não governamentais e público espontâneo, dando uma contribuição efetiva ao processo de formação de nossa sociedade.
Visando tornar esta missão uma realidade, criamos uma estrutura totalmente voltada para essa questão. O princípio norteador da área educativa era garantir que o Museu ocupasse a função de não só informar o público, mas também estimular a reflexão que levasse o visitante a descobrir suas próprias questões em relação à arte. Assim, a ideia de público passivo, receptor sai de cena e surge o público agente de sua própria visita e de sua experiência em diálogo intenso com a equipe de educadores, devidamente qualificados para esse acolhimento e construção de pontes. Entre 1995 e 2019, o Educativo recebeu um público de quase 1 milhão de pessoas, principalmente crianças e adolescentes.
O Educativo MAM não parou por aí. E, no Brasil, também foi pioneiro ao se voltar a segmentos que até então eram pouco considerados pelos museus e, ouso afirmar, até mesmo por parte da sociedade. A acessibilidade foi abraçada pela equipe e tornou-se outra referência em nossa gestão. Para as pessoas com deficiências, o Educativo MAM criou o programa Igual Diferente, que foi consolidado em 2002 e recebe instituições do terceiro setor e de educação especial para atividades dedicadas à fruição, à melhora da qualidade de vida e à integração social. O programa recebeu reconhecimento internacional e foi apontado no VSArts, em Washington, como uma das iniciativas mais representativas do gênero praticadas por museus em todo o mundo, entre outros prêmios.
Hoje, com 24 anos de atuação, o Educativo MAM é considerado referência em educação museal e já foi convidado para dar formação ou compartilhar experiências com diversas instituições do país, como Sesc, Centro Cultural Banco do Brasil, Museu de Arte Moderna da Bahia, universidades federais e estaduais, além de instituições internacionais como Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires (Malba), Smithsonian Museum of the American Indian (EUA), Guggenheim (EUA), entre outras.
Certamente, vocês me ouviram falar diversas vezes do orgulho que sinto de ter criado o Educativo MAM, e esta pequena síntese corrobora um dos grandes objetivos que tinha ao chegar a esta instituição, quase se interligando com a Escola Caracol, que criei nos anos 1970 – uma das primeiras a experimentar o método Paulo Freire e cujo propósito era ensinar usando exemplos da realidade e incentivando o diálogo com as artes.
Avançamos também na gestão de recursos materiais do Museu. Criamos uma estrutura profissional focada em ampliar a captação e cuidar do dia a dia. Hoje o MAM mantém uma eficiente rede de financiamento composta de recursos captados – por meio de leis de incentivo à cultura, empresas, área governamental e sócios. Em 1994, o MAM contabilizava sessenta sócios (pessoas físicas) e ao longo de minha gestão mais 1,2 mil associados colaboraram com o museu. O programa de patrocinadores, que contava com duas empresas, hoje contabiliza 103.
Ainda para potencializar a arrecadação de fundos, o MAM criou sua própria, loja à semelhança daquilo que fazem alguns dos mais prestigiados museus do mundo. Criamos também espaço para restaurantes parceiros, ampliando, assim, o papel do Museu como local de acolhimento do público do parque e de fruição artística e gastronômica.
Com essa estrutura de gestão mais sólida, a área curatorial também conseguiu avançar em suas atividades de expansão do acervo, produção de mostras representativas e internacionalização da arte brasileira, propósitos elencados como fundamentais desde o primeiro momento de nossa gestão.
Recolocamos o Museu em uma agenda importante de exposições. Retomamos o Panorama da Arte Brasileira – a mais importante e perene mostra do MAM, que aponta tendências, novos artistas e temas da arte nacional contemporânea –, tornando-a bienal e intercalada ao calendário da Bienal de São Paulo que, é fundamental lembrar, nasceu dentro do MAM nos anos 1950. Aliás, devemos nos orgulhar porque, além de ser a gênese da Fundação Bienal, o MAM foi responsável por realizar as sete primeiras edições da mostra.
Nossa gestão também voltou a investir em parcerias internacionais, realizando mostras e atividades com instituições como MoMA, Centro Georges Pompidou e Museu de Arte Moderna de Paris.Entre inúmeros momentos curatoriais históricos nestas duas últimas décadas, lembro com especial emoção, a realização da mostra individual de Frans Krajcberg, Natura, e a mostra de celebração dos sessenta anos do MAM (2008), que ocuparam a OCA e nos renderam o grande prêmio de crítica da APCA daquele ano. Tenho orgulho de dizer que, nestes 24 anos, o Museu de Arte Moderna de São Paulo ganhou mais de cinquenta prêmios nacionais e internacionais. Entre 1995 e 2019, recebemos 5,6 milhões de pessoas em nossas exposições e atividades. Um número que se torna ainda mais relevante quando nos deparamos com as dimensões físicas do Museu.
Sinto grande felicidade quando relembro que meu tio Olavo Setubal me convidou a dirigir o Itaú Cultural e me contou que o fez porque percebeu minha participação na história do MAM como uma potente atuação que unia profissionalismo, paixão e capacidade transformadora. Aliás, foi por meio da generosidade de Olavo Setubal e da provocação que lhe fiz que pudemos ter, por muitos anos, a maravilhosa obra Spider, de Louise Bourgeois, pertencente ao Itaú Cultural, dialogando com o Museu e a Marquise do Parque Ibirapuera. Com isso, foi reafirmado meu compromisso de democratizar o acesso às artes, como também de dessacralizar importantes obras, em consonância com o desejo de seus artistas-criadores. Essa obra ganha ainda mais vida ao circular pelo Brasil. Neste exato momento, a “Aranha” encerra um ciclo em Inhotim e segue para a Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre.
Este exercício de olhar para trás e celebrar as transformações pelas quais passamos nos dá a percepção do tempo, da construção de sentido e de legado. E, particularmente, deixa-me honrada perceber que fecho um ciclo no MAM com a felicidade de quem cumpre uma missão. A educação e a arte são minhas bandeiras, e estou certa de que no MAM elas foram fincadas com afeto, profissionalismo e compromisso de permanência.
E tudo isso só foi possível com a dedicação de apoiadores, amigos, equipe, curadores, artistas e cada visitante que deu nova vida ao MAM. E a cada uma dessas pessoas sou e serei sempre grata. Nesse sentido, quero celebrar algumas pessoas que representam muitas outras nesta narrativa de sucessos do MAM. Entre os executivos que passaram por aqui e tanto nos ajudaram, agradeço a Ronaldo Bianchi e ao nosso atual dirigente executivo, Carlos Magalhães. Entre as brilhantes presenças de nossa diretoria, agradeço e abraço a longa parceria com Alfredo Setúbal, que era diretor do Museu antes mesmo de minha chegada. Quando fui eleita, pedi que ele permanecesse, e ele foi um dirigente determinante nesta jornada de conquistas. No campo da curadoria, preciso simbolizar meu abraço de gratidão aos muitos parceiros e, mais especialmente, aos queridos Tadeu Chiarelli e Felipe Chaimovich. E, para simbolizar toda a equipe do MAM, destaco a dedicação de minha fiel escudeira Anna Maria Pereira.
Encerro esta etapa, depois de 24 anos, quando o Museu acaba de completar setenta anos de existência. Eu me sinto honrada por passar o bastão para a advogada, executiva do mundo financeiro e colecionadora Mariana Guarini Berenguer. Sigo também feliz de ver uma outra mulher à frente do MAM. E estou certa de que a trajetória de sucesso que retomamos continuará crescendo, ampliando alcances e reafirmando a importância central da arte e da cultura em nossa vida, na transformação do indivíduo pela potencialização do pensamento crítico e no desenvolvimento socioeconômico do Brasil.
Por fim, rendo homenagens a vocês, associados e conselheiros, que têm cada vez mais o papel essencial de defender e garantir vida longa ao nosso Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Um abraço afetuoso,
Milú Villela
São Paulo, 29 de abril de 2019