O modernismo, especialmente no campo da arquitetura, seguiu princípios funcionais com ênfase na racionalidade e no uso de formas geométricas simples. Além disso, incorporou materiais como o concreto, o que permitiu novas perspectivas construtivas. Rodrigo Sassi dialoga com ideias modernistas, mas em vez de recusar o decorativo em busca de uma aparência mais limpa, explora outras possibilidades do ornamento.
Em obra recente realizada no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, MG, instituição parceira do MAM São Paulo neste projeto, o artista atualizou noções sobre o barroco a partir da perspectiva da arte contemporânea. É justamente do cruzamento entre arte moderna e arte colonial que seu trabalho se desenvolveu. Com referências aos painéis de Burle Marx e de Athos Bulcão, típicos da arquitetura moderna de Rino Levi e Oscar Niemeyer, o artista também explora contradições do projeto moderno. Entre elas está a ênfase no trabalho operário, sempre pouco valorizado, mas fundamental para qualquer construção. Por isso, o artista produz artesanalmente módulos de concreto usando técnicas tradicionais.
A obra se apresenta como um grande relevo construído com fôrmas de madeira que servem de molde temporário para cada um dos módulos. Com elas, é possível modelar o concreto, material característico da construção civil e que suporta altas cargas. A partir de uma linha horizontal central, formas sinuosas, cinzas como o cimento, serpenteiam a parede em configurações de diferentes tamanhos. Dez peças distintas podem se encaixar umas nas outras, criando padrões variados.
Em vez de se mesclar com a parede ao fundo, o concreto preso por parafusos se sobressai e se destaca. Conforme o visitante caminha, as peças se revelam e, aos poucos, intervalos e respiros ficam evidentes. O contraste entre o plano e o espaço tridimensional se acentua e as formas orgânicas, caracterizadas pelas linhas curvas encontradas na natureza, se fundem com os volumes da geometria regular, comum na arquitetura de concreto.
Cauê Alves (curador-chefe do MAM São Paulo)
A trajetória de Claudia Andujar (Suíça, 1931), que fugiu da perseguição nazista durante a Segunda Guerra Mundial, revela o modo como conflitos políticos interferem na vida de diversos povos. A artista chegou ao Brasil em 1955, país em que vive até hoje e onde se naturalizou em 1976. Sua vida é marcada pela luta por demarcação de terras Yanomami e por uma série de ensaios fotográficos dedicados aos povos indígenas no Brasil. Claudia Andujar se identifica com a vulnerabilidade do povo Yanomami e nos ensina que o outro é aquele que nos ajuda a entender quem somos.
A série Sonhos Yanomami, de 2002, foi elaborada a partir de seu acervo de imagens, da sobreposição de cromos e negativos realizados desde 1971, ocasião de sua primeira viagem para a bacia do rio Catrimani, em Roraima, território Yanomami homologado pelo governo brasileiro apenas em 1992. Trata-se de uma obra do período maduro da artista, que já possuía grande intimidade com a cultura do povo que a acolheu.
As imagens revelam algo dos rituais dos líderes espirituais Yanomami e a importância do sonho em sua cosmologia. Os xamãs, diferente dos demais, se deslocam durante o sonho na companhia dos espíritos, dos xapiri, que podem trazer conhecimento, cura e proteção para a comunidade. O sonho, longe de ser um fato banal que é esquecido depois de despertarem, é uma conexão profunda com os espíritos, que viajam para além do céu, da terra e do mundo subterrâneo, e voltam com ensinamentos sobre o que viram.
O trabalho de Claudia Andujar se comunica com a cosmologia Yanomami e sua sabedoria ancestral por meio de imagens. Corujas, garças, macacos e retratos de indígenas se mesclam com luzes, texturas de pedras e árvores, resultando em fotografias fantasmagóricas dos sonhos de um povo com uma cultura sofisticada.
No período em que foi revelado ao mundo mais um genocídio contra os Yanomami, cometido entre 2019 e 2022, devido ao incentivo ao garimpo ilegal e ao uso de armas, a mostra adquire um caráter simbólico para dar visibilidade aos valores indígenas. Essa também é uma história de aproximadamente 50 anos: os Yanomami vêm sendo dizimados ao menos desde 1973 com a construção da Rodovia Perimetral Norte (BR-210) e da abertura de dezenas de pistas de pouso de aeronaves.
A sobrevivência dos Yanomami, além de uma questão humanitária, assegura a proteção da floresta, a sustentabilidade ambiental e a vida no planeta. Os xamãs, os únicos que conseguem sonhar mais longe e ouvir as vozes dos espíritos da floresta, impedem a queda do céu, sustentado pelos xapiri, que mantêm o equilíbrio e a ordem do universo. O fim do mundo, o desabamento do céu, ocorrerá quando a floresta for exterminada e o último xamã morrer. O tempo para reverter a grande catástrofe está se esgotando.
Cauê Alves (curador-chefe do MAM São Paulo)
Maciej Antani Babinski
Varsóvia, Polônia 1931
O MAM São Paulo apresenta a recente aquisição de mais 20 obras de Maciej Babinski. O artista está entre os grandes de sua geração e o presente conjunto enriquece nosso acervo. Como as gravuras trazem detalhes, narrativas e vários acontecimentos, os públicos que frequentam o MAM têm agora a possibilidade de investigar cada detalhe das obras com o auxílio de lupas disponibilizadas pelo museu.
Babinski nasceu em Varsóvia, Polônia, em 1931. Com a Segunda Guerra Mundial foi para a Inglaterra, depois Canadá, até se fixar no Brasil, em 1965. No Rio de Janeiro, aproximou-se de diversos artistas, entre eles Oswald Goeldi. Foi também professor na Universidade de Brasília e lecionou na Universidade Federal de Uberlândia, MG. Viveu em São Paulo por oito anos, onde frequentou a Escola Brasil. Atualmente vive em Várzea Alegre, no Ceará. Seus deslocamentos e o convívio com manifestações da vanguarda marcam a sua trajetória.
As peças que o MAM acaba de receber são de períodos diversos: há exemplares dos anos de 1950, 1960, 1970 e 1980, além de um significativo conjunto realizado nas duas primeiras décadas do século 21. A mais antiga foi realizada em 1955, momento em que o artista desenvolveu obras abstratas. Sua gravura dos anos de 1960 aborda indiretamente o ambiente de tensão presente durante a ditadura militar. Se em algumas gravuras há traços expressivos, em outras, feitas entre 2009 e 2014, afloram seu imaginário e suas fantasias. Em alguns dos trabalhos das décadas de 1970, de 1980 e de 2010 paisagens naturalistas e formas vegetais são perseguidas pelo artista com traços singulares e autorais. Ao mesmo tempo, figuras humanas, ora mais geometrizadas, ora mais oníricas, aparecem em narrativas em que o animalesco, cenários complexos e personagens inusitados se intercalam.
O conjunto representa a variedade de estilos e técnicas usadas pelo artista, passando pela xilogravura e com ênfase na gravura em metal. Trata-se de uma seleção representativa e generosa, feita pelo próprio Babinski, de sua fecunda obra.
Cauê Alves
Silêncios e direitos
A instalação de Ana Teixeira para o Projeto Parede do MAM São Paulo é fruto de uma pesquisa que a artista realiza desde 2019, a partir da escuta de mais de uma centena de mulheres. Historicamente, a fala das mulheres sempre foi reprimida. É mais comum que mulheres sejam interrompidas, seja em reuniões de trabalho ou mesmo durante o lazer, do que homens. Tudo se passa como se elas não fossem capazes de seguir com seus argumentos. Além de enfrentar a violência física, o trabalho de Ana Teixeira discute a violência verbal contra a mulher.
Depois de fotografar as mulheres entrevistadas, a artista desenhou algumas delas segurando placas com dizeres que reforçam a necessidade de romper com a dominação masculina, para que todos os gêneros sejam tratados de modo respeitoso e igualitário. Ela dá voz às mulheres cis, trans e travestis, lembrando que não é admissível que elas sejam caladas. No fone de ouvido, é possível escutar 101 frases coletadas por Ana Teixeira (clique aqui e leia as frases na íntegra), nas quais a maioria das entrevistadas reafirma a liberdade das mulheres, critica o patriarcado e manifesta seus desejos ao responder à pergunta: O que você não quer mais calar?
Em 2021, Ana Teixeira realizou uma pesquisa no acervo da Biblioteca Mário de Andrade e elaborou a publicação Cala a Boca Já Morreu! (clique aqui para ler), cujas páginas estão também expostas no Projeto Parede. Os livros usados pela artista, pertencentes à Biblioteca Mário de Andrade, estão disponíveis para consulta na biblioteca do MAM.
A obra de Ana Teixeira revela que, no lamentável silenciamento das mulheres, há uma potência de significados que não cabe em uma parede. Em vez de vazios ou ausências, os silêncios, em especial esses que estão se rompendo, são promessas de um futuro com igualdade de direitos, inclusive o direito de fala.
Cauê Alves
Esta obra reveste o corredor do mam com paredes de pau a pique. A técnica de construção usa uma trama quadriculada de galhos e bambus entrelaçados de forma regular, gerando uma estrutura oca posteriormente preenchida com barro. Esse procedimento tem sido empregado no Brasil, desde o período colonial. Sua ampla presença em edificações para diferentes classes sociais, ao longo da história evidencia uma continuidade material entre os prédios ostentosos, como a igreja barroca, e as moradias populares, como a casa da roça. Parte dos galhos aqui utilizados veio do parque do Ibirapuera; somados à terra aparente, trazem um cheiro orgânico ao corredor. Ao construir com elementos vivos do entorno, o artista aproxima museu e natureza por meio de um saber que nos une a um Brasil profundo.
*Este título vem do poema e do livro “Roça barroca” da poeta e tradutora Josely Vianna Baptista.
Thiago Honório, “Estudos para roçabarroca“, 2018/2020, Lápis de cor e grafite sobre papel, 42 x 60 cm. Foto: Edouard Fraipont
Esta instalação é composta pelo registro de postes, em diversas posições, observados contra um céu neutro que os reduz a um simples traço-desenho.
A tradução do título é dobra sobre dobra, e a obra evoca a peça homônima do compositor e maestro francês Pierre Boulez, composta entre 1957 e 1962 para soprano e orquestra.
A sonoridade da peça sugeriu a Vicente de Mello uma sequência fotográfica que dialoga com o movimento de notas musicais sobre uma partitura, um grande móbile que se dobra sobre sua dobra, mudando o sentido e a ordem, uma desconstrução visual com a própria música que ressoa no ambiente do MAM, criando uma insólita e errática interpretação de modulação e ritmo, como de breves flashes marcantes sobre um filme velado.
Pli Selon Pli foi criada em 2008, na residência artística Open Projects, em Varsóvia. Sua primeira versão foi apresentada no Projeto Parede/MAM, em 2010, e, em seguida, na Cidade das Artes, em 2016, em impressão lambe-lambe. Em 2017, a proposta de desdobrou em um painel de azulejo de 65 m², comissionado pelo Sesc 24 de Maio. Esta proposição retorna ao Projeto Parede, em 2019, em uma apresentação distinta: agora as imagens dos postes se amalgamaram à textura da parede por uma fina película, destituindo a presença do papel, criando uma única superfície imagética.
Felipe Chaimovich
Curador
A imagem da seca é compreendida como parte da identidade da região Nordeste do Brasil, algo que supostamente não diz respeito apenas ao clima, e que cria narrativas, imaginários coletivos, políticas públicas e grandes obras. Esta representação está diretamente ligada, por exemplo, à criação de programas, campanhas e instituições como o DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas).
Açudes, canais, represas, barreiras, paredes são consequência de parte destas narrativas da seca e produzem uma alteração na paisagem natural. Sua justificativa geralmente se dá pela diminuição das desigualdades, embora muitas vezes ampliem a noção de injustiça.
Como compreender que alguém não possa ter acesso à água de um canal construído com o discurso de levar água para esse alguém? Ao mesmo tempo, como podemos intervir e pensar uma política hídrica sustentável considerando a concentração de pessoas em grandes cidades?
*Como parte deste trabalho será publicado na Wikipédia o verbete “injustiça hídrica” durante o período da exposição.
Vitor Cesar e Enrico Rocha
Artistas
Sertão é palavra de origem desconhecida. Na língua portuguesa, há registros de sua existência desde o século XV. Quando aqui aportaram, os colonizadores já trouxeram consigo o termo, usando-o para designar o território vasto e interior, que não podia ser percebido da costa. Desde então, a esse vocábulo atribuem-se diversos sentidos, sem nunca ser fixado numa ideia pacificada. É constituído, inclusive, por oposições: pode referir-se à floresta e ao descampado, ao lugar deserto e também ao povoado, àquilo que é próximo e ermo. Qualifica o visível e o desconhecido, trata da aridez e da fertilidade, do inculto e do cultivado.
Ainda que tenha chegado ao Brasil na caravela, sertão não cessa de se insurgir contra o colonialismo e de escapar de seus desígnios. Mantém sua potência de invenção, não se rende aos monopólios dos saberes patriarcais, exige novos pactos sociais, desierarquiza sua relação com a natureza, reverencia o mistério, festeja. Sertão é, antes e depois de tudo, experimentação e resistência, qualidades fundamentais para viver a arte e que nos trazem a este 36º Panorama da Arte Brasileira.
No Brasil que pleiteava sua modernização, no início do século XX, sertão passou a referir-se, sobretudo, à região do Nordeste de clima semiárido, ilustrada por sua vegetação de caatinga, em oposição ao litoral. Nesse momento, reforça-se o projeto de um lugar seco, primitivo, rude, propagandeando um outro na iminência do flagelo. Forja-se, dessa maneira, uma condição de submissão que justificaria políticas assistencialistas, mas sobretudo a atualização de medidas de exploração. Suas imagens estão presentes por toda a cultura brasileira, ainda que nenhuma delas dê conta de tudo o que pode significar.
Contrariando determinismos, e sob a luz de uma certa produção de arte do Brasil, Sertão é modo de pensar e de agir. Termo evocativo, traz consigo afetos transformadores, formas políticas, ideais de criação, memórias de luta, rituais de cura, ficções de futuro. Esta arte-sertão que aqui se apresenta está no deslizar das linguagens. Mais que um lugar, essa condição sertão é a travessia. Espalha-se Brasil afora, está no manejo do roçado, supera-se na viela da favela, desce pelo leito do rio, está escrita nos muros da cidade e presente na terra retomada. Manifesta-se nos encontros e nos conflitos.
No 36º Panorama da Arte Brasileira, 29 artistas e coletivos reúnem-se para compartilhar estratégias de resistência e modelos de experimentação, a partir de suas histórias. Se sertão está no limite do que se pode apreender, por definição, a ideia de panorama é complementar na forma de sua contradição. A importância de juntar essas instâncias e acolher essas oposições, no entanto, se dá pela necessidade cada dia mais atual de defender existências não hegemônicas e de compartilhar outros modos de vida. Enquanto a arte puder afirmar sua condição sertão, vai ter sempre luta, vai haver sempre a diferença, vai existir sempre o novo.
Júlia Rebouças
Curadora
50 anos de Panorama
O Panorama da Arte Brasileira teve sua primeira edição em 1969 e foi idealizado como forma de o museu recompor seu acervo e voltar a participar ativamente do circuito artístico contemporâneo. A princípio evento anual, o Panorama passou a ser realizado a cada dois anos a partir de 1995, contando até o momento 35 edições.
Parcerias
O 36º Panorama da Arte Brasileira: Sertão procurou ampliar seu tempo e espaço de atuação por meio de parcerias estratégicas: com a Festa Literária Internacional de Paraty, serão promovidas duas mesas de debate convidando um participante da Flip e um participante do Panorama, com a mediação de Júlia Rebouças e Fernanda Diamant, curadora da 17ª edição da Flip; com o Auditório Ibirapuera, vizinho do museu, foi organizada uma programação musical a partir dos conceitos trabalhados no Panorama para o dia 18/08, dia seguinte à abertura no MAM; e, com a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, novos debates acontecerão em setembro e outubro, promovendo o encontro entre artistas, psicanalistas e o público.
Irmãos Campana na loja mam
O estúdio Campana, dos irmãos Fernando e Humberto Campana, que celebra em 2019 seus 35 anos de trabalho, ficará a cargo da curadoria da loja mam durante o período do Panorama, com o patrocínio do Iguatemi São Paulo. O trabalho dos Campana incorpora a ideia da transformação, reinvenção e integração entre o artesanato e a produção em massa, oferecendo um design com identidade própria, mixando a individualidade dos materiais à preciosidade das características comuns no cotidiano brasileiro, como as cores, as misturas, o caos criativo. A partir do olhar único dos irmãos Campana, que contam com um extenso trabalho de pesquisa da cultura vernacular nordestina presente em suas coleções, os visitantes poderão vivenciar um novo espaço da loja mam e encontrar peças cuidadosamente selecionadas que trabalham com o conceito expandido de sertão.
AMA: levando água potável ao semiárido brasileiro
Colocar o sertão em foco possibilitou que o 36º Panorama da Arte Brasileira firmasse parcerias com propósitos que vão muito além do simples apoio financeiro. Um dos patrocinadores, a Água AMA, água mineral da Cervejaria Ambev, tem 100% de seu lucro revertido para projetos de acesso à água potável no semiárido brasileiro. A mostra é uma oportunidade para que o público conheça um produto que, aos poucos, está ajudando a transformar a realidade de muitos brasileiros vivendo no semiárido – clima presente em regiões comumente associadas ao tradicional imaginário de sertão. Já são mais de 26 mil pessoas beneficiadas pelos projetos que AMA financia, em todos os nove estados que compõem o semiárido no Brasil. Este ano, a marca atingiu R$ 4 milhões de lucro, recurso integralmente revertido para iniciativas de acesso à água potável. Iniciativas como o patrocínio ao Panorama da Arte Brasileira permitirão um crescimento ainda maior desses números.
Apoio ao Panorama e ao público de fora de São Paulo
A agência de viagens Flytour, além de ter se tornado agência apoiadora do Panorama, habilitou para o MAM um portal em que os interessados em adquirir passagens e pacotes de hospedagem para viajar a São Paulo e conferir pessoalmente o 36º Panorama da Arte Brasileira: Sertão contarão com descontos especiais.
No corredor de acesso à Grande Sala do museu, a instalação 3D Bandes Décimées brinca com diferentes formas abstratas feitas de forma invertida aos cálculos precisos usados pelo artista François Morellet.
Para ocupar o Projeto Parede do segundo semestre de 2016, o Museu de Arte Moderna de São Paulo apresenta a instalação 3D Bandes décimées, de autoria do artista François Morellet, reconhecido pela atuação na arte cinética e morto no último dia 11 de maio, aos 90 anos, em Paris. Originalmente, o francês criou a obra em duas partes: em uma parede fez uma sequência repetida de sobreposição de linhas com um sistema matemático calculado e rigoroso; na outra parede, essas sequências são replicadas de forma invertida e negativa, criando formas aleatórias e abstratas. No MAM, apenas a parede de desenhos será apresentada no corredor de acesso entre o saguão de entrada do público e a Grande Sala do museu a partir do dia 20 de junho e permanece no espaço até 18 de dezembro.
Em vídeo, o artista declarou que amava essa obra pela precisão apresentada. Ao fazer um emparelhamento improvável, Morellet conseguia combinar brincadeiras com sistemas matemáticos rigorosos. “Calculando a sequência de linhas, eu não imaginava a variedade de formas que seriam criadas, o que causa diversos pensamentos e criações de histórias sobre cada uma delas por parte do observador”, disse o artista em vídeo gravado no ano passado quando inaugurou a obra na mostra DASH DASH DASH, que reuniu trabalhos novos e históricos na galeria Blain|Southern, em Berlim, na Alemanha.
Destaque da arte cinética, François Morellet trabalhou com formas geométricas ao longo de toda carreira. Embora tenha usado grande variedade de meios e técnicas, o interesse por linhas, grades e a harmonia de linhas dentro do espaço sempre foram uma constante. Ao empregar o construtivismo e sistemas matemáticos, o artista jogava com expectativas visuais, onde planos e linhas são inclinadas, a simetria é perturbada e a geometria é alterada.
Circuito das águas
Trinta metros de canos plásticos, uma pia de alumínio, um hidrômetro. Esses materiais estão articulados em um circuito longo e estrito, formando um retângulo que se interrompe pelo fluxo contínuo de um líquido escuro. Estrutura simples, desenho mínimo, crítica direta: assim é Águas negras, instalação Nicolás Robbio no Projeto Parede.
Radicado em São Paulo há anos, o argentino Nicolás Robbio tem seu trabalho alicerçado no desenho. Ele não entende o desenho como um traçado, mas como linha que pode se apresentar gráfica ou materialmente, ou ainda pela sombra projetada de algum objeto. Em suas instalações, a combinação de objetos e linhas se fecham em circuitos capazes de representar o que não pode – ou não deve – acontecer de verdade, como água jorrando em plena crise hídrica.
Caneta hidrográfica e nanquim
O corredor que liga a entrada do museu à Grande Sala se transforma num ateliê até o final do ano. Durante 136 dias, cada um dos 53 artistas do coletivo cadaVer se munirá de canetinhas para desenhar na parede mais extensa do corredor. O coletivo existe desde março e dele participam sete ex-integrantes do coletivo Em Obras, que fez em 2010 uma intervenção na passagem subterrânea da rua da Consolação, na região central de São Paulo.
O nome do coletivo chama atenção. Além de remeter à visão individual, ao olhar particular, o nome cadaVer é uma referência à palavra “cadáver”, aludindo à morte do ego, e ao jogo Le cadavre exquis [O cadáver refinado], inventado pelos artistas surrealistas nos anos 1920. Nesse jogo, cada participante faz um desenho numa folha de papel e a dobra, deixando apenas uma parte do traçado à mostra. Em seguida, outro participante continua o desenho sem ver o que o anterior fez. O jogo termina quando todos os participantes tiverem feito seu desenho. O resultado é sempre uma surpresa.
Diversamente dos surrealistas, os integrantes de cadaVer têm plena consciência do seu processo de trabalho. Eles criam a partir do que seus parceiros fazem, construindo uma obra coletiva diante do público: quem visitar o MAM de terça a domingo, das 10h às 18h, pode encontrar um artista do cadaVer desenhando na parede do corredor.
Tudo que é comunitário precisa de regras para funcionar bem. Isso vale para o cadaVer. Quem está no coletivo participando do Projeto Parede, compromete-se a seguir quatro regras: 1) usar os mesmos materiais; 2) trabalhar sozinho – um artista por dia, pelo tempo que julgar necessário durante o horário de funcionamento do museu; 3) registrar o trabalho realizado em seu dia e enviar o registro para um destinatário que armazenará e organizará o processo inteiro; 4) criar com linguagem própria a partir do que outros artistas fizeram, não acrescentando à obra nada realizado previamente, em ateliê, para a parede do MAM.
Como a canetinha foi o material escolhido pelos 53 artistas para executar o Projeto Parede, o desenho é a principal técnica utilizada na obra. Carola Trimano, uma das integrantes do cadaVer, considera o desenho uma prática fundamental para o artista plástico. Para ela, o desenho “é como uma meditação, um momento de quietude e silêncio necessário ao crescimento, ao desenvolvimento, ao contato com a essência gráfica. É isso que nos possibilita expressar nossa alma com fidelidade e depois revelar ao mundo a nossa mensagem”.
Um jogo de projeções no teto do corredor de ligação do MAM apresenta a imagem de uma equilibrista caminhando num cabo de aço. A imagem está na mesma escala que o público, que vê a equilibrista de baixo e tem a nítida impressão de que há alguém passando sobre sua cabeça por toda a extensão do corredor.
Boa parte da ilusão de Por um fio é produzida pela sincronização dos movimentos da equilibrista e do público. A semelhança entre seus passos na projeção e os passos do visitante no corredor cria um jogo entre realidade e virtualidade no qual o observador pode partilhar da sensação de vertigem que o ato de caminhar por um fio provoca em muita gente.
Radicada em São Paulo, Helena Martins-Costa fala sobre Por um fio: “O título evoca a ideia de limite, de situação extrema, onde um frágil equilíbrio sustenta algo que está à beira do abismo. Essa situação sugere um risco enorme. É como se a cada instante fosse preciso interceder para evitar a queda que parece iminente. Para não cair durante a travessia, a equilibrista é convocada a uma dinâmica necessária e vital de compensação, sustentação e harmonização de forças antagônicas, externas e internas, que atuam sobre seu corpo e sua mente”.
No jogo entre o real e o virtual, a imagem da equilibrista é uma alegoria da sua própria condição. Afinal, o que pode cair? Quem caminha na imagem ou a própria imagem do caminhante?
O Projeto Parede de Yiftah Peled une arquitetura e imagens de pele humana. O espaço é transformado em um orifício onde o visitante entra, tornando-se um performer ao passar pelo corredor.
Lixas vermelhas estão coladas na parede. O piso é revestido por uma composição de imagens a partir de fragmentos da pele do artista e dos funcionários do museu. O projeto inclui a participação de funcionários de todos os setores museológicos. A composição evoca o museu como um organismo que, mais do que uma forma arquitetônica ou um espaço expositivo de paredes brancas, é um lugar constituído por pessoas que nele interagem, e uma composição humana que se torna complexa no encontro com o visitante.
Dessas operações surge um local de “especificidade humana” (human specific). A obra pode também ser considerada como um alerta sobre a suposta neutralidade das paredes nos espaços expositivos, envolvendo o risco do contato do corpo com a lixa no ato de caminhar dos visitantes. Consumir e ser consumido tornam-se, assim, atos complementares.
Pele é uma padronagem, à primeira vista decorativa, que num olhar mais aproximado desvenda seu elemento-chave: patas de galinha. O conforto da estética doméstica dá lugar ao incômodo pela utilização da matéria orgânica repugnante como elemento gráfico, explorado em multiplicações fractais. Assim como a memória – que às vezes nos transporta a espaços particulares de deslumbramento, às vezes nos lança a ocorrências pessoais violentas e dolorosas – a percepção de Pele provoca uma sensação de atração e repulsa, identidade e estranhamento.
Este trabalho é um desdobramento da série Toalhas, realizada entre 1996 e 1997 para a 6ª Bienal de Havana, onde foram desenvolvidas cinco estampas diferentes. Tendo como referência as toalhas de mesa populares impressas em linóleo, distribuídas a metro em milhões de lares no decorrer de décadas e utilizadas como suporte de incontáveis rituais domésticos em torno da mesa, o trabalho questiona o que retemos desses encontros. Cada uma das estampas é composta por sobras da mesa, como vegetais mofados, frutas podres, flores murchas, cinzeiros sujos e as patas de galinha reutilizadas em Pele.
Habituada a lidar com a história, o colecionismo e a acumulação de conhecimentos, Mabe Bethônico não se restringe a fazer algo no corredor de ligação do MAM. Ela vai além do contemplativo. Depoimentos podem ser ouvidos entre as estantes deslizantes da biblioteca. Um audiobook fica sobre a mesa. Uma trilha está instalada atrás das mesas das bibliotecárias. Algumas extensões da obra escapam e vão para o parque. Sinalizações estão espalhadas pelo museu, incluindo um mapa do acervo da biblioteca, que ocupa estrategicamente as paredes do corredor. “O que me interessa é a história da constituição da biblioteca do museu”, comenta a artista.