MAM na Cinemateca: corpo e cidade em movimento vídeos da doação Chaia
A Cinemateca Brasileira e o MAM São Paulo compartilham uma história em comum. A Cinemateca surgiu em 1949 a partir da Filmoteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo, que tinha como objetivo difundir o cinema como arte. A Filmoteca do MAM foi muito frequentada por intelectuais, cineastas e artistas visuais. Ela teve origem no Clube de Cinema de São Paulo, fundado em 1941 na USP e que teve entre seus criadores o crítico de arte Lourival Gomes Machado, que seria o diretor-artístico do MAM São Paulo entre 1949 e 1951. A Filmoteca do MAM, a partir de 1954, foi dirigida pelo crítico e historiador de cinema Paulo Emílio Sales Gomes, que criou o Clube de Cinema junto com Lourival Gomes Machado, que se tornaria o conservador-chefe e diretor da Cinemateca Brasileira a partir de 1956.
A mostra de vídeos MAM na Cinemateca: corpo e cidade em movimento parte da doação da coleção de Vera e Miguel Chaia para o museu em 2025 e foi concebida por Miguel Chaia em diálogo com a curadoria do MAM. A sessão está dividida em cinco partes: uma abertura, com o vídeo de Cinthia Marcelle, que aponta para o entrelaçamento e o encontro de diferentes que se complementam, seguida por três blocos: Retratos poéticos, em que o corpo dos artistas está em evidência; Paisagens políticas, em que a cidade e questões da vida em sociedade são os protagonistas; e Experiências de linguagem, em que a própria linguagem do vídeo é explorada de modo mais explícito. A sessão se encerra, com o filme de Cao Guimarães, Sin peso, em que toldos coloridos e vozes de comerciantes de rua se misturam como uma síntese do conjunto. A mostra apresenta um pequeno recorte de 16 vídeos dentre os 75 que integram a doação.
As obras da coleção Chaia recebidas pelo MAM inauguram um novo momento para o acervo do museu ao quase triplicar sua coleção de vídeos. MAM na Cinemateca é um modo não apenas de dar visibilidade ao vídeo como suporte da arte, mas também uma oportunidade de reflexão sobre essa produção contemporânea em um formato de exibição diferente da sala de exposições.
Cauê Alves curador
artistas
Berna Reale
(Belém, Pará, 1965)
Berna Reale nasceu em Belém, Pará, Brasil (1965). Licenciada em artes pela Universidade Federal do Pará (UFPA), a artista que também é perita criminal aborda a violência tanto material quanto simbólica em seus trabalhos. Berna Reale, em diversas de suas ações, performáticas ou audiovisuais, utiliza-se de seu próprio corpo para colocar em choque o imaginário social sobre ações perversas, de tormento, constrangimento, etc. Entre suas exposições, destacamos a individual Berna Reale: Singing in the Rain, no Utah Museum of Contemporary Art (UMoCA), Salt Lake City, EUA (2016); sua presença no 34° Panorama da Arte Brasileira, MAM São Paulo (2015); na 56ª Bienal de Veneza, Itália (2015); e na 3ª Beijing Photo Biennial [Bienal de Fotos de Pequim], China (2018).
Cinthia Marcelle
(Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 1974)
Cinthia Marcelle nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil (1974). Formada em Belas Artes pela UFMG (1999), a artista é reconhecida principalmente pelas instalações e obras audiovisuais, que se atentam ao poder de transformação advindo da organização e da desorganização das coisas. Cinthia Marcelle questiona em suas obras a lógica, os sistemas de conceitos e convenções que orientam o mundo político, da cultura e da sociedade, que por vezes são naturalizados. Entre suas exposições, destacamos a individual Project 105: Cinthia Marcelle, no MoMA PS1, Nova York, EUA (2016); a ocupação do Pavilhão do Brasil na 57ª Bienal de Veneza, Itália, com a instalação Chão de Caça (2017); e Cinthia Marcelle: por via das dúvidas, no MASP, São Paulo (2022).
Carmela Gross
(São Paulo, São Paulo, Brasil, 1946)
Carmela Gross nasceu em São Paulo, São Paulo, Brasil (1946). Formada em Artes pela FAAP (1969), a artista desenvolve suas obras buscando esgarçar os limites entre o fazer artístico e o simbólico. Carmela Gross, por vezes, se vale da repetição, do acúmulo, para desnortear sentidos unívocos, suas produções enunciam criticamente aspectos sociais, políticos ou o próprio fazer artístico. Entre suas exposições, destacamos as individuais Corpo de Ideias, Pinacoteca de São Paulo (2010); Carmela Gross – Arte à mão armada, Chácara Lane, São Paulo (2016); Quase Circo, Sesc Pompéia, São Paulo (2024); e suas oito participações na Bienal de São Paulo (1967, 1969, 1981, 1983, 1989, 1998, 2002 e 2021).
Cao Guimarães
(Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 1965)
Cao Guimarães nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil (1965). O artista plástico e cineasta trabalha com fotografia e transita entre a película e o vídeo para criar suas peças audiovisuais. Suas obras documentam situações e objetos comuns, que se movem ou são captados enfatizando o instante, mas que são ressignificados a partir da exploração, duração, foco e do movimento autônomo de pessoas ou coisas. Entre suas exposições, destacamos as individuais Ver é uma fábula. Mostra Cao Guimarães, Itaú Cultural, São Paulo (2013); Espera, no Instituto Moreira Salles (IMS-Paulista), São Paulo (2018); Cao Guimarães – Ciclo de filmes, no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), Lisboa, Portugal (2020); e sua presença em três edições do Panorama da Arte Brasileira, MAM São Paulo (2001, 2011 e 2015); e em duas edições da Bienal de São Paulo (2002 e 2006).
Giselle Beiguelman
(São Paulo, São Paulo, Brasil, 1962)
Giselle Beiguelman nasceu em São Paulo, São Paulo, Brasil (1962). Formada em história na USP (1984), a artista utiliza a relação entre literatura, imagem, som, instalação e novas tecnologias para abordar o hibridismo entre o real e o virtual. Giselle Beiguelman tem como temas de seu trabalho as transformações da memória social, o ativismo no meio urbano, e a articulação de discursos e linguagens de ciberespaços. Entre suas exposições, destacamos a individual Venenosas, Nocivas e Suspeitas, no Centro Cultural FIESP, São Paulo (2025); sua participação na 25ª Bienal de São Paulo (2002); Brazilian Visual Poetry [Poética visual brasileira], Mexic-Arte Museum, Austin, EUA (2002); e seu trabalho Meio Monumento que integrou o 37° Panorama da Arte Brasileira, MAM São Paulo (2022).
Guilherme Peters
(São Paulo, São Paulo, Brasil, 1987)
Guilherme Peters nasceu em São Paulo, São Paulo, Brasil (1987). Formado em Bacharel em Artes Plásticas pela FAAP (2010), o artista torna visível em seus trabalhos a energia e o esforço despendidos para a realização das formas, seja através de onda sonora, correntes elétricas ou seu próprio fôlego. Entre suas exposições, destacamos a individual Palácio da Eternidade e a Valsa dos Esquecidos, no Palácio das Artes, Belo Horizonte, Minas Gerais (2011); Inimigo invisível, Fábrica Braço de Prata, Lisboa, Portugal (2022); e as coletivas 8ª Bienal do MERCOSUL – Ensaios de Geopoéticas, Porto Alegre, Rio Grande do Sul (2011); Artifice and Fiction [Artifício e ficção], no Institute of Contemporary Art of Singapore (2019).
Lia Chaia
(São Paulo, São Paulo, Brasil, 1978)
Lia Chaia nasceu em São Paulo, São Paulo, Brasil (1978). Formada em artes plásticas pela FAAP (2003), em paralelo também estudou dança e clown. A artista dilui as divisões entre suportes e linguagens para abordar temas sobre as percepções e vivências do cotidiano, e a tensão entre corpo, natureza e espaço urbano. Lia Chaia utiliza a participação do público como elemento central de sua produção, que muitas vezes se destacam pelo senso lúdico e a sagacidade. Entre suas exposições, marca-se as individuais Lia Chaia, no Centre de Creation Bazouges la Perouse, Bretanha, França (2005); É como dançar sobre a arquitetura, no Instituto Tomie Ohtake, São Paulo (2017); e sua participação através do coletivo SHEDEVIL, na 4ª edição da BIENALSUR Cuando la casa se queima [Quando a casa queima], Rosário, Argentina (2023).
Lucas Bambozzi
(Matão, São Paulo, Brasil, 1965)
Lucas Bambozzi nasceu em Matão, São Paulo, Brasil (1965). Formado em jornalismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (1994), o artista multimídia destaca-se pelos trabalhos interativos. Lucas Bambozzi explora novos formatos de tecnologia, mídias independentes e utiliza o audiovisual para representar relações sensoriais através de imagens distorcidas e granuladas. Entre suas exposições, ressaltamos a individual O Espaço Entre Nós e os Outros,no Laboratório Arte Alameda, Cidade do México, México (2011); sua presença na 7ª Bienal de Havana, Cuba (2000); e na 1ª edição da BIENALSUR Pueblos en resistencia [Povos em resistência], Caracas, Venezuela (2017).
Marcelo Cidade
(São Paulo, São Paulo, Brasil, 1979)
Marcelo Cidade nasceu em São Paulo, São Paulo, Brasil (1979). Formado em Artes pela FAAP (1998), o artista utiliza escultura, instalação e intervenções públicas para abordar temas relacionados à cidade, arquitetura e dinâmicas sociais das ruas. Marcelo Cidade utiliza como matéria-prima de suas obras objetos cotidianos presentes nas cidades, como barricadas de concreto, cercas e correntes. Entre suas exposições, destacamos as individuais Espaço-entre, na La Casa Encendida, Madri, Espanha (2008); Normas, padrões e sistemas, na Galeria Motte et Rouart, Paris, França (2009); sua presença na 27ª Bienal de São Paulo, São Paulo (2006); e a coletiva Do Disturb [Perturbar], no Palais de Tokyo, Paris, França (2018).
Nicole Kouts
(São Paulo, São Paulo, Brasil, 1997)
Nicole Kouts nasceu em São Paulo, São Paulo, Brasil (1997). Formada em Artes Visuais pela Universidade Belas Artes (2018), a artista mescla técnicas analógicas e digitais de vídeo, fotografia, com performance, instalação, desenho e net art. Nicole Kouts intersecciona imagem, tempo e memória, tendo como base imagens relacionadas à sua experiência pessoal, familiar e geracional. Entre suas exposições, destacamos as individuais Enigmas, no Kunsthal NORD, Aalborg, Dinamarca (2023); Palavra Olho, na Phoenix Athens Gallery, Atenas, Grécia (2024); as coletivas Réseaux-mondes, Centre Pompidou, Paris, França (2022); e sua participação na 3ª Bienal de Paxos, Paxos, Grécia (2024).
Rafaela Kennedy
(Manaus, Amazonas, Brasil, 1994)
Rafaella Kennedy nasceu em Manaus, Amazonas, Brasil (1994). A artista visual trabalha com fotografia, moda e performance e utiliza essas linguagens para abordar a relação entre corpo e imagem. Rafaella Kennedy propõe em seus trabalhos novos imaginários para as populações originárias e negras que desafiam e tencionam o apagamento sofrido por esses grupos. Entre suas exposições, destacamos suas participações nas coletivas Invenção dos Reinos, Oficina Francisco Brennand, Recife, Pernambuco (2023); e 38º Panorama da Arte Brasileira: Mil graus, MAM São Paulo (2024). Suas obras também integram coleções de importantes museus, como MAM São Paulo, Museu Afro Brasil, São Paulo e Fundación Casa Wabi, Puerto Escondido, México.
Rodrigo Cass
(São Paulo, São Paulo, Brasil, 1983)
Rodrigo Cass nasceu em São Paulo (1983), vive e trabalha em São Paulo. Entre (2000-2008) foi religioso Carmelita da Ordem do Carmo. Em 2006 concluiu o Bacharelado em Artes Plásticas na Faculdade Santa Marcelina em São Paulo e estudou dois anos (2007-2008) de Filosofia e Teologia na Faculdade Jesuíta em Belo Horizonte. Em (2010-2011) foi selecionado para o programa Bolsa Pampulha e participou do Arte Pará no Museu Histórico do Estado do Pará. Participou do PIESP (2011-2012), Programa Independente da Escola São Paulo.
Sansa Rope
(São Paulo – 1993)
Sansa Rope nasceu em São Paulo, é artista, performer, e educadora. Pesquisa sobre shibari desde 2016, e seu trabalho perpassa sobre questões de gênero, sexualidade, e a posição da mulher na sociedade.
Atualmente leciona shibari e organiza eventos voltados para a prática, com o intuito de provocar o espectador para uma narrativa onde é possível explorar uma visão que ultrapassa fronteiras físicas
Sara Ramo
(Madri, Espanha,1975)
Sara Ramo nasceu em Madri, Espanha (1975). Formada em Artes Visuais na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a artista ressignifica objetos do cotidiano ao colocá-los em lugares inusitados e transformá-los em instalações, esculturas ou assemblages para abordar novas formas de ver e lidar com a realidade e a relação entre o visível e o invisível. Entre suas exposições, destacamos a individual lindaviejalocabruja [lindavelhaloucabruxa], no Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Madrid, Espanha (2019); suas participações em dois Panoramas da Arte Brasileira, MAM São Paulo (2003 e 2011); e em duas edições da Bienal de São Paulo (2010 e 2019).
Tiago Rivaldo
(Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1976)
Tiago Rivaldo nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul (1976). O artista aborda a relação entre identidade e território, pessoa e lugar, retrato e paisagem, por meio de intervenções urbanas, performances e recursos audiovisuais.Tiago Rivaldo realiza sua produção através da identificação com o exterior, em que ele busca se desconhecer e criar personagens de si mesmo. Entre suas exposições, destacamos sua participação como integrante do coletivo Clube da Lata no 27º Panorama da Arte Brasileira com as obras Sem título e O lado de dentro de um outdoor, MAM São Paulo (2001); a coletiva 4º Abre-alas, a Gentil Carioca, Rio de Janeiro (2008); sua presença no 29° Salão Arte Pará (2010); e 9ª Bienal do MERCOSUL, Porto Alegre (2013).
curadoria
Cauê Alves
É mestre e doutor em filosofia pela FFLCH USP. É professor do Departamento de Artes da FAFICLA, PUC-SP, e curador-chefe do Museu de Arte Moderna de São Paulo. É autor de diversos textos sobre arte, entre eles, texto no catálogo da exposição Mira Schendel, Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto, e Pinacoteca de São Paulo e Tate Modern, Londres. É líder do grupo de pesquisa em História da Arte, Crítica e Curadoria da PUC-SP (CNPq). Entre 2016 e 2020, foi curador-chefe do Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia, MuBE. Em 2015, foi curador assistente do Pavilhão Brasileiro da 56ª Bienal de Veneza e, em 2011, foi curador adjunto da 8ª Bienal do Mercosul (2011).
Vera Chaia e Miguel Chaia
Vera Chaia e Miguel Chaia fizeram mestrado e doutorado em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo – USP. Ambos são professores da Faculdade e da Pós Graduação em Ciências Sociais da PUC-SP e autores de artigos e livros. Ele leciona também no curso de Arte: História, Crítica e Curadoria na mesma universidade e participa de vários conselhos de relevantes instituições de arte em São Paulo. São pesquisadores do Núcleo de Estudos em Arte,Mídia e Política – NEAMP.
imagens
Berna Reale, Americano (frame do vídeo). Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo. Still: Marina Paixão
Cao Guimarães, Sin Peso (frame do vídeo). Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo. Still: Marina Paixão
Cinthia Marcelle, Cruzada (frame do vídeo). Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo. Still: Marina Paixão
Guilherme Peters e Sansa Rope, Etrom uo Aicnêdnepedni (frame do vídeo). Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo. Still: Marina Paixão
Lucas Bambozzi, Love stories (frame do vídeo). Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo. Still: Marina Paixão.
Nicole Kouts, Monólogo (frame do vídeo). Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo. Still: Marina Paixão.
Berna Reale, Americano (frame do vídeo). Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo. Still: Marina Paixão
Cao Guimarães, Sin Peso (frame do vídeo). Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo. Still: Marina Paixão
Cinthia Marcelle, Cruzada (frame do vídeo). Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo. Still: Marina Paixão
Guilherme Peters e Sansa Rope, Etrom uo Aicnêdnepedni (frame do vídeo). Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo. Still: Marina Paixão
Lucas Bambozzi, Love stories (frame do vídeo). Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo. Still: Marina Paixão.
Nicole Kouts, Monólogo (frame do vídeo). Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo. Still: Marina Paixão.
mídias assistivas
Programação
Texto dos curadores
serviço
MAM na Cinemateca: corpo e cidade em movimento
vídeos da doação Chaia
Sessão acessível:
das 17h às 18:30
Período expositivo:
16 de julho de 2025, das 19h às 21h30
Curadoria:
Cauê Alves e Miguel Chaia
realização
MAM São Paulo e Cinemateca Brasileira
Endereço:
Cinemateca Brasileira (Largo Sen. Raul Cardoso, 207 – Vila Clementino)
Evento gratuito
Sala Oscarito
A coleção do Museu de Arte Moderna de São Paulo, com mais de 77 anos de história, é marcada por transformações e reformulações que refletem sua importância para a arte moderna e contemporânea no Brasil. Desde a segunda metade da década de 1960, o acervo do MAM vem sendo renovado e ampliado. Contando com doações significativas de colecionadores, críticos e outros incentivadores da arte, assim como dos próprios artistas, o MAM reúne hoje mais de 5 mil obras. Grande parte delas, porém, corresponde à chamada “arte contemporânea”, que se refere, de modo geral, à produção dos artistas nos últimos 60 anos. Esse contingente supera em quantidade e volume as obras de “arte moderna”, aquelas usualmente vinculadas às vanguardas modernistas da primeira metade do século XX.
Diante do encontro entre arte moderna e contemporânea no acervo do MAM, podemos refletir sobre o debate recorrente em torno das definições de “modernidade” e “contemporaneidade” e os modos como estas se relacionam com as produções artísticas. Afinal, as narrativas históricas que pontuam a arte moderna e a arte contemporânea numa linha do tempo nem sempre dão conta de determinar a sua separação, à medida que partidos estéticos e assuntos convergem e se misturam, inclusive em inúmeras obras pertencentes à coleção do MAM.
Se o início da arte moderna se deu com as vanguardas europeias na virada entre os séculos XIX e XX, a produção dos modernistas brasileiros se estendeu pela maior parte desse último século, colocando-a, assim, em um ritmo próprio de elaboração e superação. De fato, o início da produção contemporânea no Brasil pode ser compreendido a partir do desdobramento de uma das últimas vanguardas modernistas, o construtivismo, nas vertentes concretista e neoconcretista e seu diálogo com vanguardas distópicas como a pop art.
A arte moderna nasce como uma ruptura com o passado e com a arte acadêmica. Já a arte contemporânea representa, para muitos, uma quebra em relação aos preceitos modernos, como o formalismo e a especificidade técnica dos suportes, introduzindo novas linguagens e mídias. A noção de vanguarda, típica da arte moderna, que sonhou em revolucionar o mundo e representou uma promessa de liberdade, tende a se perder no momento contemporâneo. Na arte mais recente, a ideia romântica de um mundo melhor perde espaço, assim como a crença na razão e no cientificismo, dando lugar para reflexões sobre a insustentabilidade dos nossos modos de vida e para microutopias almejadas individualmente.
Obras de diferentes períodos da história da arte brasileira recente estão reunidas em seis núcleos na exposição: “Natureza: fim da representação”, “Ambiente urbano: habitat da modernidade”, “Corpos: políticas da relação”, “Formas de construir e romper”, “Fragmentos, gestos e abstrações”, e “Mídias: tradições atualizadas”. Esses núcleos temáticos aproximam produções de tempos e contextos distintos para demonstrar que a recorrência de questões da modernidade na contemporaneidade é um dado próprio do tempo vivido e muitas vezes em períodos sobrepostos. No interior dos núcleos, trabalhos produzidos por artistas em atividade dialogam com obras vinculadas às vanguardas modernistas. Seja através de qualidades visuais, ou de procedimentos técnicos e conceituais, essas obras prolongam até os dias atuais questões inicialmente desveladas pela modernidade industrial, que continuam sendo desdobradas pelos esforços desenvolvimentistas e pelo avanço tecnológico. A percepção de continuidade nessas formas de pensar e revelar a realidade é justamente a ferramenta crítica que a sociedade necessita para lidar com os desafios distópicos que se apresentam a todo o mundo.
O acervo atual do MAM nos coloca, assim, questões que esbarram em problemáticas culturais, sociais e históricas: Qual é a relação entre as ideias de “moderno” e “contemporâneo”? Em que diferem e o que as aproxima? E como isso implica nas nossas formas de produzir cultura e narrar a história? Trata-se apenas de uma distinção de períodos ou estilos? Certamente há diferenças históricas e teóricas que merecem ampla discussão, mas, afinal, é possível traçar com precisão a fronteira visual e temporal entre a arte moderna e a arte contemporânea? De que modo isso se relaciona com a percepção do tempo histórico, e do tempo vivido? A exposição aponta para essas questões, não para respondê-las definitivamente, mas sim para contribuir com outras formas de abordagem, oferecendo ao público autonomia para se surpreender com as reflexões despertadas pela arte, seja de qual tempo ela for.
Intitulado Mil graus, o 38º Panorama da Arte Brasileira elabora criticamente a realidade atual do país sob a noção de calor-limite — uma temperatura em que tudo derrete, desmancha e se transforma. O projeto busca traçar um horizonte multidimensional da produção artística contemporânea brasileira, estabelecendo pontos de contato e contraste entre diversas pesquisas e práticas que, em comum, compartilham uma alta intensidade energética. Ao reunir artistas e outros agentes que abordam questões ecológicas, históricas, sociopolíticas, tecnológicas e espirituais, a exposição serve também como um ativador da memória e do debate público. Como conjunto, as obras driblam os limites da linguagem e seus sentidos preestabelecidos, revelando signos universais por meio de gestos e sotaques regionais. A ideia de uma temperatura oposta ao zero absoluto — ou seja, um quente absoluto — aponta os interesses deste Panorama por experiências radicais, condições extremas — climáticas ou metafísicas —, e estados transitórios — da matéria e da alma — que nos põem diante da transmutação como destino inevitável.
A série Panorama da Arte Brasileira, iniciada em 1969, é um marco na história das exposições. O primeiro Panorama da Arte Brasileira coincide com a instalação do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) em sua sede, na marquise do Parque Ibirapuera. Com o começo da reforma da marquise, em 2024, o MAM saiu temporariamente de sua sede e deve retornar no início de 2025. O calendário e todas as atividades do MAM foram mantidos graças ao apoio e acolhimento de instituições parceiras que possuem laços históricos com o museu, como a Fundação Bienal de São Paulo, que recebeu parte de sua equipe, e o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP) que, além de ceder espaço para os colaboradores, abriga o 38º Panorama da Arte Brasileira.
Desenvolvido pelos curadores Germano Dushá, Thiago de Paula Souza e Ariana Nuala, o projeto do 38º Panorama da Arte Brasileira: Mil graus parte de uma expressão coloquial que possui múltiplos significados, mas sempre com o sentido de elevada intensidade. A mostra aponta para condições marcadas pelo calor, pelo derretimento e por mudanças drásticas em qualquer matéria existente. Na presente edição, o mundo contemporâneo é observado a partir de condições extremas, tanto no sentido de questões históricas e sociopolíticas, como em relação a discussões ecológicas e tecnológicas.
O MAM tem estabelecido parcerias com as instituições do eixo cultural do Parque Ibirapuera. Realizar o 38º Panorama da Arte Brasileira no MAC USP, além de uma aproximação histórica entre as duas instituições, é um momento de integração e soma de esforços em benefício da arte e seus públicos. O MAM agradece a receptividade do MAC USP.
Elizabeth Machado Presidente da Diretoria do Museu de Arte Moderna de São Paulo
Cauê Alves Curador-chefe do Museu de Arte Moderna de São Paulo
É com grande satisfação que o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP) abre suas portas ao 38º Panorama da Arte Brasileira, realizado pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM).
O MAC USP é um museu público criado em 1963 e, desde então, vem se dedicando à preservação, extroversão e atualização de um riquíssimo acervo de obras de arte do Brasil e do exterior. Como museu universitário, as atividades de ensino, pesquisa e extensão ancoram uma intervenção crítica e formativa atenta aos debates da arte moderna e contemporânea. Como tal, não poderíamos nos furtar a acolher em nossa sede essa instituição parceira em tantas iniciativas museológicas e curatoriais. Nas últimas décadas, o Panorama tornou-se um espaço fundamental de reconhecimento e problematização das tendências atuais da arte no Brasil. Contribuir para a manutenção de sua periodicidade, neste momento de reformas na sede do MAM, na marquise do Ibirapuera, é para nós, também, uma oportunidade de diálogo com as propostas e produções reunidas nesta edição da mostra, no 3º andar do prédio, além de algumas obras e intervenções no térreo.
Aproveitamos para convidar o público a visitar, também, as exposições do MAC USP atualmente em cartaz: Tempos Fraturados (6º e 7º andares); Circumambulatio: Anna Bella Geiger e Sacilotto Contemporâneo: cor, movimento, partilha (5º andar); Experimentações Gráficas: Doação Coleção Ivani e Jorge Yunes e Galeria de pesquisa: aspectos da coleção da Terra Foundation for American Art (4º andar) e Acervo Aberto (no anexo).